Reportagem
O instante decisivo
A Folha localizou o fotógrafo do cadáver de Herzog
LUCAS FERRAZ
ilustração RAFAEL CAMPOS ROCHA
RESUMO A foto de Vladimir Herzog morto nas dependências do
DOI-Codi em outubro de 1975 tornou-se um símbolo da repressão promovida
pela ditadura (1964-85). A tentativa falhada de simular o suicídio do
jornalista enfraqueceu a linha dura. Pela primeira vez, o fotógrafo
Silvaldo Leung Vieira fala à imprensa.
HENRI CARTIER-BRESSON, fundador da mítica agência Magnum e mestre
francês da fotografia, definiu num célebre ensaio de 1952 a arte do
fotógrafo como a capacidade de captar um instante decisivo, para o qual
deve estar alerta.
"Enquanto trabalhamos, precisamos ter certeza de que não deixamos nenhum
buraco, de que exprimimos tudo; depois será tarde demais, e não haverá
como retomar o acontecimento às avessas", escreveu ele.
O instante decisivo na vida do fotógrafo santista Silvaldo Leung Vieira
foi também um instante decisivo para a vida política brasileira. Aluno
do curso de fotografia da Polícia Civil de São Paulo, Silvaldo fez em 25
de outubro de 1975, aos 22 anos, a mais importante imagem da história
do Brasil naquela década: a foto do corpo do jornalista Vladimir Herzog,
pendurado por uma corda no pescoço, numa cela de um dos principais
órgãos da repressão, o DOI-Codi (Destacamento de Operações de
Informações - Centro de Operações de Defesa Interna).
Publicada na imprensa, a imagem corroborou a tese de que o "suicídio" de
Herzog era uma farsa. No mesmo local, três meses depois, o mesmo
fotógrafo testemunharia a morte do metalúrgico Manoel Fiel Filho.
Assassinado sob tortura, ele também foi apresentado pelo regime como
"suicida".
Historiadores são unânimes: ambas as mortes foram decisivas para mudar os rumos da ditadura.
A Folha localizou Silvaldo em Los Angeles, onde vive desde agosto
de 1979, quando saiu de férias do cargo de fotógrafo do Instituto de
Criminalística para nunca mais voltar. Pela primeira vez, ele contou
detalhes sobre sua atuação na polícia técnica de São Paulo. "Ainda
carrego um triste sentimento de ter sido usado para montar essas
mentiras", afirmou, por telefone.
Sentindo-se ameaçado e perseguido pelo regime a que serviu, ele afirma
não ter tido alternativa a não ser abandonar o emprego no serviço
público e também o país.
CONCURSO O "Diário Oficial" do Estado de São Paulo de 6 de junho
de 1975 informou, na página 59, o nome dos 24 aprovados no concurso de
fotógrafo da Polícia Civil. Silvaldo era o de número 17. As aulas
preparatórias, na Academia de Polícia, no campus da USP, começaram no
dia 8 de outubro. Deixou a casa da mãe, em Santos, e juntou-se aos
estudantes "forasteiros" no alojamento da escola, na Cidade
Universitária.
Nascido em 1953, de pai chinês e mãe paulista, Silvaldo se envolveu com
fotografia ainda criança, por influência da família. Foi fotógrafo da
prefeitura e atuou no jornal "Cidade de Santos". Em 1974, vislumbrou na
fotografia científica a oportunidade de "desvendar crimes" e "produzir
provas técnicas", além de se aprimorar usando novos equipamentos.
Dezessete dias depois de iniciar o curso, Silvaldo foi convocado para
sua primeira "aula prática" no último fim de semana do mês. "Disseram
apenas que era um trabalho sigiloso e que eu não deveria contar para
ninguém. A requisição veio do Dops", afirma.
O Departamento de Ordem Política e Social, o principal centro de
repressão da Polícia Civil, estava sob a influência do delegado Sérgio
Paranhos Fleury, que tinha livre trânsito na linha dura das Forças
Armadas.
Um motorista levou Silvaldo até um complexo na rua Tutoia, em São Paulo, cidade que até hoje ele diz não conhecer bem.
