Cadernos IHU ideias
Fim da Política, do Estado e da
cidadania ?
Roberto Romano
Instituto Humanitas Unisinos /Capes/
Ano II, n. 202/ 2013. ISSN 1679-0316
LE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS
Reitor
Marcelo Fernandes de Aquino, SJ
Vice-reitor
José Ivo Follmann, SJ
Instituto Humanitas Unisinos
Diretor
Inácio Neutzling, SJ
Gerente administrativo
Jacinto Aloisio Schneider
Cadernos IHU ideias
Ano 11 – Nº 202 – 2013
ISSN: 1679-0316
Editor
Prof. Dr. Inácio Neutzling – Unisinos
Conselho editorial
Prof. Dr. Celso Cândido de Azambuja – Unisinos
Prof. Dr. César Sanson – UFRN
Profa. Dra. Cleusa Maria Andreatta – Unisinos
Prof. MS Gilberto Antônio Faggion – Unisinos
Prof. MS Lucas Henrique da Luz – Unisinos
Profa. MS Marcia Rosane Junges – Unisinos
Profa. Dra. Marilene Maia – Unisinos
Dra. Susana Rocca – Unisinos
Conselho científico
Prof. Dr. Adriano Naves de Brito – Unisinos – Doutor em Filosofia
Profa. Dra. Angélica Massuquetti – Unisinos – Doutora em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade
Prof. Dr. Antônio Flávio Pierucci (=) – USP – Livre-docente em Sociologia
Profa. Dra. Berenice Corsetti – Unisinos – Doutora em Educação
Prof. Dr. Gentil Corazza – UFRGS – Doutor em Economia
Profa. Dra. Stela Nazareth Meneghel – UERGS – Doutora em Medicina
Profa. Dra. Suzana Kilpp – Unisinos – Doutora em Comunicação
Responsável técnico
Caio Fernando Flores Coelho
Revisão
Carla Bigliardi
Editoração
Rafael Tarcísio Forneck
Impressão
Impressos Portão
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS
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Av. Unisinos, 950, 93022-000 São Leopoldo RS Brasil
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Resumo
Hoje, o Estado não exerce com eficácia razoável os três monopólios que lhe deram nascimento. Boa parte dos poderes constituídos sucumbiram à política econômica da privatização das políticas e da ordem pública. Com tal suicídio jurídico, o que resta do setor público não tem o controle inconteste da força física. O monopólio da norma jurídica é quebrado a cada instante pelos setores financeiros e grandes empresas. Leis e normas são mudadas sempre que desagradam aqueles setores privados, que na verdade controlam as políticas públicas. Se nos dirigimos ao monopólio da taxação do excedente econômico, o desastre estatal é ainda maior. Fraudes bilionárias ficam impunes, a circulação de recursos ilegais é incomensurável, nada mostra que os Estados, sobretudo os hegemônicos, consigam recuperar o controle dos capitais gerados e distribuídos pelos mecanismos eletrônicos da lavagem de dinheiro. Palavras-chave: Estado, hegemonia, monopólio privado, cidadania, norma jurídica.
Abstract
Today, the State does not reasonably exercise the three monopolies that originated it. Much of the constituted powers succumbed to the privatization of public order policies and economic policy. With such legal suicide, what remains of the public sector has not total control of army forces. The monopoly of the legal rule is broken every moment by the major financial and business sectors. Laws and regulations are changed whenever displease those private sectors, which actually control public policy. If we address the monopoly of taxation of economic surplus, the State’s disaster is even greater. Billionaire fraud go unpunished, the circulation of illegal resources is immeasurable, nothing shows that states, especially the hegemonic ones, are able to regain control of the capital generated and distributed by electronic mechanisms of money laundering. Keywords: State, hegemony, private monopoly, citizenship, juridical norm.
Enfrentamos no Brasil uma situação
paradoxal em termos simbólicos. Comemoramos os vinte e cinco anos da
Constituição vigente, mas entramos no tempo em que se proclama a ruína
definitiva dos Estados. Sem estes últimos, Constituições são menos do que letra
morta. Vivemos uma era na qual se proclama “o fim da política”. Como as
economias dos países passaram a ser movidas por centros de decisão financeira,
quase nada sobra aos governos eleitos quando se trata da última decisão sobre a
vida pública, emprego, aproveitamento da natureza e mesmo guerras. A política,
herança grega, adquiriu novo sentido após a instauração do Estado moderno,
visto que na Idade Média ela foi impedida pelos nobres e pela Igreja ainda não
centralizada, na plenitude, em Roma. No poder estatal, de início absolutista e
depois democrático, agir políticamente fazia sentido, porque se tratava de
disputar a hegemonia com base na ordem nova, definida pela aceitação ou recusa
do povo soberano. ([1]) Apesar
de todos os ensaios, alguns terríveis, para encontrar uma outra forma de união
coletiva, o Estado ainda é o mecanismo que oferece alguma proteção aos povos e
indivíduos. Segundo um autor que cito mais adiante, “as ONGs começam a constituir
um contra-poder, mas não têm legitimidade política. Elas não expressam de
nenhum modo o direito dos povos: um debate na internet não equivale a uma
eleição legislativa ou referendo” (Henri Guaino).
