Supremo reabilita o CNJ
04 de fevereiro de 2012 | 3h 05
O Estado de S.Paulo
Ao manter as atribuições do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), por 6 votos contra 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu o
primeiro passo para pôr fim à crise do Poder Judiciário deflagrada no
final de 2011, quando associações de magistrados acusaram a corregedoria
do órgão de controle de quebrar ilegalmente o sigilo bancário de juízes
e os ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski concederam
liminares suspendendo as investigações que vinham sendo feitas nas
Justiças estaduais. Esta semana, o STF julgou a liminar concedida pelo
ministro Marco Aurélio. A outra, que questiona as relações entre o CNJ e
os órgãos de inteligência financeira do governo, não tem data para ser
julgada.
Com sua decisão, o STF devolveu ao CNJ a prerrogativa de abrir
sindicâncias independentemente das corregedorias judiciais e de avocar
investigações paradas nos tribunais. Em outro duro baque para o
corporativismo judicial, o STF determinou que os julgamentos
administrativos de juízes acusados de corrupção continuarão sendo feitos
em sessões públicas.
O julgamento do STF foi longo, uma vez que os ministros examinaram
quase todos os 29 artigos da Resolução 135 do CNJ, que disciplina as
punições a juízes. Das entidades que questionaram a constitucionalidade
desse texto legal, a mais importante é a Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB), dirigida por um desembargador do Tribunal de Justiça
de São Paulo. Com 1,9 mil juízes e cerca de 360 desembargadores, a Corte
é apontada pela corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, como a
mais refratária ao controle externo.
A oposição de juízes ao CNJ é antiga. Ela ficou evidenciada quando
alguns setores da corporação - especialmente os vinculados às Justiças
estaduais - se mobilizaram politicamente para tentar impedir a aprovação
da Emenda Constitucional (EC) 45, que introduziu a reforma do
Judiciário. Concebida para desburocratizar os tribunais e impor o
controle externo, coibindo desvios funcionais de juízes, a EC 45 foi
aprovada em 2004, com forte apoio da opinião pública.
Derrotados na arena parlamentar, juízes insatisfeitos com a atuação
do CNJ tentaram restringir as prerrogativas do órgão no plano judicial.
Desde a instalação do órgão, em 2005, associações de juízes já
impetraram 20 Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra ele. A ação
mais ambiciosa foi a que o STF julgou esta semana, depois de acirrada
polêmica entre o presidente da Corte, Cezar Peluso, e a corregedora do
CNJ. Em setembro, Eliana Calmon afirmou que alguns tribunais abrigam
"bandidos de toga" e que o CNJ só conseguiria concluir investigações
sobre pagamentos feitos pelo TJSP "no dia em que o Sargento Garcia
prendesse o Zorro". Três meses depois, ao criticar outra vez a Justiça
paulista, ela disse que "a serpente (da corrupção) está nascendo e é
preciso combatê-la".
Tendo atuado na Justiça paulista por 35 anos, como juiz e
desembargador, Peluso tomou as dores de seus antigos colegas, mas não
conseguiu que Eliana Calmon se retratasse. Ela ganhou apoio da opinião
pública ao mostrar o saldo de realizações do CNJ. Nos últimos seis anos,
o órgão constatou que 3.426 juízes e servidores fizeram movimentações
atípicas, num total de R$ 835 milhões. Atualmente, há 17 sindicâncias
abertas para apurar denúncias de venda de sentenças. Já a AMB e os
presidentes de TJs limitaram-se a acusar o CNJ de violar garantias dos
juízes, em suas investigações. As garantias dos magistrados são
indispensáveis para o bom funcionamento do Estado de Direito, não há
dúvida, mas não podem ser invocadas para blindar magistrados de qualquer
investigação sobre desvio de conduta e corrupção.
Além da opinião pública, o CNJ teve o apoio do procurador-geral da
República, Roberto Gurgel, que deu parecer contrário às pretensões da
AMB. "O que levou à criação do CNJ foi a percepção generalizada da
incapacidade das corporações judiciais para exercer adequadamente seu
poder disciplinar", afirmou. Depois dessa derrota, a AMB chegará
enfraquecida ao julgamento da liminar que suspendeu as investigações
sobre a folha de pagamentos do TJSP. Se for coerente com o julgamento
desta semana, o STF aplicará a mesma decisão ao segundo julgamento,
encerrando esse lamentável episódio da história da Justiça brasileira.