terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Sobre a autonomia universitária, no jornal O Estado de São Paulo

Segunda-Feira, 02 de Fevereiro de 2009 | Versão Impressa

Um modelo de sucesso

Herman Jacobus Cornelis Voorwald, José Tadeu Jorge e Suely Vilela


As universidades estaduais paulistas comemoram hoje 20 anos de vigência de sua autonomia. Passadas essas duas décadas, a Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade de São Paulo (USP) se orgulham não só de celebrar esta data, mas também de apresentar os importantes resultados por elas obtidos, os quais são indissociáveis da aplicação desse modelo.

A concepção da autonomia universitária se baseia na ideia da liberdade didático-científica construída de diferentes formas pelas sociedades ocidentais a partir do Renascimento, o que inclui o pressuposto de que a edificação do saber com base no pensamento crítico e universalista seja feita sem nenhum tipo de tutela.

As principais universidades do mundo tornaram-se estruturas de ensino e pesquisa de grande complexidade graças não só ao acelerado avanço do conhecimento nas últimas décadas, mas também às demandas públicas que se lhes apresentaram, com particular ênfase nos países em desenvolvimento, quase sempre com vinculações sociais diretas e compromissos que vão muito além de suas atividades originais. Essa complexidade de estruturas e sua multiplicidade de áreas do conhecimento exigem também a autonomia de gestão orçamentária, financeira e patrimonial.

No Brasil, prevista inicialmente na reforma do ensino superior por meio da Lei nº 5.540, de 1968, a autonomia universitária foi consagrada 20 anos depois na Constituição federal. Seu artigo 207, com as alterações da Emenda Constitucional nº 11, de 1995, estabelece: "As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão."

Em 2 de fevereiro de 1989, pelo Decreto nº 29.589, o governo do Estado de São Paulo estabeleceu que "os órgãos da Administração Centralizada do Estado adotarão procedimentos administrativos cabíveis para viabilizar a autonomia das Universidades do Estado de São Paulo". Esse dispositivo foi reforçado pelo artigo 254 da Constituição do Estado, promulgada em 5 de outubro do mesmo ano pelo Legislativo paulista.

Com base nesse decreto, Unesp, Unicamp e USP passaram a ter suas dotações orçamentárias definidas com base num porcentual fixo da arrecadação do ICMS, que desde 1995 é de 9,57%, cabendo às três universidades passarem a executar seus recursos de acordo com seu próprio planejamento e com os programas e projetos definidos por seus órgãos colegiados, sem restrições burocráticas ou políticas. Essa autonomia, no entanto, não pode ser confundida com soberania, pois toda a aplicação de recursos é fiscalizada e auditada pelo Tribunal de Contas do Estado.

A adoção desse modelo em São Paulo ocorreu num momento em que instituições governamentais e multilaterais já vinham monitorando não só o desempenho da produção científica internacional, mas também sua estreita relação com o desenvolvimento da economia. Em função disso, investimentos significativos em pesquisa e desenvolvimento não são feitos somente por países como Suécia (3,7% do PIB em 2006), Finlândia (3,4%), Estados Unidos (2,6%), Japão (3,2%), Alemanha (2,5%) e França (2,1%), mas também por aqueles que buscam com agressividade a competitividade no comércio exterior, como Coreia do Sul (2,9%), Cingapura (2,2%) e China, que saltou do nível de 0,6% do PIB em 1996 para 1,4% em 2004.

No Brasil, os investimentos em ciência e tecnologia mal ultrapassaram o nível de 1% do PIB. Apesar disso, nossa produção científica mais do que triplicou nas duas últimas décadas. O País respondia nos anos 1980 por cerca de 0,6% da publicação mundial de trabalhos em periódicos científicos de padrões internacionais, mas fechou 2007 com um índice de 2%.

Nesse contexto, o desempenho das três universidades estaduais paulistas desde 1989 foi muito superior ao crescimento real de 37% da sua dotação orçamentária no mesmo período. Na pesquisa, grande parte do salto brasileiro apontado se deveu a essas três instituições, às quais correspondem 44% da produção nacional de trabalhos científicos de padrão internacional, destacando-se a USP, com 28%. Na média das três instituições, o número de alunos matriculados na graduação cresceu 85% - a Unicamp aumentou em mais de cinco vezes as suas vagas no período noturno. Na pós-graduação, as matrículas cresceram em média 86% nos mestrados e 229% nos doutorados, ressaltando-se na Unesp o aumento para 728% dos doutores em formação. Nesse mesmo período, as três instituições incorporaram milhares de projetos de extensão, ampliando cada vez mais a sua relação com a comunidade.

Esse desempenho inquestionavelmente superior aos investimentos se deveu a muitos fatores, entre eles a determinação de muitos docentes, pós-graduandos e servidores técnico-administrativos. Mas ele jamais teria sido possível se as três universidades estaduais paulistas continuassem a depender da liberação de recursos pelo Estado e não pudessem remanejar sua programação orçamentária nem gerir seus recursos financeiros com base no comportamento da economia. Muito mais do que comemorar uma efeméride, o que fazemos hoje é homenagear a sociedade paulista por assegurar a manutenção da autonomia universitária, reconhecendo entre suas principais contrapartidas o dever de eficiência e a responsabilidade.

Herman Jacobus Cornelis Voorwald, reitor da Unesp,
é presidente do Conselho de Reitores das Universidades
Estaduais Paulistas José Tadeu Jorge é reitor da Unicamp
Suely Vilela é reitora da USP