O Leviatã, “Deus mortal” segundo
Thomas Hobbes, que teve seu apogeu no
século XVII –era da raison d’état– foi abalado por muitas crises das quais saiu
fortalecido com auxílio das revoluções democráticas. Quando o modelo absolutista
de poder mostrou signos letais de ilegitimidade, ([2])
os revolucionários da Inglaterra (ainda no século XVII), dos Estados Unidos e
da França retardaram a sua senescência nele injetando as forças vivas da
soberania popular, correspondente à responsabilização dos governantes. ([3])
Aquelas revoluções chegaram à
radicalidade democrática, mas foram sucedidas por governos fortes em detrimento
das massas ou com seu apoio. A Inglaterra, após Cromwell e a Restauração,
fortaleceu sua forma de Estado com o princípio representativo dual, comuns e nobres. Os EUA assumiram a forma
republicana e federativa, atenuando a soberania do povo. ([4])
A França, após a radicalização jacobina e da Comuna, com o Termidor, fortaleceu
o executivo, posto nas mãos de um soldado e imperador e de governos autoritários, voltando depois ao comando de
um imperador. Com as crises sucessivas, o país viveu no regime presidencial
misto. Nessas metamorfoses –a soberania
popular que termina no mando de um indivíduo ou grupo a ele preso– subsistiu,
apesar de tudo, um sistema de pesos e contra pesos, técnica idealizada por
Platão nas Leis e assumida doutrinariamente por Montesquieu. ([5])
No século XX o poder executivo se
descolou dos outros setores estatais, sobre eles exercendo hegemonia inédita,
mesmo se a compararmos ao absolutismo monárquico. Com o nazismo, o fascismo, os
regimes fortes da França de Vichy, na Espanha de Franco, no Portugal de
Salazar, nas várias ditaduras africanas, asiáticas, sul americanas, a figura do
Chefe adquiriu proeminência inconteste. As massas populares, movidas pelo
terror policial e militar ou pela propaganda (na verdade, tangidas pela
sínteses dos três fatores) apoiaram os poderes totalitários. ([6])
Postos como líderes naturais e incontestáveis de seu povo, arvorando ideologias
baseadas em distorções de ordem biológica (fascismo e nazismo), ou históricas
(stalinismo), os dirigentes do Estado usaram rígidas e impiedosas burocracias
civis ou militares, ao mesmo tempo em que davam ao judiciário ordens genocidas,
recebendo obediência sem hesitações de magistrados em todas as instâncias. [7]
Finalmente se efetivou a profecia de Tocqueville, sobre o poder mentiroso,
orientado pelo terror e pela propaganda,([8])
na qual o líder tudo decide e ordena, o governante “reduz enfim cada nação a
nada mais ser do que um rebanho de animais tímidos e industriosos, do qual o
governo é o pastor” ([9])A
experiência totalitária reforçou o Estado em plano mundial, atenou ao máximo a
prática das democracias e a figura do povo soberano. Com semelhante passo se
enfraqueceu a accountability,
ocasionando os piores abusos dos Executivos, dentro e fora das fronteiras
nacionais.
Após a Segunda Guerra, em vez de um
tempo de paz, veio a sucessão de guerras geradas pelo colonialismo e pela
geopolítica imperial: um exemplo estratégico é o golpe no Irã e o regime
truculento de Reza Pahlavi em nome de interesses democráticos, mas que
reafirmou a era das intervenções bélicas em benefício de empresas pretolíferas “ocidentais”.
Recordemos os embates na Argélia e no Vietnam, os golpes militares na Grécia,
na América do Sul e do Centro. Tais golpes e guerra foram sempre dirigidos ou
provocados pelos Estados que venceram os regimes totalitários. Em vez de
encaminhar o plano internacional para formas democráticas, as potências hegemônicas
na Guerra Fria, EUA e URSS, irmão gêmeos na política imperial moderna, ([10])
instalaram ditadores e negaram aos povos submetidos pelos exércitos ou agências
de espionagem (CIA ou KGB) ([11])
o mínimo equilíbrio dos poderes, fortaleceram o Executivo contra os outros
setores do Estado.
