Engessado, Brasil busca eficiência
Governos adotam táticas empresariais, como
pagamento de bônus por metas atingidas. Mas operar “máquina enferrujada”
é o maior obstáculo do serviço público
Publicado em 02/06/2013 | Rosana Félix
Na tentativa de melhorar os serviços de saúde, educação e segurança, muitos governantes têm adotado estratégias tipicamente empresariais. Mas os resultados obtidos ainda levantam dúvidas quanto à eficácia delas no sistema público. O pagamento de bônus a servidores públicos, a avaliação de desempenho com base no cumprimento de metas e a terceirização de serviços básicos são defendidas como medidas úteis do ponto de vista da gestão, mas a falta de mecanismos de controle dessas medidas pode deixar o cidadão ainda mais desprotegido.
Meio ambiente
A conservação do meio ambiente, outro direito difuso do brasileiro, também está passando por uma onda de “mercantilização”. O novo Código Florestal, promulgado há um ano, prevê a negociação de títulos de preservação, as Cotas de Reserva Ambiental (CRA). Quem conservar mais vegetação nativa do que o necessário pode vender o excedente, permitindo que outros produtores rurais compensem o déficit de reserva legal.
Para especialistas, a principal desconfiança é quanto aos
indicadores selecionados e à forma de análise. “Em qualquer parte do
mundo, mecanismos de reconhecimento e premiação por produtividade são
interessantes. O que coloco em dúvida são os critérios e o poder
discricionário do gestor público para premiar algum servidor, por
exemplo”, avalia Sir Carvalo, consultor na área de gestão estratégica.
Para ele, o país precisa ter uma instituição de alta credibilidade para
verificar essas questões. “De preferência, que atue junto com um
conselho de notáveis da sociedade.”
Para o filósofo Roberto Romano, professor de Ética na Universidade de
Campinas, a máquina pública brasileira é muito grande e desorganizada,
impossibilitando uma avaliação justa. “Se um médico atende em uma
unidade de periferia, onde não há instrumentos, como vai atender mais ou
melhor? Se você está num escritório, pode até despachar os processos
mais rapidamente, cumprindo metas, mas qual a validade disso? Não é o
indivíduo, mas a máquina que está enguiçada”, avalia.
Argumento semelhante apresentam os sindicalistas. “O bônus indica que
a falha ou demora seria um problema individual, do servidor. Mas como
avaliar o desempenho de um único profissional que atua em uma grande
estrutura?”, questiona Marlei Fernandes, uma das coordenadoras do Fórum
das Entidades Sindicais do Paraná.
Objetividade
A Falconi, consultoria de resultados que presta serviço a órgãos
públicos, sustenta que é possível fazer uma medição objetiva das metas e
da produtividade dos servidores. “Em algumas áreas há indicadores bem
formatados para verificar os principais resultados entregues à
população, como educação e segurança”, explica Alvaro Guzella de
Freitas, sócio-consultor da empresa.
Segundo ele, a estratégia é premiar toda a equipe envolvida em um
projeto e não individualizar o cumprimento das metas. Além disso, é
fundamental selecionar indicadores compatíveis com a realidade e não
estipular metas universais. “É preciso respeitar as particularidades e
selecionar metas compatíveis com o potencial de cada escola, por
exemplo.”
Saúde
SUS é o exemplo mais notório de parceria público-privada
SUS é o exemplo mais notório de parceria público-privada
O Brasil se orgulha de ter um dos poucos sistemas públicos de saúde,
mas, na verdade, o SUS é uma das áreas com maior número de
terceirizações e parcerias entre o poder público e o privado. Para fugir
da burocracia do serviço público (leia-se licitações e realização de
concurso), muitos estados, entre eles o Paraná, têm permitido a criação
de organizações sociais (OS) para gerir hospitais. Além disso, o poder
público repassa dinheiro do SUS a hospitais filantrópicos e
beneficentes, mas estes têm direção e gestão independentes.
No Paraná, esses hospitais aderiram ao programa HospSUS, pelo qual é
feito o repasse de dinheiro público – 50% de forma fixa e 50% de acordo
com o cumprimento de metas. Entre elas estão taxa de cesáreas, taxa de
mortalidade, dias de permanência do paciente etc.
