ELEIÇOES E LIMITES DA RETOMADA ECONOMICA
Prof. Roberto Romano, UNICAMP
Campinas, 2 de setembro de 2002.
Todos os candidatos à presidência pregam o reinício do desenvolvimento econômico.Milhões de empregos são prometidos, fórmulas salvadoras serão aplicadas, tudo retorna aos bons tempos de JK. Mesmo o regime dos militares é evocado como inspiração estratégica, naturalmente com as ressalvas contra as torturas da época. Promessas devem ter um mínimo de base real. No caso, antes de falar em retomada do crescimento, seria bom efetivar uma análise do âmbito em que o futuro governo irá se mover. Quais desafios enfrentaremos nos próximos anos?
Em primeiro lugar, faz-se mister examinar a situação internacional. Esta opera em pleno regime do mais duro darwinismo. De um lado, existem os Estados hegemônicos tendo à frente os EUA, a União Européia, o bloco asiático incluindo a Rússia, potência que ressurge das cinzas, visto o sucesso de seu ordenamento econômico. A Russia já superou em grande parte a crise de sua concordata e da falência da URSS. De outro lado notamos os ex-Estados emergentes na vala comum da inadimplência financeira e na estagnação tecnológico/científica, com suas políticas públicas sucateadas, o que leva à morte de milhões em prazo curto.
Não se descortina nenhum quadro internacional de cooperação tendo em vista o desenvolvimento equânime dos povos. Não existe autoridade mundial que possa refrear as ambições do mercado, sobretudo das finanças. A ONU é práticamente uma farsa. Ela não define de modo algum uma instancia de normatividade ou de coerção internacional. Guerras são decretadas sem o seu consentimento pelos países ricos ou pobres e os atos das grandes corporações supra nacionais permanecem impunes, mesmo os mais perniciosos à vida dos seres humanos do planeta. A relutância de todos os países, a sua recusa de entregar ao organismo internacional o controle das pendências jurídicas mais relevantes (o veto dos EUA à uma justiça internacional para julgar crimes de estadistas é eloquente) dá mãos livres aos líderes de corporações. Estas, mesmo nos países centrais, são incentivadas a desobedecer todas as leis, das que definem o fisco às que pretendem punir crimes hediondos.
A rede de empresas supra nacionais cresce a cada instante e diminui o poder dos Estados, mesmo dos ricos. O Relatório das Nações Unidas sobre Investimentos anuncia que em 1992 existiam mais de 35.000 corporações transnacionais com mais de 200.000 subsidiárias . (Cf. Boyer, R. e Drache, D. (org.) : State Against Markets, the Limits of Globalization. London, Routledge, 2000). Hoje, o número aumentou de modo relevante. Estas firmas possuem regras sigilosas internas para agilizar seus procedimentos no mundo inteiro. Se desafiam máquinas estatais poderosas como a estadunidense, as européias, as asiáticas, nos países em crise, como o Brasil, elas têm força inaudita. Seu vínculo com o sistema financeiro lhes permite alocar recursos onde julgarem ser mais lucrativo. E o seu respeito pela soberania nacional é o mais tênue.
Na ausência de regulamentação internacional, em termos jurídicos (a Organização Mundial do Comércio é apenas o palco em que os interesses dos mais fortes são impostos), tentativas nacionais de controle são frágeis. Assim, é pequena a margem de manobra para uma política
que rompa com os interesses das grandes corporações. A política pregada pelos candidatos, com os seus oito ou dez milhões de empregos, sem medidas graves de geopolítica, é desejo sem amanhã, ou engano dos eleitores. Se eles desejam reverter a estagnação econômica, o ministério mais estratégico é o das Relações Exteriores. Para o cargo, será preciso nomear um estadista com poderosa assessoria econômica e jurídica. E a política internacional deve ser prioridade máxima. É neste campo que se passa a luta entre o mercado, sem lei nem pátria, e o que resta do que outrora foi a soberania nacional. Caso oposto, o destino do próximo presidente brasileiro poderá ser muito próximo ao de Fernando de la Rua, ou de Hugo Chavez. A escolha não é lisonjeira.
Roberto Romano