No mesmo passo em que
instrumentalizaram os países fracos, os submetendo a doses enormes de corrupção
e cinismo, aquelas potências receberam, em ricochete, uma dose letal de
aviltamento da sua própria cidadania. Para garantir o segredo de Estado, tática
essencial na luta pela imposição planetária de seu domínio, a potência
soviética escondeu nos porões das torturas ou no Gulag, as mais comezinhas
informações aos habitantes. A imprensa foi garroteada, sendo uma ironia
purulenta o nome do jornal mais importante da terra, “A Verdade” (Pravda). A
dissolução da sociedade soviética, somadas as corrupções do caráter e da
economia, conduziu ao enfraquecimento do Estado oficialmente socialista. Nas potências
ocidentais o segredo e a propaganda também foram acentuados, do macartismo à
Lei Patriótica, ([12])
a qual restringiu drásticamente os direitos individuais e coletivos no
território norte-americano e nas terras aliadas ou submetidas. Com a conivência
de seus parceiros, os EUA praticaram
tortura contra prisioneiros acusados de terrorismo de forma ‘terceirizada”, ou
seja, assumida nos países parceiros ao arrepio da Declaração Universal de
Direitos Humanos de 1948. ([13])
Gradativamente foram produzidos dispositivos jurídicos que descolaram a máquina
do Estado, com sua poderosa burocracia, dos povos reduzidos ao estatuto de rebanho. ([14])
A URSS, após décadas de tirania sobre povos imensos, caira de maneira
espetacular dando origem à uma federação poderosa, mas infestada de grupos
marginais à lei, e a pequenos Estados carentes dos mínimos recursos para manter
a soberania. Os EUA, em sua perene
idealização de um destino imperial,
acreditaram-se com a tarefa de impôr ao planeta a democracia nos moldes
definidos pelos que o governam em sentido autoritário. ([15])
Em toda essa crônica, ressalta
sempre o reforço do Executivo em detrimento dos outros integrantes do Estado. E
outro ingrediente se acrescenta na receita democraticida, com o processo
mundial da economia, na chamada globalização e o domínio do capital financeiro.
Países submetidos a ditaduras ferozes, como o Chile, impuseram medidas de
“flexibilização”, abolindo entraves ao capital, com normas contrárias aos direitos trabalhistas. ([16])
Assim, mesmo com um Executivo endógeno forte e truculento, a soberania nacional
foi abalada até os alicerces, no mesmo fôlego em que os direitos humanos e
cidadãos foram pisados sem escrúpulos. Os chefes ditatoriais, tutelados pelas
finanças, entregaram seus povos à racionalidade ditada pelas bolsas de valores,
pelas agência de cálculos de riscos, pela especulação sem peias no trato das dívidas
públicas, pelo endividamento oriundo de empréstimos, não raro impostos pelos
mesmos agentes do campo financeiro.
Hoje, o Estado não exerce com
eficácia razoável os três monopólios que lhe deram nascimento. Boa parte dos
poderes constituídos sucumbiram à política econômica da privatização das
políticas e da ordem pública. Com tal suicídio jurídico prolongado, o que resta do setor público não tem o
controle inconteste da força física (as próprias nações hegemônicas, em suas
guerras, terceirizam os atos bélicos, pagam milhões para firmas privadas de
segurança) tanto no campo externo quanto no interno (países onde guerilhas se
desenvolvem há décadas, como a Colômbia, são obrigados a dividir o controle
territorial com setores opostos ao Estado). Além disso, o narcotráfico, o
contrabando, a pirataria, todos esses movimentos desafiam a força militar dos
Estados ocidentais, sem que se anteveja algum progresso na sua repressão. O
monopólio da norma jurídica é quebrado a cada instante pelos setores financeiros
e grandes empresas, como é o caso de Wall Street e de poderosas empresas como
a Monsanto,([17])
sem mencionar outros integrantes da gigantesca indústria química e
farmacêutica. Leis e normas são mudadas sempre que desagradam aqueles setores
privados, que na verdade controlam as políticas públicas. Se nos dirigimos ao
monopólio da taxação do excedente econômico, o desastre estatal é ainda maior.
Fraudes bilionárias ficam impunes, a circulação de recursos ilegais é
incomensurável, nada mostra que os Estados, sobretudo os hegemônicos, consigam
recuperar o controle dos capitais gerados e distribuídos pelos mecanismos
eletrônicos da lavagem de dinheiro. ([18])
Uma característica comum de todos
esses atentados aos monopólios estatais é a lógica fria do lucro, posto acima
dos interesses coletivos. Outra marca que eles ostentam é a do anonimato que
não responde diante de ninguém. Populações inteiras são postas no desamparo e
no desemprego, para que sejam “honrados” serviços da dívida pública e privada,
quase sempre determinados pelos principais interessados, os grandes bancos e orgãos
privados de investimento especulativo. A midia, quando se acumplicia aos
interesses financeiros globais, administra uma grave campanha de terror contra
os povos e dirigentes que não obedecem os ditames de empresas. A primeira
palavra que vem nos textos de boa parte da imprensa é “calote” e ausência de accountability,
sempre que dívidas são questionadas. Sequer auditorias de tais dívidas são
permitidas aos dirigentes que ainda têm uma parcela de responsabilidade diante
dos governados. É esquecido intencionalmente que o conceito de accountability
surgiu como a obrigação de prestar contas, em primeiro lugar, à cidadania. Este
é um exemplo apenas da perversão dos termos políticos, quando a hegemonia é
garantida aos interesses privados. Massas imensas de imigrantes enfrentam
desertos, mares e o preconceito insuflado pelas direitas nacionalistas,
enfrentam a morte na miséria. Ninguém responde pelo genocídio.
