Medidas
de proteção para a cobertura de manifestações e em casos de violência contra
jornalistas.
Adilson
Paes de Souza¹
2015
SUMÁRIO
1.
|
Apresentação.
|
3
|
2.
|
Medidas
de proteção em manifestações
|
4
|
3.
|
Sobre a
violência contra jornalistas
|
5
|
3.1.
|
Algumas
medidas em caso de violência
|
7
|
4.
|
Sobre o
uso de armas de fogo e munição menos letal
|
9
|
5
|
Em caso
de detenção pelas forças de segurança
|
10
|
Medidas de proteção para a cobertura de
manifestações e em casos de violência
contra jornalistas.
1. Apresentação
O que se propõe é ofertar um
material que possa servir de guia para que os membros da imprensa utilizem,
principalmente, nas cobertura das manifestações e dos protestos que tem
ocorrido com frequência em nossa sociedade, ao redor do mundo. Não há a
pretensão de esgotar o assunto, muito ainda há que ser dito, até mesmo porque
novas situações surgirão e demandarão novas medidas.
O diferencial é a fusão da
experiência do autor, Tenente Coronel da reserva da Polícia Militar do Estado
de São Paulo, o que o torna um observador privilegiado, com as normas de
direito internacional atinentes ao assunto. No que se refere, especificamente,
às medidas de proteção aos jornalistas foi utilizado também o Manual de
Segurança para Cobertura de Manifestações no Brasil, elaborado pela Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo - ABRAJI, em 2014.
Buscou-se fazer um compêndio das
normas de direito internacional porque elas podem ser aplicadas a todos os
países. Estas normas, com certeza geraram outras normas, no âmbito de cada
país.
Em razão disto, o presente trabalho
poderá ser divulgado e utilizado, com certeza, em todos os países do continente
americano.
Outro efeito interessante: O
descumprimento de uma norma internacional, abre a possibilidade do país ser
alvo de queixa e, até mesmo, de ação perante os tribunais internacionais.
2. Medidas de proteção em manifestações.
-
Faça um mapa mental identificando a posição das forças de segurança e
dos manifestantes. Isso pode evitar que fique entre fogo cruzado.
- Saiba mais sobre o evento que irá
cobrir. Colha o máximo de informações (perfis dos manifestantes, modus operandi das forças de segurança,
pautas das reinvidicações, histórico de violência etc). Estabeleça uma rota de
fuga para situações de emergência.
- Fique, se possível, a favor da
direção do vento. O que poderá auxiliar na dispersão do gás lacrimogêneo e reduzir
os efeitos.
- Evite o acúmulo de funções. Trabalhe
em conjunto, no mínimo em duas pessoas. Enquanto você está focado em determinada
cena na manifestação haverá outra pessoa com você, prestando atenção no que
ocorre em sua volta, o que aumentará o grau de segurança. Trabalhe sempre com
alguém auxiliando. Na Brasil, precisamente no Rio de Janeiro, em 2014, lembrar
as circunstâncias da morte do repórter cinematográfico Santiago Andrade que
atuava sozinho na cobertura de uma manifestação e foi alvejado pelas costas por
um tiro de artefato de pólvora (rojão).
- Nunca recolha nenhum objeto
arremessado. Faça imagens. Você poderá se ferir ou ser confundido com algum manifestante.
- Nunca ande sozinho, mantenha
contato com outros jornalistas e com a redação por celular, periodicamente,
informando o local onde está e a situação no momento.
- Utilize GPS, se possível, e/ou um
mapa da local. Isto facilitará estabelecer sua posição exata.
- Grave alguns telefones no seu
celular, como contatos diretos, para serem facilmente acionados em caso de
necessidade.
- Esteja fisicamente hábil e em boas
condições médicas para realizar a cobertura. Utilize óculos, mas não utilize lentes
de contato.
- Porte algum tipo de identificação
que indique o seu tipo sanguíneo e se possui alguma enfermidade que requer
cuidado especial (diabetes etc).
- Leve água, não só para ingerir,
mas também para lavar o rosto caso tenha contato com gás lacrimogêneo. Nesse
caso utilize um lenço ensopado com água e aplique sobre o rosto. Cuidado ao
utilizar vinagre, pois não há comprovação de sua eficiência contra o gás
lacrimogêneo. Além do que, por ser ácido, poderá causar mais irritação nos
olhos e na pele.
3. Sobre a violência contra jornalistas.
A identificação do autor é
primordial.
Reconhecendo a grave dimensão desse
problema, vários documentos internacionais ressaltam a necessidade da adoção de
medidas preventivas para assegurar a transparência e a efetiva
identificação dos membros das forças de
segurança, com a consequente responsabilidade destes pelos atos praticados.
