quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Também enviado pelo amigo Paulo Araújo.


O que seu mestre mandar

Rosângela Bittar
Valor Econômico - 15/02/2012
 

O PT tem, hoje, uma só ideologia, uma só direção e uma só concepção política: é o que Lula mandar. O ex-presidente é o senhor do voto, da força de arrecadação, da linguagem e do discurso das campanhas e das vitórias. Portanto, ele manda e o PT obedece. Mesmo que às vezes um ou outra reajam a imposições que os prejudicam. Depois de um tempo, dedicado a convencê-lo do contrário, encaminham-se dóceis para a aceitação.
Retrato esse que, apesar da grande nitidez no momento, não impede que cabeças mais preparadas e dadas à formulação política, no PT, continuem raciocinando com autonomia. O que lhes permite ver risco no exagero e acreditar que se torna imprescindível uma reação mais efetiva por parte de políticos petistas que porventura contem com o respeito do ex-presidente. Esses amigos tentariam convencê-lo a não radicalizar tanto o pragmatismo que, na avaliação de Lula, foi o que passou a dar vitórias eleitorais sucessivas a ele e ao partido.
A política de alianças é o cerne dessa questão, nem está mais na berlinda, chegou ao PT para ficar e os demais partidos, inclusive adversários, que a praticavam antes de Lula, tentam retomar o modelo para reconquistar o horizonte da vitória.
Pragmatismo radical implica riscos
O que preocupa boa parte do PT, no momento, mesmo aprovando as alianças e precisando de Lula mais que tudo, é o óbvio: a formação de aliança com o PSD de Gilberto Kassab para melhorar as condições eleitorais do candidato Fernando Haddad em São Paulo.
Lula decidiu que o melhor para o PT seria embarcar em um amplo processo de renovação de imagem das candidaturas petistas, rifando os desgastados e jogando biografias zeradas à arena. Seu projeto-piloto foi, em gesto ousado que lhe é peculiar, a presidência da República, e deu certo, com Dilma Rousseff. Decidiu então promover nomes menos batidos em todo o Brasil, a começar por São Paulo, em um plano de tomar as rédeas da política estadual e municipal, há anos em mãos do PSDB. Mas o plano só funcionaria imobilizando adversários possíveis já no primeiro turno.
Ofereceu Haddad às eleições municipais e tem no forno o projeto estadual, com o prefeito Luiz Marinho. Aluizio Mercadante, natural candidato a comandar o governo paulista, não sofreu rasteira como a aplicada a Marta Suplicy, ainda, e foi engajado oficialmente no projeto de eleição do prefeito petista recebendo o instrumento fabuloso do Ministério da Educação, de onde saiu o candidato a prefeito e seu portfólio de campanha, que não pode ser conspurcado por um sucessor mais distraído.
Marta Suplicy esperneou contra a invenção de Lula, vende caro seu apoio ao candidato, e agora manifesta-se refratária às negociações entre o PT e o PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, para a composição da chapa que disputará a prefeitura. Ou seja, não engoliu o projeto Lula em nenhum de seus aspectos, mas sabe que o partido precisa dele e se ainda não se rendeu integralmente é porque ainda tem tempo.
Não é só dela, ou de seu agora reduzido grupo, porém, que partem os alertas sobre o mal que o comportamento do ex-presidente pode fazer ao partido, a médio prazo. "Lula está abusando do seu prestígio. Metade do PT já acha que, em vez de solução, Lula está criando problemas desnecessários". É que o ex-presidente, autosuficiente, namora o risco.
Pelo menos três fatos consolidaram em Lula o sentimento da onipotência. Ter vencido a reeleição em plena crise do mensalão foi o primeiro deles; a vitória com Dilma, que nunca havia disputado uma eleição, foi outro feito que o maravilhou; e o terceiro foi ter saído do governo com cem porcento de aprovação popular. "Ele fala o que quer e o PT faz o que ele quer".
O exagero, ou transposição de uma linha imaginária de limite, teria sido, primeiro, a escolha de Haddad, que o PT não reconhece como sendo do ramo. Mas aceitou como havia acatado a decisão da escolha de Dilma. Agora, a corda da política de alianças esticou-se ao máximo com o convite à união com Gilberto Kassab.
O risco do método Lula, da ocasião, tem um nome, Afif Domingos. Para os protagonistas dessas reflexões no interior do PT, o partido está de dedos cruzados: "Deus queira que o candidato seja o Henrique Meirelles, porque o PT poderá ter um discurso. O Meirelles não é do PT mas trabalhou oito anos no governo Lula e foi muito bem. E se o PSD indicar o Afif? Vai ser uma tragédia".
Na hipótese de formalização dessa aliança o PSD indicaria o vice do PT, e o partido perderia todo o combativo discurso de campanha contra a administração da cidade, de que tanto Marta quanto Mercadante já usaram e abusaram em suas campanhas.
A tarefa principal do PT agora é direcionar as conversas, pressionar, levar o ex-presidente a abraçar a causa Meirelles. O PT não aceitará Afif ou qualquer outro nome identificado mais com o PSDB. Pelo menos até o momento em que Lula empurrar goela abaixo do partido aquilo que preferir. É ele quem segue mandando.
Não por acaso foi o político hoje mais próximo do ex-presidente, o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho (PT), que serviu de porta-voz autorizado de Lula na reunião de aniversário de 32 anos do PT, em Brasília. Marinho considerou "muito positiva" uma eventual composição PT-PSD na disputa pela sucessão municipal em São Paulo.
Ouvidos moucos à divergência, Marinho carimbou o projeto: "Creio que o prefeito Kassab pode colaborar muito para o resultado eleitoral". E sacou da justificativa para a aliança dos até ontem contrários com a cara de pau com que o partido abordou as suas privatizações: "A oposição feita pelo PT à gestão do prefeito paulistano Gilberto Kassab se deu enquanto ele mantinha ligações com o PSDB. Agora, o convencimento da militância sobre a necessidade dessa aproximação se dará por meio de "discussões" fortalecidas por um "alinhamento de propostas" para a cidade".
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras