O que seu mestre mandar
Rosângela Bittar |
Valor Econômico - 15/02/2012 |
O PT tem, hoje, uma só ideologia, uma só direção e uma só concepção política: é o que Lula mandar. O ex-presidente é o senhor do voto, da força de arrecadação, da linguagem e do discurso das campanhas e das vitórias. Portanto, ele manda e o PT obedece. Mesmo que às vezes um ou outra reajam a imposições que os prejudicam. Depois de um tempo, dedicado a convencê-lo do contrário, encaminham-se dóceis para a aceitação.
Retrato esse que, apesar da grande nitidez no
momento, não impede que cabeças mais preparadas e dadas à formulação
política, no PT, continuem raciocinando com autonomia. O que lhes
permite ver risco no exagero e acreditar que se torna imprescindível uma
reação mais efetiva por parte de políticos petistas que porventura
contem com o respeito do ex-presidente. Esses amigos tentariam
convencê-lo a não radicalizar tanto o pragmatismo que, na avaliação de
Lula, foi o que passou a dar vitórias eleitorais sucessivas a ele e ao
partido.
A
política de alianças é o cerne dessa questão, nem está mais na
berlinda, chegou ao PT para ficar e os demais partidos, inclusive
adversários, que a praticavam antes de Lula, tentam retomar o modelo
para reconquistar o horizonte da vitória.
Pragmatismo radical
implica riscos
O
que preocupa boa parte do PT, no momento, mesmo aprovando as alianças e
precisando de Lula mais que tudo, é o óbvio: a formação de aliança com o
PSD de Gilberto Kassab para melhorar as condições eleitorais do
candidato Fernando Haddad em São Paulo.
Lula
decidiu que o melhor para o PT seria embarcar em um amplo processo de
renovação de imagem das candidaturas petistas, rifando os desgastados e
jogando biografias zeradas à arena. Seu projeto-piloto foi, em gesto
ousado que lhe é peculiar, a presidência da República, e deu certo, com
Dilma Rousseff. Decidiu então promover nomes menos batidos em todo o
Brasil, a começar por São Paulo, em um plano de tomar as rédeas da
política estadual e municipal, há anos em mãos do PSDB. Mas o plano só
funcionaria imobilizando adversários possíveis já no
primeiro turno.
Ofereceu
Haddad às eleições municipais e tem no forno o projeto estadual, com o
prefeito Luiz Marinho. Aluizio Mercadante, natural candidato a comandar o
governo paulista, não sofreu rasteira como a aplicada a Marta Suplicy,
ainda, e foi engajado oficialmente no projeto de eleição do prefeito
petista recebendo o instrumento fabuloso do Ministério da Educação, de
onde saiu o candidato a prefeito e seu portfólio de campanha, que não
pode ser conspurcado por um sucessor mais distraído.
Marta
Suplicy esperneou contra a invenção de Lula, vende caro seu apoio ao
candidato, e agora manifesta-se refratária às negociações entre o PT e o
PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, para a composição da
chapa que disputará a prefeitura. Ou seja, não engoliu o projeto Lula em
nenhum de seus aspectos,
mas sabe que o partido precisa dele e se ainda não se rendeu
integralmente é porque ainda tem tempo.
Não
é só dela, ou de seu agora reduzido grupo, porém, que partem os alertas
sobre o mal que o comportamento do ex-presidente pode fazer ao partido,
a médio prazo. "Lula está abusando do seu prestígio. Metade do PT já
acha que, em vez de solução, Lula está criando problemas
desnecessários". É que o ex-presidente, autosuficiente, namora o risco.
Pelo
menos três fatos consolidaram em Lula o sentimento da onipotência. Ter
vencido a reeleição em plena crise do mensalão foi o primeiro deles; a
vitória com Dilma, que nunca havia disputado uma eleição, foi outro
feito que o maravilhou; e o terceiro foi ter saído do governo com cem
porcento de aprovação popular. "Ele fala o que quer e o PT faz o que ele
quer".
O
exagero, ou transposição de uma linha imaginária de limite, teria sido,
primeiro, a escolha de Haddad, que o PT não reconhece como sendo do
ramo. Mas aceitou como havia acatado a decisão da escolha de Dilma.
Agora, a corda da política de alianças esticou-se ao máximo com o
convite à união com Gilberto Kassab.
O
risco do método Lula, da ocasião, tem um nome, Afif Domingos. Para os
protagonistas dessas reflexões no interior do PT, o partido está de
dedos cruzados: "Deus queira que o candidato seja o Henrique Meirelles,
porque o PT poderá ter um discurso. O Meirelles não é do PT mas
trabalhou oito anos no governo Lula e foi muito bem. E se o PSD indicar o
Afif? Vai ser uma tragédia".
Na
hipótese de formalização dessa aliança o PSD indicaria o
vice do PT, e o partido perderia todo o combativo discurso de campanha
contra a administração da cidade, de que tanto Marta quanto Mercadante
já usaram e abusaram em suas campanhas.
A
tarefa principal do PT agora é direcionar as conversas, pressionar,
levar o ex-presidente a abraçar a causa Meirelles. O PT não aceitará
Afif ou qualquer outro nome identificado mais com o PSDB. Pelo menos até
o momento em que Lula empurrar goela abaixo do partido aquilo que
preferir. É ele quem segue mandando.
Não
por acaso foi o político hoje mais próximo do ex-presidente, o prefeito
de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho (PT), que serviu de porta-voz
autorizado de Lula na reunião de aniversário de 32 anos do PT, em
Brasília. Marinho considerou "muito positiva" uma eventual composição
PT-PSD na disputa pela sucessão municipal em
São Paulo.
Ouvidos
moucos à divergência, Marinho carimbou o projeto: "Creio que o prefeito
Kassab pode colaborar muito para o resultado eleitoral". E sacou da
justificativa para a aliança dos até ontem contrários com a cara de pau
com que o partido abordou as suas privatizações: "A oposição feita pelo
PT à gestão do prefeito paulistano Gilberto Kassab se deu enquanto ele
mantinha ligações com o PSDB. Agora, o convencimento da militância sobre
a necessidade dessa aproximação se dará por meio de "discussões"
fortalecidas por um "alinhamento de propostas" para a cidade".
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
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