SUICÍDIOS No Brasil de 1975, os "suicídios" nos porões da
repressão eram quase uma rotina. Um deles foi o do tenente reformado da
PM paulista e militante do PCB José Ferreira de Almeida, o Piracaia, que
morreu após ser detido no DOI-Codi, em agosto. Segundo o relato
oficial, Piracaia se enforcou amarrando o cinto do macacão à grade da
cela.
Os "suicídios" eram fonte de discussão no governo Geisel (1974-79) e de
atritos entre militares e o governador de São Paulo, Paulo Egydio
Martins. Em 1975, segundo "Direito à Memória e à Verdade" (2007), livro
editado pela Presidência da República, 14 militantes foram mortos por
agentes do Estado.
A ditadura completava mais de uma década tendo aniquilado quase a
totalidade da esquerda armada nas grandes cidades e engrossava a caçada
aos militantes do Partido Comunista Brasileiro. Mais de 200 pessoas
foram presas.
Entre os detidos na ofensiva contra o PCB estava Vladimir Herzog. Aos 38
anos, casado e pai de dois filhos, Vlado, como era conhecido, era
diretor de jornalismo da TV Cultura. Profissional com experiência
internacional e apaixonado por teatro, ele militava no partido, mas,
segundo amigos, não exercia atividades clandestinas, nem poderia ser
apontado como um quadro fixo do partido, que àquela altura já
considerava a luta armada um grande erro.
Na sexta, 24 de outubro, Vlado foi procurado por agentes da repressão em
casa e no trabalho. Decidiu se apresentar espontaneamente no DOI-Codi
na manhã seguinte. Nas sete horas em que esteve detido na rua Tutoia, no
Paraíso, onde ficava o centro do Exército, o jornalista prestou
depoimento e passou por acareações. Segundo testemunhas, morreu após ser
barbaramente torturado.
Quando Silvaldo chegou ao DOI-Codi para fotografar o cadáver de Herzog, a
cena do "suicídio" estava montada. Numa cela, o corpo pendia de uma
tira de pano atada a uma grade da janela. As pernas estavam arqueadas e
os pés, no chão. Completavam o cenário papel picado (um depoimento que
fora forçado a assinar) e uma carteira escolar.
Na mesma cela morrera Piracaia, segundo o livro "Dos Filhos deste Solo" (Boitempo), de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio.
VIBRAÇÃO Silvaldo chegou ali com uma Yashica 6x6 TLR, câmera tipo
caixão, biobjetiva, com visor na parte de cima, semelhante a uma
Rolleiflex.
"Eu estava muito nervoso, toda a situação foi tensa. Antes de chegar na
sala onde estava o corpo, passei por vários corredores", conta ele.
"Havia uma vibração muito forte, nunca senti nada igual. Mas não me
deixaram circular livremente pela sala, como todo fotógrafo faz quando
vai documentar uma morte. Não tive liberdade. Fiz aquela foto
praticamente da porta. Não fiquei com nada, câmera, negativo ou qualquer
registro. Só dias depois fui entender o que tinha acontecido."
Ele diz ter começado a montar o quebra-cabeça no domingo, quando o
jornalista foi velado, ao descobrir que tinha fotografado o corpo de
Vladimir Herzog. Depois, viu a foto no "Jornal do Brasil", o primeiro
veículo da imprensa a publicar a imagem, ainda em 1975. No início dos
anos 80, a revista "Veja" a publicaria creditando o autor: "Silvaldo
Leung Vieira, Depto. de Polícia Técnica, Secretaria de Segurança
Pública, São Paulo, 1975".
"Tudo foi manipulado, e infelizmente eu acabei fazendo parte dessa
manipulação", lamenta-se. "Depois me dei conta que havia me metido em
uma roubada. Isso aconteceu, acho, porque eles precisavam simular
transparência."
NOTA OFICIAL Já antes da divulgação da foto, a versão do
suicídio, dada pelos militares em nota oficial, foi recebida com
suspicácia. "Cerca das 16h, ao ser procurado na sala onde fora deixado,
desacompanhado, foi encontrado morto, enforcado, tendo para tanto
utilizado uma tira de pano. O papel, contendo suas declarações, foi
achado rasgado, em pedaços, os quais, entretanto, puderam ser
recompostos para os devidos fins legais", dizia o texto do 2o Exército.
A nota não batia com o relato da mulher do jornalista, Clarice, que foi
avisada por Vladimir de que se apresentaria espontaneamente para depor.