Como resultado do enfraquecimento
estatal, surgem na Europa e no mundo movimentos que retomam a inspiração
fascista, com a chamada extrema direita. ([19])
Mesmo não chegando a tal extremo, governos patrocinados pelas finanças
internacionais e tendo nas mãos a midia, das quais não raro o mandatário possui
a propriedade, reinstauram práticas discriminatórias contra imigrantes,
sobretudo os de cor negra, os árabes, etc. Os casos Sarkosy, Berlusconi e
outros são demasiadamente conhecidos.
Seria possível imaginar, assim, que a
democracia e a política podem ser garantidas? Não me refiro à democracia
segundo o modelo de Wall Street. Mas à baseada na soberania nacional e popular,
eludida pelos propagandistas da globalização. Desprovido de soberania popular o
Estado regride ao absolutismo, não mais sob a égide de ministros onipotentes,
como Richelieu, ou de reis idem. Agora o poder absoluto se aninha nos
escritórios de investimento financeiro, numa ditadura anônima que, à semelhança
do absolutismo, não presta contas a ninguém. Se Tiago I afirmava só dever
contas a Deus, na hora da morte, os novos senhores desconhecem direitos humanos
e divinos, são plenamente unaccountables. Com semelhante status, a política como expressão das
contraditórias vontades populares, desaparece. E segue-se de imediato o requiém para a defesa dos direitos, a
começar com os direitos humanos. ([20])
Temos o ressurgimento de ditaduras
ao mesmo tempo caricatas e trágicas. E precisamos refletir sobre a vida
política, econômica e intelectual na atualidade. Com a ruptura revolucionária
diante do poder absoluto (supostamente de direito divino, embora a Igreja
sempre tenha negado tal prerrogativa aos governantes), ([21])
no mesmo passo em que se definiu o princípio da responsabilidade para os
administradores, surgiu a regra da impessoalidade no trato da coisa pública.
Com as Luzes, tais princípios se tornaram verdadeiros imperativos categóricos para
a política democrática.
Ocorre que o mesmo princípio da
impessoalidade foi dirigido, em outra perversão sintomática, para o campo do anonimato das forças que
dirigem os poderes estatais nas últimas décadas. Não existem ou resistem
líderanças pessoais que defendam a cidadania. Os partidos, a cada vez mais
oligarquizados, só aceitam líderes que distribuam o espólio da riqueza nacional
em benefício dos financiadores de campanhas, quase sempre empresas industriais
e financeiras. As lideranças são marionetes nas mãos daqueles verdadeiros donos
do poder.
Jean Claude Monod, um analista de
nossos dias, em livro que merece leitura urgente e atenta, procura verificar os
limites da democracia “sem líder” no momento em que forças internacionais
controlam os Estados sem maiores obstáculos. Ao partir do carisma, tal como
estudado por Max Weber, em confronto com o poder anônimo das burocracias civis
e militares, Monod assinala que o alerta contra o poder democrático moderno
veio na pena de um “discípulo sulfuroso de Weber, Carl Schmitt, que logo cedo
enunciou esta tendência à ‘eliminação da dominação subjetiva do político sobre
a objetividade da vida econômica’, onde ele via um traço típico do
liberalismo”. Schmitt enfatiza tal elemento: “nada é mais moderno do que a luta
contra a política. Os financistas norte-americanos, os técnicos da indústria,
os socialistas marxistas e os revolucionários anarco-sindicalistas se unem para
reivindicar a eliminação da dominação subjetiva do político sobre a
objetividade da vida econômica. Só devem subsistir as tarefas técnicas e
oragnizacionais, sociológicas e econômicas, mas sem problemas políticos”(Teologia
Política). ([22])
Mas o juízo negativo de Schmitt
sobre a predominância econômica e o fim da política é partilhado, em outros
parâmetros, por escritores relevantes de sua época, situados à esquerda da
paleta ideológica. Serge Tchakhotine,
Da constatação acima, da qual aceita
apenas uma parte, discordando da “solução”schmittiana sobre o poder do
Presidente, Monod aduz: “parece difícilmente negável hoje que o liberalismo
econômico vença a democracia entendida como possibilidade do povo decidir
coletivamente sobre sua sorte e a de seus dirigentes, como soberania popular”. ([23])
O autor fornece dois casos estratégicos. Na crise financeira internacional, a
partir de 2008, iniciada nos gabinetes de Wall Street e da City londrina, a
Grécia e a Itália foram conduzidas à quase falência, com taxas terríveis de
desemprego. O primeiro ministro Papandreu tentou submeter ao referendo o plano
europeu para que fosse outorgada uma ajuda ao Estado grego, desde que cortes
drásticos fossem efetuados nas suas despesas.
