'Governo pune trabalhador mas não cuida da corrupção'
Senador gaúcho afirma que a população foi 'enganada" e ameaça deixar o PT se o Congresso aprovar as propostas para mudar benefícios trabalhistas
Petista histórico, o ex-deputado constituinte e senador Paulo Paim (RS) está prestes a deixar o partido a que se filiou há 30 anos. Ele intergra a lista de pelo menos 16 senadores que apresentaram recentemente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) consultas sobre regras de migração partidária. Mas, ao contrário das motivações político-eleitorais que regem os interesses, por exemplo, da senadora Marta Suplicy (PT), que pretende disputar a prefeitura de São Paulo, Paim admite se filiar ao PMDB, PDT ou PSB e até mesmo fundar uma nova sigla se o governo insistir em aprovar, no Congresso Nacional, medidas que endurecem as regras para concessão de benefícios trabalhistas - como seguro-desemprego, pensão por morte e seguro-defeso. Para o senador, a população se sente "enganada" pelo governo, que nas eleições de outubro prometera manter intactas as conquistas previstas em lei. "Em vez de aumentar a fiscalização contra a corrupção, o trabalhador é mais uma vez chamado para pagar a conta", diz. Leia a entrevista ao site de VEJA.
Como o senhor pretende atuar nas duas medidas provisórias que afetam os direitos dos trabalhadores? Eu fiquei constrangido e perplexo com as duas medidas provisórias que tiram direito dos trabalhadores. E essa não é uma reação só minha, é de todas as centrais, de todas as confederações, sindicatos, associações de trabalhadores, que não concordam com o que o governo fez. Sou o último dos parlamentares do PT que participou da Constituinte e hoje ainda está em atividade, sempre em uma linha de coerência. Como é que a essa altura do campeonato eu vou votar contra pescador, contra a viúva, contra o trabalhador desempregado? Não tem sentido. Não tem como mexermos nesses direitos trabalhistas.
O governo alega que são apenas correções e não supressão de direitos adquiridos. Claro que sou a favor de medidas moralizadoras. Mas a questão é ampliar a fiscalização, cruzar os dados nesses tempos de tecnologia para detectar as irregularidades. A gente sabe que dá para fazer. Podemos combater casos específicos de irregularidades, mas não fazer como o governo, mudar a lei e diminuir o valor dos benefícios dos trabalhadores. Não podemos aceitar que o governo use a desculpa de moralizar quando na verdade quer trazer prejuízo para o conjunto dos assalariados brasileiros e aposentados. Está aí o PIB de 0,1%. Em época de recessão, todos sabemos que o desemprego está aumentando. No Rio Grande do Sul, mais de 22.000 trabalhadores no polo naval foram demitidos. Como vou aceitar essa nova quarentena para o seguro-desemprego quando sabemos que a alta rotatividade é real?
Por que acha que a presidente Dilma decidiu editar as MPs contra os trabalhadores? Essas MPs vão na contramão de tudo que pregamos ao longo de nossas vidas. A base está, de fato, constrangida. Talvez a máquina do governo não quis enfrentar um outro debate, que é reforma tributária profunda para que de fato quem ganhe mais pague mais. Mas nesse país parece que é tudo ao contrário. Poderíamos ter enfrentado o debate de aumentar a fiscalização, mas o governo Dilma foi pelo caminho mais fácil. Poderíamos discutir como tributar fortunas, uma proposta defendida até pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Deveríamos chamar os empresários, os trabalhadores, a base do governo, a oposição e dialogar sobre esses temas.
A presidente Dilma então optou por punir os trabalhadores? Não usaria esse termo. Conheço Dilma há mais de 30 anos, como conheço o Lula há mais de 30 também. Na minha primeira candidatura à Presidência do sindicato dos metalúrgicos, a presidente Dilma e o então marido dela Carlos Araújo me ajudavam a entregar boletim na porta de fábrica. Por isso, não consigo assimilar que ela tenha optado por essas medidas contra os trabalhadores. Acho que o núcleo duro dentro do governo, liderado pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy, ganhou o debate interno e defende esse lado, que nos preocupa muito.
O senhor manifestou interesse de deixar o PT por causa do pacote de ajuste fiscal? Nos debates internos do PT me disseram que, como eu discordava tanto do pacote antitrabalhador, eu deveria sair do PT. Se tiver que sair, eu saio mesmo, não tem problema nenhum. Não vou votar contra aquilo que eu escrevi durante toda a minha vida. O PT também escreveu esse discurso a favor do trabalhador durante toda a vida e agora mudou. Se não houver negociação, eu não tenho outro caminho a não ser deixar o PT. Será meio que natural, como as águas do rio irem em direção ao mar A luta interna no PT é muito forte e muito dura. Se o Lula, com toda a popularidade que tinha na época, negociou a reforma da Previdência no seu governo e acabou concordando em votar um texto alternativo que ficou conhecido como PEC Paralela, por que nesse momento de crise a gente não negocia?
Que consequências projeta para a imagem do governo caso as medidas sejam aprovadas e diminuam os direitos do trabalhador? Ainda que o governo ganhe e consiga emplacar as medidas de ajuste fiscal, isso vai ser um tiro no pé. O povo humilde, que já está indignado, quando vir que o próprio Congresso consolidou esse desastre, vai se rebelar e alguém vai ter que pagar a conta politicamente. E quem vai pagar são todo o Congresso e os partidos aliados. Como vão explicar que votaram contra o trabalhador? Não tem como explicar.
Principalmente diante da promessa nas eleições de não mudar os direitos trabalhistas. Isso é fato e é real. Com essas medidas, o governo está se voltando contra eleitores que o apoiaram. E não tenho nenhuma dúvida de que essa fatia da população pode engrossar os protestos de rua marcados para 12 de abril. Sou um defensor da democracia, mas estamos colocando o próprio regime em xeque com medidas que não cabem.
Como o senhor avalia a situação do governo, que quer rever os benefícios trabalhistas ao mesmo tempo em que tem de lidar com escândalos de corrupção? Nesse escândalo do Carf, por exemplo, estimam fraudes de 19 bilhões de reais. Devemos combater a impunidade e a corrupção e aprovarmos uma lei dura para que aquele que roubou dinheiro da saúde, da educação e da habitação, além de condenações de cadeia, seja penalizado a devolver pelo menos o dobro do que roubou. Temos que assustar os corruptos. Já apresentei emenda à Constituição para tornar o crime de corrupção inafiançável e sem prescrição. Veja esse escândalo da Petrobras. Todos nós, em sã consciência, temos obrigação de exigir que se aprofunde a investigação doa a quem doer. Quem se apropriou do dinheiro público vai ter que responder pelo que fez. Será que cortar o 14º salário a pessoas que ganham até dois salários mínimos é o que dá o impacto negativo nas contas da Previdência? Ou são os bilhões e bilhões que são desviados em escândalos de corrupção? Em vez de aumentar a fiscalização, o trabalhador é mais uma vez chamado para pagar a conta.
O senhor acha que o eleitor vai se insurgir contra essas medidas? O governo vai ficar em uma situação muito difícil se não buscar uma saída negociada nessas medidas trabalhistas. Queiramos ou não, a população se sente enganada. Essa população que tanto nos apoiou e que sempre votou no PT se sente enganada. Vai ser muito ruim e o reflexo vai ser já nas eleições do ano que vem, com o povo rejeitando os políticos que ele vincula a este governo. Seria muito mais fácil eu ficar quietinho no meu canto vendo a tempestade passar e dar uma de avestruz, mas aí o povo vem e dá um chute na bunda. É o que vai acontecer.