A seguir, a íntegra da nota divulgada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM):
É provável que, em um ano eleitoral como o de 2012, o
tema do aborto ganhe mais destaque como conteúdo de propaganda
eleitoral e menos como grave problema de saúde das mulheres brasileiras -
estima-se no país a prática de 1 milhão de abortos inseguros por ano,
que levam a 200 mil mortes, especialmente de mulheres pobres
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O
Estadão de hoje traz uma reportagem de Daniel Bramatti e Bruno
Boghossian e outra de João Domingos e Tânia Nogueira com a repercussão
do post publicado
ontem aqui, que trata de uma entrevista concedida em 2004 por Eleonora
Menicucci, hoje ministra das Mulheres. Na conversa com uma pesquisadora,
ela afirmou, entre outras barbaridades, que fez treinamento de aborto
na Colômbia, embora a prática naquele país fosse crime em qualquer caso.
Pegou mal? Pegou! A culpa é minha? Não! É dela! Eu revelei o que ela
disse e que estava escondidinho no site da Universidade Federal de Santa
Catarina. Boas militantes, entrevistada e entrevistadora tentam agora
investir na confusão para dar o dito pelo não-dito. Pois é… O chato é
que as palavras fazem sentido.
Lê-se no Estadão o que segue. Comento em seguida:
Autora da entrevista, a professora Joana
Maria Pedro, da Universidade Federal de Santa Catarina, disse ao Estado
que conversou com Eleonora e outras 150 mulheres do Cone Sul para uma
pesquisa sobre o engajamento de feministas na luta contra ditaduras
militares. Ela explicou que a ministra solicitou que a publicação fosse
retirada do ar em 2011 para evitar a exposição de sua filha, que é
citada. A ministra alegou ontem que pediu que o texto fosse retirado do
ar em 2010 por conter “imprecisões”.
“Se havia alguma outra imprecisão, eu não me lembro”, disse a
pesquisadora, que inicialmente havia confirmado ao Estado o conteúdo da
conversa, “‘Estão usando uma entrevista feita para um trabalho de
História para atacar uma pessoa. As pessoas podem ter feito coisas que
não fazem mais”, disse Joana Pedro. A transcrição das gravações foi
feita por uma estudante e revisada por outra aluna. A entrevista,
trazida a público ontem pelo jornalista Reinaldo Azevedo, da revista
Veja, deve alimentar as pressões de integrantes da bancada evangélica no
Congresso pela demissão da ministra. Setores religiosos vinham atacando
Eleonora nos últimos dias por causa de sua posição a favor da
descriminalização da prática do aborto.
Comento
O que estaria querendo dizer a professora Joana Maria Pedro?
Que as palavras assumem um sentido novo quando empregadas numa
“entrevista para um trabalho de história”? Basta ler o texto para
perceber que se trata de uma transcrição da fita. Quanto à exposição da
filha, cumpre lembrar que, tão logo nomeada, Eleonora não só abordou a
sua própria bissexualidade como voltou a falar da filha lésbica. Tanto é
assim que, de saída, eu a sugeri para a capa de uma “Edição Vermelha”
da revista “Caras”. Como é, professora Pedro? Então os políticos agora
não podem ser confrontados com suas próprias palavras que isso
caracteriza um “ataque à pessoa”? A senhora quer debater esse seu
conceito à luz da história e da historiografia? Eu topo!
Se a
entrevista vai “alimentar” ou não os setores evangélicos, isso,
convenham, decorre das palavras da ministra, certo? De resto,
considerando que os evangélicos são uma força da sociedade como qualquer
outra, têm o direito — e até o dever — de se manifestar.
Eleonora agora nega treinamento na Colômbia
Informa o Estadão em outro texto. Volto depois:
A ministra Eleonora Menicucci (Secretaria
de Política para as Mulheres) afirmou, por intermédio de curta nota
divulgada na noite de ontem, com três itens, que nunca esteve na
Colômbia. Disse ainda, no mesmo documento, que a entrevista em que teria
dito até que fez curso de aborto no país vizinho “contém imprecisões
que a levaram a requerer, em 2010, a sua retirada do site (da
Universidade de Santa Catarina)”. Por fim, na nota, a ministra reafirmou
que mantém suas convicções, “expressas em entrevista coletiva realizada
em 7 de fevereiro de 2012″, e reitera que, como integrante do governo
federal, “defende integralmente as posições do governo”.
Voltei
Ora…
Fica parecendo que inventei o seu estágio na Colômbia. Terei de reproduzir de novo o trecho:
Eleonora - Dois anos Aí,
em São Paulo, eu integrei um grupo do Coletivo Feminista Sexualidade e
Saúde. (…). E, nesse período, estive também pelo Coletivo fazendo um
treinamento de aborto na Colômbia.
Joana - Certo.
Eleonora - O Coletivo nós críamos em 95.
Joana - Como é que era esse curso de aborto?
Eleonora - Era nas clínicas de aborto. A gente aprendia a fazer aborto.
Joana - Aprendia a fazer aborto?
Eleonora - Com aspiração AMIU.
Joana - Com aquele…
Eleonora - Com a sucção.
Joana - Com a sucção. Imagino.
Eleonora - Que eu chamo de AMIU. Porque a nossa perspectiva no Coletivo, a nossa base…
Joana - …é que as pessoas se auto autofizessem!
Eleonora - Autocapacitassem! E que pessoas não médicas podiam…
Joana - Claro!
Eleonora - Lidar com o aborto.
Joana - Claro!.
Eleonora - Então vieram duas feministas que eram
clientes, usuárias do Coletivo, as quais fizeram o primeiro auto-exame
comigo. Então é uma coisa muito linda.
Joana - Hum.
Eleonora - Muito bonita! Descobrirem o colo do útero e…
Joana - Hum.
Eleonora - Ter uma pessoa que segura na mão.
Joana - Certo.
Retomando
Que imprecisão pode haver aí? Está tudo claro! Por que Eleonora mentiria
sobre a sua experiência em 2004? Eu diria, apegado apenas à lógica, que
ela teria mais motivos para mentir agora. Afinal, o aborto ainda é
crime na Colômbia — excetuando-se risco de morte da mãe, estupro e
má-formação do feto. E, ainda assim, as exceções datam de 2006. Não fica
bem o país ter num ministério uma senhora que confessa que atravessou a
fronteira para praticar crimes no país vizinho.
Mais: a
experiência é relatada como parte de um trabalho de “autocapacitação”
para o aborto, o que é de lascar!. Notem que o “façamos nós mesmos”
chega à, vamos dizer, visita ao “colo do útero”. Segundo entendi, essa
coisa “muito bonita” foi feita pela própria Eleonora nas companheiras.
Colo de útero não é lugar de fazer turismo. Pode-se chegar lá como parte
de uma “coisa bonita”, sim, mas aí já não se trata de atividade
relacionada à saúde, privativa dos médicos.
Dona
Eleonora é irredimível. Mas é irredimível por suas próprias palavras, em
2004 ou em 2012. Eu só descobri a entrevista, escondidinha no site na
Universidade Federal de Santa Catarina. As palavras, no entanto, são da
agora ministra.