Amigos dele, como os jornalistas Rodolfo Konder e Paulo Markun, presos
no DOI-Codi no mesmo dia, afirmaram que era possível ouvir gritos e
gemidos de Herzog enquanto era torturado.
O Exército afirmou que a tira de pano amarrada no pescoço de Vladimir
Herzog, visto pela repressão como um agente da KGB, o serviço secreto da
União Soviética, seria a cinta do macacão que usava. Mas os macacões do
DOI-Codi não tinham cinta.
Embora o laudo do Instituto Médico Legal afirmasse que a causa mortis
foi "asfixia mecânica por enforcamento", Herzog não foi sepultado na ala
dos suicidas do cemitério israelita do Butantã, conforme a tradição
judaica. A decisão do rabino Henry Sobel foi considerada um desafio ao
regime militar.
A foto de Silvaldo mostrava que Vlado "se enforcou" atando o nó na
primeira barra da janela, a 1,63 metro de altura. A imagem divulgada à
época, contudo, fora cortada: descobriu-se depois, nos arquivos do SNI
(Serviço Nacional de Informações), uma versão sem corte, segundo o
jornalista Elio Gaspari. Essa imagem mostra a barra superior da janela,
que Herzog poderia ter usado se quisesse de fato se enforcar, subindo na
carteira escolar e se projetando em vão livre.
SÉ Na semana seguinte à morte do jornalista, São Paulo continuava
convulsionada. Além da agitação estudantil na USP (Universidade de São
Paulo) que prenunciava as manifestações de 1977, a missa de sétimo dia
de Vlado, na catedral da Sé, transformou-se num ato ecumênico de repúdio
à ditadura.
Silvaldo conta que "uns dez colegas" seus da Academia de Polícia foram
escalados para fotografar alguns dos presentes na Sé. Eles deviam atuar
"como fotógrafos de jornal", para identificar supostos subversivos.
Edson Wailemann, 57, formou-se na turma de Silvaldo. Ele ainda se lembra
do colega, apesar de não conhecer a história da foto de Herzog. É
fotógrafo policial há 37 anos, atuando exclusivamente em casos de
homicídio. "Naqueles anos, a polícia técnica sempre atendia a esses
chamados, inclusive para os trabalhos dentro das dependências do
Exército", confirmou à Folha. "Era comum".
Um ex-agente do antigo SNI que atuava nessa época em São Paulo disse à Folha, sob condição de anonimato, que a história do fotógrafo não é verossímil.
Segundo ele, o DOI-Codi, sob comando do militar Audir Santos Maciel, era
um dos lugares mais herméticos do aparato de repressão. Antes de
Maciel, o DOI-Codi fora chefiado por Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Parentes de desaparecidos que estiveram presos lá tentam
responsabilizá-los judicialmente, até agora sem sucesso. Ustra e Maciel
negam participação em torturas e assassinatos.
A colaboração dos profissionais do Instituto de Criminalística com a
repressão, principalmente fotógrafos e peritos, era tão comum que, na
virada dos anos 70 para os 80, foi criada uma equipe especial para
atender exclusivamente os crimes ou casos políticos. Até ela ser
formada, no entanto, vários profissionais foram requisitados.
A conexão da Polícia Civil (Dops) com o Exército (DOI-Codi), mais do que
notória, era feita por intermédio de Fleury, entre outros.
"Havia um comando paralelo no Exército, e é bem provável que houvesse
também um comando anarquista na Secretaria de Segurança Pública", disse à
Folha o ex-governador (1975-79) Paulo Egydio Martins, 84. "Esse era um
problema absolutamente crítico, que infelizmente saiu do controle."
AULA PRÁTICA Oitenta e quatro dias depois de fotografar o cadáver
de Herzog, Silvaldo foi convocado para outra "aula prática" no
DOI-Codi. Era janeiro de 1976, e ele ouviu as mesmas recomendações de
que não falasse nada sobre o trabalho. Novamente, a ordem partira do
Dops.
O objetivo era forjar outra farsa: a morte do metalúrgico Manoel Fiel
Filho, também "enforcado" nas dependências do Exército. Nas contas que
Elio Gaspari faz em seu livro "A Ditadura Encurralada" (Companhia das
Letras), Fiel Filho "fora o 39º suicida do regime, o 19º a se enforcar.
