Que os governos confiem menos nos policiais
No Brasil, os presidentes, governadores e prefeitos, tão logo assumem
seus mandatos, exoneram centenas de funcionários e nomeiam quantidade
semelhante, seus “companheiros”. Isto ocorre porque existe a figura do
“cargo de confiança”, aquelas funções que o chefe do executivo dispõe
para “dar sua cara” ao novo governo. A ideia é que o projeto de governo
seja implementado por pessoas que, segundo o entendimento do candidato
eleito, são capazes de desenvolver o trabalho adequado em cada área.
Mas as coisas nem sempre se dão do modo previsto: geralmente, nem há
projeto para o governo, nem as nomeações são feitas pensando em outra
coisa que não o “pagamento” àqueles que contribuíram com a eleição –
financiadores, cabos eleitorais, amigos etc. Assim, entre o governante e
seus nomeados estabelece-se uma relação de interesse quase privado,
onde o primeiro anseia a manutenção e aumento do seu poder e o segundo a
manutenção do seu cargo e salário, que também são poder.
As polícias são organizações públicas que possuem missões
específicas, técnicas, no interior de um sistema de aplicação da lei
onde se insere a Justiça e o Ministério Público, por exemplo. Embora as
circunstâncias e as instâncias de atuação sejam distintas, não é demais
perceber razões para que estas organizações estejam a salvo de
intervenções políticas de ocasião, que podem ser danosas ao papel social
que as instituições exercem.
Daí porque a contratação dos funcionários exige seleção, formação e
carreiras específicas, que independem da vontade de quem está no poder,
pois este não pode dispor da prestação de serviços públicos que visam o
cumprimento da lei da forma que bem (ou mal) entende.
O problema é que as polícias militares e civis brasileiras estão
repletas de cargos de confiança. Embora esses cargos sejam ocupados por
policiais, principalmente oficiais e delegados, mantém-se a lógica do
jogo de interesses. Principalmente quando se trata de certos cargos,
disputas internas são instaladas nas polícias, onde demonstrações
diretas ou indiretas de lealdade ao governo são indispensáveis para alcançar a nomeação para certas funções.
O limite para as agradabilidades é o limite do interesse pelo cargo,
pelo aumento proporcional nos vencimentos, pela posição política
alcançada. É claro que em todos os escalões governamentais a dignidade é
possível, a honestidade existe, a retidão aparece. Mas esta é uma
lógica que, em instituições com a importância social das polícias,
permite trocar o interesse público pela ambição privada. Quanto mais os
policiais dependerem da “confiança” do governo, piores as polícias serão
na implementação dos seus objetivos. Mais distantes estarão do ideal de
organização pública.
PS: Tirinha originalmente publicada no blog “Trágico e Cômico”.
Autor: Danillo Ferreira - Tenente da Polícia Militar da Bahia, associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e graduando em Filosofia pela UEFS-BA. | Contato: abordagempolicial@gmail.com