De acordo com o Plano de Ação das Nações Unidas sobre a
Segurança
dos Jornalistas e a Questão da Impunidade, elaborado
pela a UNESCO, em 2012, dados da organização internacional
Intercâmbio Internacional pela Liberdade de Expressão revelam que em nove entre
dez casos de violência contra jornalistas havidos no mundo, os autores sequer
foram identificados.
No Brasil, segundo o relatório da
Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), publicado em 2014, a impunidade é o
maior problemas nos casos de violência contra jornalistas. Somente um caso foi
solucionado. Nos demais casos os agressores sequer foram identificados, sendo que,
na maioria deles, os policiais são os autores (48,06%) e ocorreram nas
manifestações.
A
Resolução 29, de 12 de novembro de 1997, da UNESCO, denominada "Condenação
da Violência contra Jornalistas", condena os assassinatos e qualquer ato de violência contra jornalistas.
Para a UNESCO eles são considerados
crimes contra a sociedade e fazem com que sejam reduzidos o exercício da
liberdade de expressão.
Nesse mesmo documento a UNESCO
ressalta que cabe às autoridades envidar todos os esforços para prevenir, investigar
e punir tais crimes e remediar as consequências.
A Declaração de Medellín da UNESCO,
editada em 2007 com o nome "Securing
the Safety of Journalists and Combating Impunity", igualmente
expressando grande preocupação em relação à impunidade existente nos crimes
contra jornalistas, estabelece: 1) a
necessidade e relevância de investigação
de todo ato de violência contra jornalistas, profissionais de mídia e pessoal
associado, quando houver o envolvimento de militares e policiais, e 2) a adoção
de todas
as medidas de prevenção desses atos, além das medidas de investigação e de
julgamento dos autores. Nesse sentido as autoridades e os responsáveis pela
formação e treinamento dessas forças de segurança devem promover o treinamento
adequado dos agentes no que diz respeito à promoção da segurança dos
jornalistas, para que estes possam trabalhar com liberdade e segurança.
O Plano de Ação para a Segurança de
Jornalistas e a Questão da Impunidade, elaborado pela ONU em 2012 estabelece que
a violência contra jornalistas deve ser tratada como uma questão de Estado e de
governo e que esta violência não é uma agressão somente a uma categoria
profissional, mas à sociedade, comprometendo a democracia.
A declaração denominada "A
Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade" adotada na 68ª
Assembléia Geral da ONU em 26 de novembro de 2013 estabelece o seguinte:
1) Todo e qualquer ataque ou violência praticado contra jornalistas ou
agentes da mídia, inclusive detenção arbitrária, intimidação e assédio é
condenado,
2) Os Estados membros devem envidar
o máximo esforço para prevenir a violência contra jornalistas e agentes da
mídia, para investigar os crimes praticados contra esses profissionais e para
processar judicialmente os autores,
3) Os Estados membros devem promover
um ambiente seguro e eficaz para que os jornalistas exerçam sua funções de
maneira independente e sem interferências indevidas, por meio de medidas
legislativas, campanhas de conscientização no poder judiciário, nas forças de
segurança e na sociedade em geral sobre a proteção dos jornalistas e a
liberdade de imprensa, e
4) Os Estados membros devem adotar
medidas para o monitoramento dos ataques perpetrados contra os jornalistas,
para a condenação pública destes ataques e devem proporcionar os recursos
necessários para a investigação e o julgamento dos seus autores.
Após essas breves considerações,
seguem algumas medidas caso você seja vítima de violência, no exercício de sua
profissão.
3.1 Algumas medidas em caso de violência.
-
Procure identificar o autor. Não só o nome, mas também se há alguma
numeração ou o tipo e a cor do uniforme, tipos de desenhos existentes neles,
que na realidade, podem indicar a patente que o autor possui e a qual unidade
(batalhão, grupo etc) ele pertence.
A forças de segurança adotam a prática, como
identificação dos seus agentes, da utilização de números ou um conjunto de
letras e números, no lugar de nomes. Isto dificulta a obtenção da identificação
da agente e seu posterior reconhecimento em casos de prática de violência. Há
algumas soluções possíveis, e que vêm ao encontro da transparência:
1) exigir a identificação não só por
números, mas também com o nome do agente, ou somente esta. Lembrando que a
identificação com o nome é prática rotineira no dia a dia do agente e uma
exigência regulamentar da própria instituição. Isto porque a identificação do
agente é pressuposto básico para a transparência dos atos praticados pela
administração pública, indispensável num regime democrático.
2) Caso persista a identificação por
número ou número e letras, exigir que uma relação que contemple o total de
agentes empregados na manifestação, constando o nome de cada um deles
correspondente à identificação utilizada por eles (número ou número e letra),
seja elaborada. Esta relação deverá permanecer de posse do Ministério Público
ou de outro órgão que exerça o controle externo das forças de segurança, para
ser acessada em caso de necessidade de identificação do autor de algum ato de
violência contra jornalistas. Pode-se pensar na possibilidade de uma lei ou
algum outro ato normativo, até mesmo uma sentença judicial que estabeleça tal
medida.
