sexta-feira, 6 de abril de 2012

Entrevista "antiga"sobre o privilégio de foro. O desaforo de Demóstenes e de outros é previsível, muito previsível.


Para Roberto Romano, parlamentares se protegem como em sociedade secreta: 'Eles têm o passaporte da impunidade'.

O Globo

SÃO PAULO - O foro especial dos parlamentares é um dos fatores que aumentam a insensibilidade na política brasileira em relação ao que é ético, moral, legal ou normativo. A avaliação é do professor de ética e filosofia da Unicamp Roberto Romano, para quem os escândalos no Congresso aumentam o sentimento de impunidade e reforçam a cultura da apropriação de recursos públicos para aumentar o patrimônio pessoal. A entrevista concedida a Flávio Freire está na edição deste domingo em O GLOBO. (Relembre os escândalos do Congresso)

Como avalia os últimos episódios no Congresso?

ROBERTO ROMANO: Estão aumentando a sensação de impunidade, alheios à vida civil. É uma espécie de consciência de casta que leva a essa insensibilidade entre o que é ético, moral, legal, normativo.

Mas o que provocaria esse tipo de atitude dos legisladores?

ROMANO: O ponto crucial está no privilégio do foro. A partir do momento que foi proclamado o privilégio de foro, a audácia, a insensibilidade, a grosseria da classe política aumentou. Eles têm certeza da impunidade. Setores do Ministério Público, quando o privilégio de foro foi proclamado, se pronunciaram e disseram que estaria autorizada a vida boa dos improbos. Isso é verdade. Se olharmos o Supremo Tribunal Federal, o ministro que está encarregado de julgar o caso do mensalão (Joaquim Barbosa) já disse que considera o privilégio de foro uma teratologia política, sem razão de ser.

Se fossem julgados como cidadãos comuns, os parlamentares teriam mais cuidado com o dinheiro público?

ROMANO: Há uma coisa problemática do ponto de vista da Constituição, da moralidade administrativa, já que o próprio STF não é questionado por quem de direito. Temos a OAB, o Ministério Público, tudo o que deveria entrar com uma ação de inconstitucionalidade. Aí chegamos à hipocrisia que se instalou no país. É fácil transformar o Congresso na Geni da história, mas não perguntamos por que o STF não é interpelado. Não tenho ilusão de que o fim do foro privilegiado vá acabar com a corrupção, mas não tem sentido continuar do jeito que está. Além da oportunidade da delinquência, você dá oportunidade para quem delinque.

O corregedor da Câmara, ACM Neto, disse que a imprensa tenta fechar o Congresso...
ROMANO: Quando o corregedor usa esses termos, imagina o resto. Acabou a distinção de baixo clero, alto clero. Eles estão no "todos por todos", têm o passaporte da impunidade. Tudo o que se fizer contra eles vai parar no STF, e nunca vai ser julgado. Ninguém, até hoje, foi punido pelo Supremo. A punição que existe é por abuso de autoridade, que levou dois governadores a perder o cargo, o que é problemático, porque privilegia o perdedor, abençoando a pessoa não escolhida pelo eleitor.

Há um protecionismo entre os parlamentares para evitar que se denunciem?

ROMANO: É a lógica da sociedade secreta. Não por acaso, o filósofo Merleau Ponty, analisando Maquiavel, diz que esse mundo político corrompido lembra muito uma comunhão negra dos santos. Quer dizer, são santos na luz do dia. Mas a comunhão negra existe, e todos se protegem.


'Virou praxe na política a tese de que a coisa pública é coisa de ninguém'

O debate sobre o uso indevido de recursos públicos por parte dos parlamentares fica no meio do caminho entre a ausência de regras normativas e a falta de ética, afirmam cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO. Seja no caso da farra das passagens aéreas ou nos cabides de emprego sustentados com as verbas indenizatórias, o fato é que a falta de cerimônia na apropriação de dinheiro do contribuinte para aumentar o patrimônio pessoal parece ter se transformado, dizem os analistas, num vício entre legisladores brasileiros, fomentado pelo sentimento de impunidade.

- Esses últimos acontecimentos refletem um vício antigo que passou a ser tratado dentro da normalidade, o que é perigoso. A tese de que a coisa pública é coisa de ninguém se transformou em praxe na política - analisa o cientista político Dalmo Dallari, para quem a publicidade dos escândalos pode ajudar a conter a onda de corrupção no Congresso. - A divulgação deve refletir diretamente nas bases eleitorais, e aí sim eles (os parlamentares) sentirão o baque - completou.

O "casamento" entre os problemas institucionais e éticos ajuda a revelar uma situação sombria no Congresso, segundo o presidente do Centro de Estudos e Pesquisa da Comunicação (Cepac) e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Rubens Figueiredo.

- A absoluta falta de normas cria um problema institucional. A falta de cerimônia dos parlamentares no uso de recursos públicos cria um problema ético. Quando conjugamos esses dois fatores com uma opinião pública pouco escolarizada, com a banalização dos escândalos e com a falta de consequência em relação aos atos de quem infringiu a lei, chegamos a essa situação lamentável - diz Figueiredo, lembrando que a impunidade provoca a ousadia dos infratores.

Há também quem acredite que o foro privilegiado de deputados e senadores, no caso do Congresso, ajuda a fortalecer o crime na política.

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