O desafio ao poder dos bancos
15 de abril de 2012 | 3h 05
O Estado de S.Paulo
Pela primeira vez o governo brasileiro enfrenta o
poderio dos bancos privados sem dispor de controle direto sobre os juros
e num regime plenamente democrático. É esta a grande novidade da
campanha empreendida pela presidente Dilma Rousseff contra o preço
ultrajante dos financiamentos no mercado nacional. Sem poder legal para
impor um freio à agiotagem, a autoridade recorre a meios indiretos e sem
garantia de resultados, como o corte de juros pelas instituições sob
controle estatal - a começar pelo Banco do Brasil e pela Caixa
Econômica. Se esse lance produzirá algum bom efeito só se saberá mais
tarde. Mas o confronto está aberto e a primeira resposta dos banqueiros
teve um ar de bravata. Em vez de propor ao governo um roteiro para
redução de juros, o presidente da Federação Brasileira das Associações
de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, levou ao Ministério da Fazenda
uma lista com 22 reivindicações.
Essa atitude foi - como era de esperar - mal recebida pela presidente
e esse desagrado foi ecoado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Os
banqueiros, disse ele, têm condições para baixar o custo do dinheiro
sem receber compensação do governo, porque sua margem de lucro é muito
ampla e o setor é um campeão de rentabilidade. A economia brasileira,
segundo o ministro, pode funcionar com juros muito mais baixos sem
prejuízo para os bancos e sem diminuição dos impostos recolhidos pelo
setor. Os banqueiros recusaram-se a piscar e o governo reagiu ao
desafio.
O ministro tem razão quanto a três pontos: os juros são excessivos, a
margem de lucro dos bancos é muito ampla e a rentabilidade do setor tem
sido comprovada de forma quase ofensiva pelos gordos balanços
publicados. A margem líquida representa quase um terço do spread - a
diferença entre os juros pagos na captação de recursos e aqueles
cobrados pela concessão de empréstimos. Em 2010, segundo relatório
publicado em dezembro pelo Banco Central, a margem de ganho correspondeu
a 32,7%. Impostos indiretos representaram 21,9%. Depósitos
compulsórios, subsídios cruzados, encargos fiscais e Fundo Garantidor de
Crédito somaram 4,1%. Custo administrativo, 12,6%. Inadimplência,
28,7%, mas o peso deste item diminuiu nos últimos anos. Provavelmente
será ainda menor se o custo dos empréstimos chegar a níveis civilizados.
Os banqueiros podem ter alguma razão quando reclamam dos depósitos
compulsórios muito grandes e do peso dos tributos. Mas, se esses
componentes do spread forem reduzidos, nada garantirá o barateamento dos
empréstimos. O resultado principal poderá ser um aumento da margem
líquida dos bancos. Por que os banqueiros cortarão seus lucros, se as
condições de mercado permitirem juros altos? Este é o problema real. O
mercado bancário brasileiro é altamente concentrado e a competição entre
as instituições é muito limitada. Vários movimentos de concentração
ocorreram desde a segunda metade dos anos 60, com fusões, compras e
quebras de bancos pequenos. Pode ter havido ganhos de escala e redução
dos custos unitários dos serviços financeiros, mas o resultado principal
foi sempre o aumento de poder dos maiores grupos.
O último grande surto concentrador começou com o Plano Real, nos anos
90, e o fim dos ganhos extraordinários proporcionados pela inflação. Em
1996, os 10 maiores bancos detinham 50,8% dos ativos do setor. Em 2010,
80,9%. Vários estudos mostraram os efeitos da concentração bancária
sobre a concorrência. Os maiores grupos acabam sendo diferenciados não
só pela dimensão de seus ativos, de suas operações e de suas redes de
agências, mas também pela tecnologia e pelos serviços.
A concentração foi geralmente apoiada pelas autoridades financeiras e
quase sempre malvista pelos funcionários encarregados da defesa da
concorrência. O processo criou instituições mais sólidas, mas diminuiu a
competição e gerou um enorme poder de controle dos próprios preços.
Quebrar esse poder será uma tarefa complicada, talvez só realizável com
uma nova legislação. A redução de juros dos bancos estatais poderá
produzir algum efeito benéfico, mas dificilmente afetará a estrutura de
poder no mercado bancário.