A violenta campanha contra Papandreu nos centros de poder europeu e
norte-americano levou à sua substituição por Papademos, “velho funcionário
europeu que tinha sido conselheiro para a Europa do banco de negócios americano
Goldman Sachs”. No mesmo ano, com a
queda do direitista e notório usuário de bens públicos para fins alheios ao bem
comum, Berlusconi, foi nomeado como primeiro ministro da Itália Mario Monti,
“abridor de portas do…Banco Goldman Sachs”.
Síntese de Monod : “notamos que aqui e alí o primado do econômico sobre
o político não se embaraça com as complicações da legitimação eleitoral e
democrática tradicionais, e que a ‘soberania do povo’ é tratada, a cada vez
mais abertamente, como uma velharia incongruente”.
Durante a ditadura civil e militar
instaurada em 1964, os bispos brasileiros editaram um documento no qual se
atribuam ser a “voz do que não têm voz”.
Apontei em meu trabalho sobre Igreja e Estado ([24])
em nossa terra o perigo de semelhante ventriloquismo de boas intenções. Na
democracia, arrazoava, a voz do povo
soberano não precisa de intermediários, sejam eles movidos pela transcendência
ou por motivações mundanas. A prática da democracia representativa está
suspensa ao fio da legitimidade. E o fio que a garante é muito fino. Quando, em
vez de defender os interesses mais amplos da sociedade,os executivos e parlamentares
assumem interesses particularíssimos, ou na verdade operam como lobistas
daqueles interesses no Parlamento, o elo entre soberania popular e os que
operam o Estado em seu nome se rompe. ([25])
Tal fratura pode ser iniciativa dos dirigentes, e temos o golpe de Estado,
brando ou violento, dissimulado na maioria das vezes. Se a iniciativa é de
movimentos políticos populares, tem-se a revolução, que pode ser violenta ou se
encaminhar para soluções institucionais pacíficas e pacificadoras.
Mas o Estado, após a ruptura do
pacto político que une representantes e representados, deve se modificar na
forma e no conteúdo. Com o golpe dos
palácios, as garantias cidadãs são supressas ou adiadas. No processo
revolucionário, as leis fundamentais devem mudar, para exprimir novos termos
políticos. A democracia revolucionária não opera milagres nos costumes. Boa
parte dos movimentos que transformaram o Estado rumo ao poder popular, antes de
serem vencidos pelas forças contra revolucionárias, sofreram com a corrupção de
suas próprias lideranças e quadros intermediários. É o que se deu na França de
1789,([26])
é o que ocorreu na URSS. ([27])
A política desaparece entre a
burocracia, a representação parlamentar corrompida e os interesses econômicos e
financeiros. Como sair dessa aporia dramática ? Com líderes revolucionários
carismáticos, ou na antiga linguagem da teoria institucional, estadistas, surge
uma nova orientação da própria idéia representativa. Levando adiante as teses
weberianas, Monod examina os termos que unem a profissão de advogado e a
vocação do líder carismático. Advogado e vocação se ligam etimológicamente. Segundo Weber o advogado tem como alvo ganhar
causas, mesmo que as bases empíricas e lógicas sejam frágeis. O mesmo ocorre se ele, advogado, opera na
política. Nesta última, dada a sua antiga marca teatral própria à dissimulação
a voz, advocare, se divorcia da convicção. Nos tribunais e na política o agente é
autônomo diante da causa a ser defendida.
Mas Weber, adianta Monod, se inquieta menos com a qualidade advocatícia
e mais com a subida ao poder de funcionários que, desprovidos da capacidade
usual nos advogados, transformam causas “boas”em perversas devido a certeza em
técnicas errôneas. O burocrata que dispensa a voz em defesa de causas,
justifica seus atos por saberes infalíveis, usa o universo público como campo
de manobras de aparelhos. A cidadania se reduz a um laboratório de experiências
das quais os operadores não precisam justificar, advogar o bem fundado ou o
fracasso. Eles não são políticos, mas cientistas. Para eles, a noção de justiça
que atravessa a política deve ser afastada para não perturbar o status quo.