“Estudos sobre OSs, que são mais antigas, já mostram que não há boa
resolução dos problemas. A preocupação é com quantidade, para atender as
metas de produtividade. E há uma grande taxa de rotatividade, não há
vínculo, os trabalhadores ficam desmotivados com a falta de carreira”,
diz a pesquisadora Maria de Fátima Siliansky, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
Drogas
O atendimento ao dependente químico também é terceirizado. Desde
2010, o governo tem lançado editais para contratar comunidades
terapêuticas, com repasse de até R$ 1,5 mil para acolhimento mensal por
pessoa. O governo de São Paulo criou um cartão com crédito de R$ 1,3 mil
para a família do dependente usar em clínicas do tipo, que geralmente
têm perfil religioso e não contam com estrutura médica de plantão. Para o
antropólogo Maurício Fiore, que tem várias críticas a esta forma de
tratamento, o Estado precisa garantir atendimento laico em unidades
públicas, garantindo o acesso universal a dependentes.
Educação
Gratificação extra a professores é realidade em quatro estados
Gratificação extra a professores é realidade em quatro estados
O pagamento de bônus a professores também está se disseminando. Além
de São Paulo, Minas Gerais e Ceará, que já adotam a prática há alguns
anos, o Rio de Janeiro anunciou que passará a pagar a gratificação neste
ano. Para Maria Carolina Nogueira Dias, pesquisadora da Fundação Itaú
Social, não é possível discutir o bônus como um fato isolado. “Há algo
anterior, que é a responsabilização pelo ensino. Tem de olhar o sistema
de apoio técnico que os professores têm ao longo do ano. Não é uma
discussão sobre pagar ou não, ou jogar o problema só no professor. São
avaliadas competências, mas com uma política estruturada por trás e
dados consistentes de avaliação”, explica.
A gestão compartilhada, tal como ocorre na saúde, é pouco usada na
educação brasileira. Em Pernambuco, vigorou por alguns anos o modelo
charter, em que uma empresa ou fundação divide as decisões com o
governo. Apesar dos bons resultados obtidos, o sistema foi suspenso. “A
escola charter não é solução para a escola pública, mas é preciso ver
como esse modelo pode contribuir para a escola pública”, acrescenta
Maria Carolina.
No ensino público superior não há avaliação ou bônus, mas a
iniciativa privada têm muitas oportunidades de atuação. O Programa
Universidade para Todos (ProUni), por exemplo, é uma forma de
“mercantilização” do ensino superior, diz Roberto Leher, professor
titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. “Ao conceder isenções tributárias milionárias ao setor
empresarial da educação, o governo Lula inovou nesse apoio, inclusive se
comparado à ditadura militar. A efetividade do programa, contudo, é
baixa, visto que grande parte das vagas anunciadas em dispendiosas peças
publicitárias não é ocupada”, declara. Ele critica ainda a falta de
controle e a necessidade de direcionar o dinheiro perdido com isenção
tributária para as universidades públicas.
Segurança pública
São Paulo cria bônus para policial que reduzir a criminalidade
São Paulo cria bônus para policial que reduzir a criminalidade
Na semana passada, o governo de São Paulo divulgou que pagará um
bônus semestral de até R$ 10 mil a policiais que conseguirem reduzir as
taxas de criminalidade em suas áreas. O anúncio feito no estado mais
rico e populoso reacendeu a discussão sobre o tema. Minas Gerais já
adota essa estratégia há alguns anos, mas o número de crimes continua
variando, com altos e baixos. O mesmo ocorre em Pernambuco. A Bahia
implantou a remuneração variável em março, e ainda não há avaliações.
Para o sociólogo Pedro Bodê, coordenador do Núcleo de Estudos da
Violência da Universidade Federal do Paraná, esse tipo de proposta não
resolve em nada o problema da criminalidade. “A adoção de metas pode
produzir subnotificação de crimes ou notificação excessiva. O que se tem
de pensar é em condições permanentes de trabalho para policiais”,
analisa.
Para Alvaro Guzella de Freitas, da Falconi Consultoria, há meios de
evitar manipulação nas notificações. “O roubo de veículos, geralmente,
está associado à notificação do seguro, então não há como haver
subnotificação.” Ele pondera, entretanto, que a adoção de indicadores
nacionais, como os de educação, facilitam o controle e verificação.