Lula constrange Dilma com CPI, por Ricardo Noblat
Sabe de uma coisa? Se o presidente da República mais popular da História
não se constrange em atropelar seu sucessor e inventa uma CPI para
atrasar o julgamento dos acusados pelo mais espetacular escândalo do seu
governo, às favas, pois, com todos os escrúpulos.
Sigamos o líder. Copiemos seus exemplos. Exaltemos sua sabedoria. Por que não?
Afinal,
a maioria de nós não parece se constranger com mais nada. Desde que a
economia vá bem, os titulares do poder podem se comportar como quiser.
Por velha, sem essa de que somos necessariamente vítimas dos malfeitos
que eles cometem. Alheios ou acomodados, antes talvez sejamos cúmplices.
De resto – e nunca se sabe! - sempre pode sobrar algum...
Sem renunciar ao sorriso, a etérea Ana de Hollanda, ministra da Cultura,
garantiu na semana passada que seu ministério não se sente nem um pouco
constrangido em ter de gastar R$ 14,4 milhões com a construção do Museu
do Trabalho e do Trabalhador em São Bernardo do Campo. Imagina!
A prefeitura entrará com mais quase R$ 4 milhões.
O
museu servirá para quê? Na teoria para oferecer todo tipo de informação
a respeito da luta no final do século passado dos operários das
fábricas instaladas na região do ABC paulista. Foi um período de muitas
greves por melhores salários e de forte repressão militar. A ditadura
agonizava.
Ao fim e ao cabo, o museu incensará o papel de Lula como líder sindical.
Você vê algum problema no uso do dinheiro público para isso? Certamente que não vê. Você gosta de Lula, não é?
Mas
você vê problema no uso de dinheiro público para manter o memorial de
Sarney instalado num convento antigo de São Luís do Maranhão, não vê?
Ali estão os documentos referentes ao seu governo. Você não gosta de
Sarney. E assim caminha a humanidade...
A se acreditar no que dizem, ninguém sabia que Carlos Cachoeira era contraventor. Que explorava jogos eletrônicos.
Nem
sabiam os governadores Marconi Perillo (PSDB), de Goiás, e Agnelo
Queiroz (PT), do Distrito Federal, nem os deputados ajudados por
Cachoeira com dinheiro ou favores para suas campanhas eleitorais. Foi o
que disseram. E sem o mais tênue sinal de constrangimento.
No passado remoto, sim, Cachoeira havia sido contraventor. Mais especificamente, bicheiro.
Marconi
e Agnelo se reuniram com ele quando Cachoeira era um homem regenerado.
Pelo menos assim pensavam. Pelo menos assim afirmam que pensavam. Não só
regenerado: um empresário ligado à Delta, a dona das maiores obras do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), presente em todos os
Estados brasileiros. Coisa de empresa idônea.
Responda
com sinceridade: que governador poderia se dar ao luxo de desprezar um
empresário interessado em fazer negócios no seu Estado? E que deputado,
empenhado em ganhar um novo mandato, poderia meter o dedo no nariz de um
ex-contraventor e ordenar categórico: “Ofereça seu dinheiro para meus
adversários. Não confio em você. E não preciso dele”.
Não
preciso dele? Dele, o dinheiro? Dinheiro de graça em troca apenas de um
voto aqui favorável a certo projeto de interesse do doador, uma
embaixadinha ali para ajudar o doador junto a algum burocrata?
Eleição custa caro. Político detesta meter a mão no bolso para pagar despesas com seu próprio dinheiro.
Empresário está aí para isso mesmo. E sem nenhum constrangimento. É do jogo.
Constrangimento,
constrangimento de verdade sofreu a presidente Dilma Rousseff. Lula não
a consultou para sugerir ao PT a criação da CPI do Cachoeira.
O
PT aproveitou uma viagem internacional dela para aprovar a sugestão de
Lula. O Caso Cachoeira poderia se resumir à ação da Justiça contra ele –
e a do Senado contra Demóstenes Torres. Para Dilma estaria de bom
tamanho.
Ela
não queria uma CPI – terá que engoli-la constrangida. Ela continua
sendo contra a CPI, mas não poderá admitir sem se constranger.
Afinal,
onde já se viu a fundadora de “um padrão mundial de combate à
corrupção”, como observou Hillary Clinton, secretária de Estado
norte-americana, desautorizar ou enfraquecer uma CPI destinada a
combater a bandidagem?