Mas aqueles técnicos podem se
escorar em personalidades carismáticas que supostamente advogam os interesses
populares. Tais líderes, por sua vez, dependem de oligarquias que manipulam as
suas “bases” num regime perenemente plebiscitário. Uma frase é importante no
raciocínio de Weber, tal como acolhido por Monod : “uma ‘verdadeira’ democracia, entendida como poder direto do
povo, nunca chegou a criar sua própria ‘legitimidade’ no sentido de uma
garantia de obediência e estabilidade duradouras”. A democracia, em boa parte, consiste em uma
ficção, pois é menos o ‘povo’ que governa, e mais um pequeno grupo dirigente e,
nos casos das democracias plebiscitárias, um chefe de governo ou presidente que reveste as roupagens de um
Cesar, periodicamente aclamado. Além desse poder que se cobre com o nome de
democracia, Weber indica a gerência do Estado pelos burocratas, que impede a
expressão da vontade popular pois o poder dos escritórios tende à sua própria
perpetuação. Ele é o automatismo da máquina racional cujos fins são estranhos
ao carisma, à política, às massas. Se os escritórios são dominados por
funcionários presos a empresas que buscam o lucro acima de tudo, a exploração e
a opressão das massas ignora limites e regras
Como, então, falar em direitos
quando nos referimos aos cidadãos? Weber, contrário ao liberalismo apologético
que prega a harmonia expontânea entre os interesses dos dominantes e dominados,
indica que a síntese entre democracia e e capitalismo é conto de fadas. Citando
o próprio Weber : “É totalmente ridículo atribuir uma afinidade eletiva da
democracia, ou mesmo da liberdade em qualquer sentido em que a tomemos, com o
capitalismo avançado –esta
inevitabilidade de nosso desenvolvimento econômico– tal como hoje ele é
importado (em 1905) na Rússia e tal como existe nos Estados Unidos. A questão
certa é a seguinte: como a democracia e a liberdade podem ser mantidas em longo
prazo sob o domínio do capitalismo avançado? “ ([28])
Em nosso tempo de capitalismo
financeiro global, vemos a colusão da burocracia e dos interesses que
privilegiam a abstração do dinheiro puro, sem o controle do Estado em procedimentos
anônimos. Tal é a fonte dos espiões que vigiam governantes e governados. Como
salvar os direitos humanos diante da hegemonia absoluta do econômico sobre o
político? Após a vaga do tradicionalismo contra revolucionário dos séculos 19 e
20, como encontrar fôlego e lideranças nacionais e internacionais que, ou retomem
os meios do Estado até hoje (força física, norma jurídica e impostos nas mãos
do poder público) e os fortaleçam, ou radicalize a tese da soberania popular e
dos direitos, imanentes à prática política? “O político”, diz Monod, “que tenha
vocação deve sempre responder diante do povo”. Este pressuposto é sempre preferível ao de uma
suposta democracia sem cabeça. A exigência essencial, após tantos líderes que
transformaram as massas em gado de corte e de lucro, é que o carisma
democrático “implica que o portador desse carisma seja igualmente portador de
um ethos de transformação social,
rumo à redução das desigualdades, avanço da justiça, institucionalização de
mecanismos jurídicos protetores”. ([29])
Termino: a política, no sentido mais
amplo de operação que visa ampliar a vida humana em regime democrático, tende a
desaparecer com as novas forças hegemônicas da economia, do narco-tráfico, da
guerra terceirizada, da espionagem contra a cidadania. Vivemos hoje numa
situação denominada por Norberto Bobbio como o “labirinto do anti-Estado”. Nela, os direitos são negados porque sem
política responsável e, por enquanto, sem Estados responsáveis, não existem direitos humanos, ou melhor,
direitos.
[1] Na Grécia democrática o poder não
era concentrado numa única pessoa, mas “seguindo um ciclo regulado, a soberania
passa de um grupo a outro, de um indivíduo a outro, tanto que comandar e
obedecer, em lugar de se oporem como dois absolutos, se transformam em dois
termos inseparáveis da mesma relação reversível. Vernant, J-P. : Les
origines de la pensée grecque (Paris, PUF, 1962), p. 99.
[2] Da literatura imensa, sublinho os
trabalhos recentes sobre o poder absoluto. Cf Le Roux, Nicolas : Le
roi, la cour, l ‘État, de la Renaissance à l ‘absolutisme (Paris, Champ
Vallon, 2013); Pierre, Benoist : La monarchie ecclésiale, le clergé de cour
en France à l ‘é poque moderne (Paris, Champ Vallon, 2013). O clássico
sobre tema é de Cornette, Joël : La monarchie, entre Renaissance et
Révolution, 1515-1792 (Paris, Seuil, 2000). Petitfils, Jean-Christian :
Louis
XIV (Paris, Perrin, 2002); Halem John : La civilisation de l ‘Europe à la
Renaissance (Paris, Perrin, 2003); Erlanger, Philippe : Richelieu
(Paris, Perrin, 1985) ; Lacôte, Hélène Fernandez : Les procès du cardinal de
Richelieu, droit, grâce et politique sous Louis le Juste ((Paris, Champ
Vallon, 2010); Bonnet, Stéphane : Droit et raison d’ État (Paris,
Garnier, 2012); Viroli, Maurizio : From politics to reason of state, the
acquisition and transformation of the language of politics 1250-1600
((Cambridge, University Press, 1992).