Como Cláudio Manuel da Costa, com as meias, sem vão livre". (O poeta e
inconfidente mineiro Cláudio Manuel da Costa foi o patrono dos
"suicidas" nas prisões brasileiras. Morreu enforcado com uma meia
comprida, em 1789.)
Segundo testemunhas Fiel Filho fora detido pelos agentes do DOI-Codi de
sandálias e sem meias. "Fiz fotos do local onde o corpo foi encontrado,
mas não me deixaram ver o cadáver. Antes de fotografá-lo, recebi uma
ordem de que deveria deixar o local", afirma Silvaldo.
Assim como ocorreu na morte de Vlado, o 2º Exército, responsável pelo
Estado de São Paulo, divulgou nota atestando o "suicídio". Mas não houve
publicidade da imagem do morto no DOI-Codi.
"Eu sabia que eles tinham feito merda, mas nessa segunda vez eu estava
mais relaxado, fiz até um comentário: 'Aqui acontecem coisas
estranhas'", lembra Silvaldo. "Um oficial do Exército que me
acompanhava, que parecia ser muito jovem, me ameaçou: 'É melhor ficar
calado e não comentar nada. Se você não calar, a gente te cala'."
Não se sabe se o cadáver do metalúrgico foi fotografado dentro do
DOI-Codi. "O que se conhece é uma imagem do corpo dele nu, no
necrotério", conta o jornalista e cineasta Jorge Oliveira, que a expôs
no documentário que produziu, "Perdão, Mr. Fiel", em que narra, como diz
o subtítulo do filme, a história do "operário que derrubou a ditadura
no Brasil".
Separados por poucos meses, os assassinatos de Herzog e Fiel Filho
expuseram o descontrole e a anarquia dos porões. A linha dura, que não
aceitava a distensão "lenta e gradual" que o presidente Ernesto Geisel
pretendia levar a cabo, resistia, com o argumento de que o Brasil ainda
estava ameaçado pelo comunismo.
A queda de braço da linha dura com Geisel e seu ministro Golbery do
Couto e Silva (1911-87), que levou à queda do general Ednardo D'Avila
Mello, chefe da Força em São Paulo, em 1976, e do ministro do Exército,
Sylvio Frota, em 1977, é narrada em detalhes por Elio Gaspari em "A
Ditadura Encurralada".
"Tenho para mim que esses acontecimentos foram a raiz das Diretas-Já", avalia o ex-governador Paulo Egydio Martins.
TAREFAS Em abril de 1979, quando o país discutia a Lei da
Anistia, Silvaldo recusou-se a participar de uma tarefa -da qual ele diz
não se lembrar. Desde julho de 1976, já estava efetivado como fotógrafo
da Polícia Civil de São Paulo, segundo seu registro funcional da
Secretaria de Segurança Pública.
No documento, vê-se que passou pela delegacia de Santos, a de acidentes
de trânsito e, por fim, a Darc, Delegacia de Arquivos e Registros
Criminais, onde era responsável por registrar os presos condenados antes
que fossem transferidos para os presídios.
"Mas o trabalho ia sempre além", conta, "e muitas vezes tinha que
fotografar também presos políticos, alguns que acabavam de sair das
sessões de tortura. Eu não aguentava aquilo, reclamava que minha
atribuição não me permitia fazer esse serviço. E quanto mais eu
questionava, mais a situação ficava delicada."
Silvaldo diz que os superiores passaram a fritá-lo por sua atitude
questionadora: não podia tirar férias e chegou a ser suspenso.
Segundo registro da Polícia Civil ao qual a Folha teve acesso, Silvaldo
foi afastado por três dias, nos termos da lei estadual no 207, de 1979,
por "descumprimento dos deveres e transgressão disciplinar". Em agosto,
finalmente tirou férias e deixou o Brasil.
EUA Em Los Angeles, onde está radicado desde então, Silvaldo
conta ter feito um pouco de tudo: como imigrante ilegal, ganhou dinheiro
jogando xadrez e até como aprendiz de ourives, emprego que conseguiu
graças a um empresário grego radicado nos EUA que era casado com uma
conhecida dele de Santos.