- Não discuta, mantenha-se o mais
calmo possível. Diga que é jornalista. peça para falar com o comandante da
operação ou algum superior hierárquico.
- Se possível utilize algum mini
gravador escondido a fim de registrar as conversas.
- Se você for jornalista estrangeiro
entre em contato urgente com a embaixada ou o consulado de seu País. Segundo a
Opinião Consultiva nº16 da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, todo estrangeiro tem direito de solicitar
assistência das autoridades consulares de seu país de origem.
- Avise algum jornalista ou alguém
da sua detenção. Caso seja colocado em algum veículo das forças de segurança,
diga em voz alta seu nome, o nome do veículo de comunicação para o qual
trabalha, para chamar a atenção e para que este dados sejam divulgados.
- Deve-se estabelecer Procedimentos
Padrões (ou Procedimentos Operacionais Padrão) a serem adotados pelas forças de
segurança, com ampla divulgação e amplo conhecimento do público sobre o
relacionamento das forças de segurança com a imprensa em geral, visando
assegurar, novamente, a maior e mais ampla transparência possível.
4. Sobre o uso de armas de fogo e munição
menos letal
A Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH), no Relatório Anual publicado em 2013 e denominado
"Violência Contra Jornalistas e Funcionários
de Meios de Comunicação: Padrões Interamericanos e Práticas Nacionais de Prevenção,
Proteção e Realização da Justiça" recomendou que os Estados adotem
mecanismos de prevenção adequados para evitar a violência contra as pessoas que
trabalham em meios de comunicação, além da
adoção de guias de conduta ou diretrizes sobre o respeito à liberdade de
expressão.
A Convenção Contra a Tortura
e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes, adotada
pela Resolução 39/46, da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro
de 1984, também pode ser aplicada nos casos de detenção arbitrária, violência e
impedimento do exercício da profissão contra os jornalistas.
O Código de Conduta para os
Encarregados da Aplicação da Lei, adotado pela ONU, através da Resolução
34/169, de 17 de dezembro de 1979, estabelece, no artigo 3º, que o uso da força
deve ocorrer em situações estritamente necessárias e na proporção da
resistência oferecida.
Os "Princípios Básicos sobre o
uso da força e armas de fogo" (adotados no Oitavo Congresso das Nações
Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Infratores, em Cuba, de 27
de agosto a 7 de setembro de 1990) a ONU estabelece aos Estados membros a
tarefa de assegurar e promover o papel adequado dos encarregados da aplicação
da lei, a saber:
Os Princípios Básicos 2 e 3 - estabelecem
a preocupação com o emprego de armas não letais de forma a reduzir ao máximo a
incidência de vítimas
O Princípio Básico 11 "c"
- estabelece a preocupação com o correto
emprego de armas de fogo, de forma a reduzir a ocorrência de ferimentos
desnecessários, bem como estabelece a proibição de armas e munições que causem
ferimentos injustificados.
Os Princípios Básicos 4 e 5 - elencam
como princípios essenciais para o uso da força e de arma de fogo: a legalidade,
a necessidade e a proporcionalidade.
Os Princípios Básicos 9 e 10 - estabelecem
que as armas de fogo devem utilizadas como último
recurso a ser empregado e somente em
legítima defesa própria e de terceiros. Antes de utilizá-las, os agentes
devem anunciar a intenção do uso da força ou da arma de fogo com tempo
suficiente de antecedência para que o opositor disponha de tempo para cessar a
resistência.
O Princípio Básico 8 - estabelece
que a observância dos princípios básicos não admite dúvidas e nem comporta
exceções, mesmo na incidência de
situações anormais (manifestações, protestos, estado de emergência etc).
5. Em caso de detenção pelas forças de
segurança
A detenção de jornalistas por forças
de segurança, deve ser efetuada de acordo com o que estabelece o "Conjunto
de Princípios para a Proteção de todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de
Detenção ou Prisão", estabelecido pela Resolução 43/173 da Assembléia Geral da ONU, de 9 de
dezembro de 1988, a saber:
O princípio 1 estabelece que toda
pessoa sujeita à detenção dever ser tratada com humanidade e com respeito à sua
dignidade humana.
O Princípio
2 estabelece que a detenção e captura só devem ser aplicadas em observância
estrita ao princípio da legalidade, Não sendo admitida qualquer exceção a esta
regra e, conforme estabelece o Princípio 3, não é permitida qualquer restrição
ou derrogação aos direitos humanos e às garantias individuais, sob qualquer
alegação, situação ou pretexto.
Estabelece ainda o Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos da ONU (Resolução AG/ONU 2.200-A, de 16 de
dezembro de 1966) a vedação expressa a toda e qualquer prisão arbitrária
(artigo 9.1)