2013)
[3] Lutaud, Olivier: Les
deux Révolutions d’Angleterre, documents politiques, sociaux, religieux
(Paris, Aubier, 1978); do mesmo autor , Des Révolutions d’Angleterre à la Révolution
Française (LA Haye, Martinus Nijhoff, 1973).
[4] Cf. Kramnik, Isaac :
“Apresentação” aos Artigos Federalistas, 1787-1788
(RJ, Nova Fronteira, 1987), p. 46 e seguintes.
[5] Cf. Morrow, Glenn R. : “Plato and
the Rule of Law”in Vlastos, Gregory : Plato, a collection of critical Essays,
ethics, politics, and philosphy of art and religion (Notre Dame,
University Press, 1971, v. II), p. 144 e ss. Cf. o clássico sobre a soberania
popular no pensamento de J. Althusius : Gierke, Otto: Johannes Althusius und die
Entwicklung der naturrechten Staatstheorien. Tradução italiana : Giovanni
Althusius e lo svilupo delle teorie politiche giusnaturalistichem contributo
alla storia della sistematica del Diritto (Torino, Einaudi, 1974).
[6] Cf. Nicolet, Claude (Ed.) Dictature,
absolutisme et totalitarisme, Colloque des 15 et 16 mai 1997, Fondation
Singer-Polignac, Revue francaise d’Histoire des
idées politiques, numero 6, 1997.
[7] Voegelin, Eric : Hitler
e os Alemães (São Paulo, É Ed. 2008); Duverger, Maurice , (Ed.) : Dictatures
et légitimité (Paris, PUF, 1982); Boutin, Christophe e Rouvillois,
Frédéric : Le coup d’État, reccours à la force ou dernier mot du politique?
(Paris, F.X. de Guibert, 2007); Gainche,
Marie-Laure Basilien : État
de droit et états d’exception, une conception de l État (Paris, PUF,
2013).
[8] Cf. o clássico de Serge Tchakhotine:
Le
viol des foules para la propagande politique (Paris, Gallimard, 1952).
Também clássico, Domenach, Jean Marie : La propagande politique (Paris, PUF,
1973). Sá Martino, Luis Mauro : “A estética da propaganda política em Goebbels,
um estudo sobre a produção da publicidade a partir de seus Diários”in Comunicação
& Política, v. 25, n 2, pp 35-53
[10] Cf. Dukes, Paul: The USA in the
making of the URSS, The Washington Conference, 1921-1922, and “Univinted
Russia” (New York, Routledge, 2004).
[11] Cf. Avakov, Alexander V. : Plato’s
dream realized, surveillance and citizen rights from KGB to FBI
(New York, Algora, 2006).
[12] Cf. Teixeira Júnior, Geraldo Alvez
: Razão
de Estado e política antiterrorismo nos Estados Unidos (Unicamp, tese
de doutoramento orientada por mim em 2011), o texto pode ser lido na edição
eletrônica da SIBU, Biblioteca Digital Eletrônica da Unicamp. http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000835637
[13] Pelo menos, dentre os países que se acumpliciaram aos EUA,
temos: Filipinas, Paquistão, Afeganistão, Jordania, Egito, Iraque, Kuwait,
Arábia Saudita, Marrocos, Chupre, Indonésia, Nigéria, El Salvador, Libia,
Dinamarca, Polônia, Bulgária, Albânia, Alemanha, Escócia. A lista é bem maior.
Alí, a Convenção de Genebra foi desrespeitada, sob as orden diretas de agentes
norte-americanos. Do grande número, na bibliografia, cf. Harbury, Jennifer K. :
Truth,
torture, and the American Way, the history and consequences of U.S. involvement in torture (Boston,
Beacon Press, 2005).
[14] Não examino aqui as reflexões sobre
o “pastoreio”e outras formas autoritárias, tal como discutidas por teóricos
como Michel Foucault, G. Agamben e outros. Pesquisadores como Oswaldo Giacóia
Júnior publicaram textos importantes sobre o tema. Eles são supostos por mim
agora. De Giacóia Júnior, cf. o excelente “Sobre Jürgen Habermas e Michel
Foucault” Revista Transformação (Departamento de Filosofia da Unesp),
volume 36, número 1, 2013. P. 19 e seguintes.
[15] Mesmo os que se dedicaram à tarefa
de espionar outros Estados e os próprios cidadãos norte-americanos, criticam a
atitude imperial dos EUA. Cf. Scheuer, Michael : Imperial Hubris, Why the West is
losing the war on terror (Washington, Brassey’s Ed., 2004). Scheuer é
ex-dirigente da CIA. Para uma análise dos projetos de hegemonia imperial, cf.
Mearsheimer, John J. : The tragedy of Great Power Politics ((New
York, Norton & Company, 2003).