De lá, acompanhou o apagar das luzes da ditadura e viu a União ser
condenada pela morte de Manoel Fiel Filho, em 1995 -no caso Herzog, a
primeira condenação da União ocorreu ainda em 1978. (Ainda assim,
setores das Forças Armadas frequentemente divulgam informações dando
conta que Herzog e Fiel Filho se mataram, omitindo os assassinatos. Em
1993, um relatório da Marinha dizia que Vlado se suicidou no DOI-Codi.)
Em 1986, foi favorecido pela Lei da Anistia da Imigração Americana,
promovida pelo governo de Ronald Reagan (1981-89); dois anos depois,
ganhou o visto de residência temporária; em 1989, veio o selo de
residente permanente. Hoje trabalha no Good Shepperd Center, instituição
beneficente voltada para mulheres e crianças sem-teto.
O abandono do cargo público ainda lhe traz problemas. No governo de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), convidado a trabalhar no setor
cultural do Consulado em Los Angeles, não pôde assumir o posto: a
infração administrativa até hoje o impede de voltar ao serviço público.
Silvaldo protocolou pedido em 2008 na Comissão da Anistia do governo
federal para tentar receber indenização pelo tempo de serviço como
fotógrafo da Polícia Civil. Alega ter abandonado o cargo por causa da
perseguição política.
"Infelizmente eu estava no meio do caldeirão, sempre foi muito difícil
para mim entender todo esse processo", conta. "O único conforto é pensar
que a foto que fiz do Herzog ajudou a desmontar toda a farsa". Separado
e sem filhos, ele planeja voltar para o Brasil para ficar ao lado da
mãe octogenária.
Ele não pretende voltar apenas para casa, mas também para a fotografia.
Admirador dos fotógrafos Sebastião Salgado e Gale Tattersall (britânico
que se especializou em fotos para o cinema), Silvaldo programa uma
viagem ao Alasca com um grupo de Los Angeles, para registrar paisagens,
em uma espécie de workshop.
"Preciso me atualizar, comecei na fotografia na era do preto e branco. Mudou muito."
Pela primeira vez, Silvaldo contou detalhes de sua atuação na polícia
de São Paulo. "Ainda carrego um triste sentimento de ter sido usado
para montar essas mentiras", disse
O Exército afirmou que a tira de pano amarrada no pescoço de Herzog
seria a cinta do macacão que usava. Mas os macacões do DOI-Codi não
tinham cinta
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domingo, 5 de fevereiro de 2012
Em post anterior, analisei o conceito de ditadura e me referi, na introdução, aos que sentem saudade do período, no qual, supostamente, a corrupção e a violência foram vencidas. Nada mais falso do que tal imagem da lisura absoluta dos tiranos. O golpe de 1964 foi cometido com a desculpa de varrer a corrupção e a subversão. No caso da primeira, ela floresceu, incólume. O Congresso Nacional, esvaziado de suas prerrogativas, se transformou no lugar em que as oligarquias mais corruptas e retrógradas se fortaleceram de maneira inaudita (aliás, na ditadura Vargas algo similar ocorreu). Boa parte das formas corruptas que hoje notamos nos políticos (mesmo os que se diziam ou dizem de esquerda), foram fortalecidas naquela época. Os políticos aprenderam a arte de inclinar a espinha, mas apresentar a conta ao Executivo, dominado pela coalisão civil-militar no poder (é tolice dizer que a ditadura foi militar, ela foi civil e militar, tendo nos ministérios civis piores do que seus colegas fardados e na "sociedade civil"apoios estratégicos). Os subversivos foram vencidos, mas breve retornaram domesticados à política, aceitando a anistia nos exatos termos propostos pelos ditadores. Foram cúmplices, por oportunismo ou miopia, daquele ato normativo. Desde então, foram aprendendo as técnicas do "novo realismo", um maquiavelismo de vistas curtas, do qual os atuais governantes dão mostras obscenas. É bom recordar os crimes do período, para ter sempre na mente e no coração que a democracia, embora tenha muitos defeitos, é o único regime em que a liberdade dos indivíduos, grupos e classes, pode ter alguma esperança de vigência. Quem gosta de autoritarismo "detergente", dia ou outro será lavado nas águas imundas de uma repressão, seja ela de esquerda, direita, ou "sem ideologia". RR
São Paulo, domingo, 05 de fevereiro de 2012