Inadimplência bate recorde e consumidor dá carro de graça para se livrar de dívida
Como o carro deprecia rápido, valor conseguido na venda não é suficiente para quitar a dívida
14 de abril de 2012 | 22h 13
Fernando Nakagawa, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - A inadimplência recorde e o aperto dos bancos
no crédito têm causado algo além de concessionárias vazias. Muitos
consumidores que, com o incentivo do governo, compraram carro financiado
nos últimos anos, chegam a um verdadeiro limbo quando têm dificuldade
em pagar as parcelas. Tentam vender o veículo, mas, como o carro
deprecia rápido e há grande oferta, o valor conseguido na venda não é
suficiente para quitar a dívida.
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Para resolver o problema, muitos consumidores têm tentado uma solução
caseira: repassar o automóvel e a dívida a outra pessoa. Às vezes, no
desespero, até de graça.
Em janeiro, o paulistano Felipe Di Luccio percebeu que as contas não
fechavam. A faculdade, a parcela do apartamento recém-comprado e o
financiamento do carro consumiam boa parte do salário.
Para sair do vermelho, decidiu vender o Celta comprado sete meses
antes em 60 parcelas. "Mas não dava. Receberia R$ 20 mil, insuficiente
para quitar a dívida de R$ 23,5 mil no banco. Então, decidi repassar a
dívida."
O plano do estudante de arquitetura era simples. Como a venda do
carro não bastava para liquidar a dívida, queria se livrar do
financiamento com a entrega do carro para outra pessoa. "Vai o carro,
vai a dívida", resume. Não há números oficiais, mas financeiras e lojas
de automóveis reconhecem que a iniciativa de Luccio tem se repetido cada
vez mais no País.
Após a exuberância do crédito fácil e abundante dos últimos anos,
clientes com dificuldade financeira se desesperam ao perceber que não
basta vender o carro para quitar o empréstimo. Os que mais sofrem são
aqueles que optaram pelo financiamento de 100% do veículo, exatamente
como Luccio.
Erro
"Um carro pode depreciar até 40% em um ano. Em um crédito de 60
meses, os pagamentos do primeiro ano amortizam 10% da dívida. Esse foi o
erro que cometemos em 2010 e 2011. Reduzimos muito o juro, facilitamos
demais as condições e, por isso, a inadimplência subiu", reconhece o
presidente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), Renato Oliva.
Em outras palavras: o erro foi permitir que o bem que garante o
crédito passasse a valer muito menos que a dívida. A partir daí, a
entrega do carro já não é suficiente para resolver o problema gerado por
um calote.
O presidente da Associação dos Revendedores de Veículos do Estado de
São Paulo (Assovesp), George Chahade, lembra que o quadro fica ainda
mais preocupante em situações como a atualmente enfrentada pelo setor,
de inadimplência recorde.
"Aumenta a oferta de carros usados e, se o cliente tentar vender, os
preços oferecidos são mais baixos que o normal, o que potencializa ainda
mais o problema de quem tem dívida e obriga muitas pessoas a tentarem o
repasse", diz Chahade.