[16] Bidstrup, Scott: Free
Market Fundamentalism: Friedman, Pinochet and the “Chilean Miracle”
(Hypertexto) em http://www.bidstrup.com/economics.htm
[17] Com alguns senões de informação, Cf.
Dorel, Gérard : Atlas de l ‘empire américain (Paris, Autrement, 2006).
[18] Advertência severa de Thomas Hobbes
: “A (…) doctrine that
tendeth to the dissolution of a Commonwealth is that every private man has an
absolute propriety in his goods, such as excludeth the right of the sovereign.
Every man has indeed a propriety that excludes the right of every other
subject: and he has it only from the sovereign power, without the protection
whereof every other man should have right to the same. But the right of the
sovereign also be excluded, he cannot perform the office they have put him
into, which is to defend them both from foreign enemies and from the injuries
of one another; and consequently there is no longer a Commonwealth.” Leviathan,
Chap. XXIX, “Of those things that weaken or tend to the dissolution of a
Commonwealth”(Ed. C.B. Macpherson (Penguin, 1977), p. 367.
[19] Cf. Ignazi, Piero : L’estrema
destra in Europa, da Le Pen a Haider (Blogna, Il Mulino, 2000).
[20] Pensamento contrário é sustentado
por Henri Guaino. Em extenso artigo sobre o tema, ele argumenta que o
predomínio do mercado financeiro e da globalização tem sido uma desculpa para
não se encarar os desafios da política. Ao fazer a retrospectiva de momentos
históricos anteriores cita Ferdinand Braudel, que expõe os movimentos
econômicos do passado e sua importância para a vida estatal. “A teoria do fim da história (o autor
refere-se ao livro de Fukuyama,RR) e da política é uma ideologia, mas é uma
ideologia eficaz: ‘a mercantilização’ do mundo avança no mesmo passo que o
imperialismo americano se impõe como como o último refúgio da política. Mas não
é inelutável. Não podemos recusar o progresso técnico ou o comércio. Mas sempre
podemos recusar uma ideologia”. Cf. “La Mondialisation, nouvel alibi du
renoncement politique”, na Internet : www.societe-de-strategie.asso.fr/pdf/agir03txt3.pdf
[21] Bourdin, Bernard: The
theological-political origins of the Modern State, the controverse between
James I of England & Cardinal Bellarmine (The Catholic University
of America Press, 2004).
[22] Não apenas nas hostes
conservadoras, das quais Schmitt é um representante, mas também no setor
liberal e progressista o fato da hegemonia do econômico sobre o político foi
analisado criticamente dado que ele teria servido, inclusive, para o advento do fascismo. Cf. Brady,
Roberto A. : Business as a system of power (New York, Columbia University
Press, 1943); do mesmo autor, The
spirit and structure of German fascism (New York, H. Fertig,
1969).
[23] Sobre as críticas schmittianas ao
sistema parlamentar, cf. Bianchini, Fernando Novelli : A democracia parlamentar na
crítica de Carl Schmitt (tese de mestrado orientada por mim na Unicamp)
o texto, que oferece alternativas ao atual estado da política, pode ser lido
integralmente na SBU/Unicamp, http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000837916
[24] Romano, Roberto : Brasil,
Igreja contra Estado (São Paulo, Kayrós, 1979).
[25] Cf. Rufin, Jean-Christophe : La
dictature libérale, le secret de la toute puissance des démocraties au XXe
siècle (Paris, Ed. Jean Claude Lattès, 1994). Uma causa da não aprovação da lei que
regulamenta o Lobby é que muitos parlamentares operam em lobbies. Quando se
fala em “bancada X”ou “Bancada y”, falamos de políticos que, ou são financiados
por determinados setores, ou a ele pertencem. Eles não aceitam ser
disciplinados, exercem os lobbies e as funções de representantes legislativos.
[26] Cf. Benoit, Michel : 1793,
la republique de la tentation, une affaire de corruption sou la Ie République (Paris,
Editions de l ‘Armançon, 2008). Cf. também Badiou, Alain, “Quest-ce qu’un
Thermidorien?”in Kintzler, Catherine (Ed.) La République et la Terreur (Paris,
Kimé, 1996).
[27] Cf. Kramer, Johon M. : “Political corruption
in the URSS” in The Western Political Quarterly, vol. 30, juin 1977. Cf.
tamb;em Owen, Thomas C. : Russian Corporate Capitalism from Peter the
Great to Perestoika (Oxford, University Press, 1995).
[28] Weber, Max : “Zur Lage der
bürgerlichen Demokratie in Russland”(1905), in Gesammelte politischen Schriften,
Tübingen, J.C. Mohr, 1971, p, 64.
[29] Monod, Jean-Claude : Qu’est-ce
qu ‘un chef en démocratie? Politiques du charisme (Paris, Seuil, 2012),
p. 221.