O custo humano embutido num iPad
Somente em 2011, quatro pessoas morreram e 77 ficaram feridas em fábricas contratadas para produzir as últimas novidades da Apple
26 de janeiro de 2012 | 23h 00
Charles Duhigg e David Barboza, do The New York Times
NOVA YORK - A explosão arrasou o Edifício A5 numa tarde
de maio do ano passado. Uma erupção de chamas torceu os tubos de metal
como se fossem canudos jogados fora. Quando os operários na lanchonete
correram para fora, viram uma fumaça negra saindo das janelas - era a
área onde os empregados poliam milhares de estojos de iPads por dia.
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Duas pessoas morreram na hora e mais dez se feriram. Quando os
feridos eram levados às pressas para as ambulâncias, um em particular
chamava atenção. O rosto lambuzado, atingido pelo calor e a violência da
explosão, deu lugar a uma pasta preta e vermelha no lugar da boca e
nariz.
"Você é o pai de Lai Xiaodong?", alguém perguntou, quando o telefone
tocou na casa de Lai. Seis meses antes, o jovem de 22 anos havia se
mudado para Chengdu, sudoeste da China, para se tornar mais uma das
milhões de peças humanas da engrenagem que move o maior, mais rápido e
mais sofisticado sistema de manufatura no globo. "Ele está com
problemas", disse a pessoa do outro lado da linha ao pai de Lai, que não
resistiu aos ferimentos.
Na última década, a Apple tornou-se uma das mais poderosas e bem
sucedidas empresas do mundo. A Apple e suas congêneres do setor de alta
tecnologia alcançaram um ritmo de inovação jamais observado na história
moderna.
Contudo, os operários encarregados da montagem dos iPhones, iPads e
outros aparelhos com frequência trabalham em condições terríveis, de
acordo com empregados das fábricas, grupos de defesa dos trabalhadores e
relatórios publicados pelas próprias companhias. Os problemas são tão
variados quanto os ambientes de trabalho e os problemas de segurança -
alguns mortais - são graves.
Os operários fazem horas extras excessivas, em alguns casos trabalham
sete dias por semana e vivem em dormitórios superlotados. Alguns
trabalham em pé por tanto tempo que suas pernas incham a ponto de quase
não conseguirem andar. Empregados menores de idade ajudaram a fabricar
produtos da Apple, fornecedores da companhia armazenaram inadequadamente
lixo tóxico e falsificaram registros, segundo dados da empresa e grupos
de defesa do trabalhador que, dentro da China, são considerados
monitores independentes e confiáveis.
Mais preocupante ainda é o desprezo de alguns fornecedores pela saúde
do trabalhador. Há dois anos, 137 funcionários de uma fornecedora da
Apple a leste da China foram intoxicados depois de receber ordens para
usar uma substância química venenosa para limpar as telas do iPhone. No
ano passado, houve duas explosões em fábricas de iPad mataram quatro
pessoas e deixaram 77 feridas. Antes mesmo destas explosões, a Apple
havia sido alertada para as condições perigosas na fábrica de Chengdu.
A Apple não é a única empresa de produtos eletrônicos que opera
dentro de um sistema de suprimento preocupante. Condições terríveis de
trabalho foram documentadas em fábricas de manufatura de produtos para a
Dell, Hewlett-Packard, IBM, Lenovo, Motorola, Nokia, Sony, Toshiba e
outras.
Executivos da Apple dizem que a companhia adotou medidas importantes
para melhorar as fábricas nos últimos anos. A empresa criou um código de
conduta para seus fornecedores, detalhando os critérios a serem
obedecidos em termos de trabalho e segurança. A empresa organizou uma
campanha de auditoria. Abusos foram descobertos e correções foram
exigidas.
Mas os problemas importantes continuam. Mais da metade das
fornecedoras inspecionadas pela Apple violaram pelo menos uma norma do
código de conduta a cada ano desde 2007, de acordo com relatórios da
Apple.
"A Apple nunca se preocupou com qualquer outra coisa a não ser
melhorar a qualidade do produto e reduzir os custos de produção", disse
Li Mingqi, que trabalhou até abril na administração na Foxconn, uma das
mais importantes parceiras da Apple na China. Li, que está processando a
Foxconn por ter sido despedido, trabalhava na fábrica de Chengdu quando
ocorreu a explosão.
A Apple recebeu um resumo deste artigo, mas não quis comentá-lo. A
reportagem foi baseada em entrevistas com mais de 30 funcionários,
antigos e atuais, e contratantes, incluindo alguns executivos com
conhecimento do grupo de responsabilidade do fornecedor da Apple.
Emprego. Quando conseguiu o emprego na Foxconn, Lai
Xiaodong sabia que a fábrica em Chengdu era especial. Os trabalhadores
estavam produzindo o mais recente produto da Apple: o iPad.
Lai, que consertava máquinas da fábrica, logo de início notou as
luzes quase ofuscantes. Os turnos eram de até 24 horas e a unidade
estava sempre iluminada. A qualquer momento, havia milhares de operários
em pé nas linhas de montagem, agachados perto das grandes máquinas ou
correndo entre as plataformas de carga. As pernas de alguns estavam
inchadas.
Cartazes nas paredes alertavam os 120 mil empregados: "Trabalhe com
afinco no seu emprego hoje ou vai ter que trabalhar duro para encontrar
um emprego amanha". O código de conduta da Apple estabelece que, salvo
em circunstâncias excepcionais, os operários não devem trabalhar mais de
60 horas por semana. Mas na Foxconn, alguns trabalhavam bem mais,
segundo entrevistas, holerites e investigações de grupos independentes.
Lai logo passou a trabalhar 12 horas por dia, seis dias na semana.
Havia "turnos contínuos" e então os operários recebiam ordens para
trabalhar 24 horas seguidas. O grau universitário permitiu que o jovem
ganhasse um salário de US$ 22 por dia, incluindo horas extras. Ao sair
do trabalho, ele se recolhia num pequeno aposento, suficiente para
abrigar um colchão, um guarda-roupa e uma mesa.
Essa acomodação era melhor do que muitos dormitórios da empresa, onde
viviam 70 mil empregados da Foxconn, às vezes com 20 pessoas espremidas
em um apartamento de três quartos. Em 2011, uma disputa sobre salários
desencadeou um motim num dos dormitórios.
Em nota, a Foxconn contestou os relatos de funcionários sobre os
turnos contínuos, as horas extras e as acomodações abarrotadas. Segundo a
empresa, ela respeitava os códigos de conduta da Apple. "Todos os
empregados da linha de montagem têm pausas regulares, incluindo uma hora
para o almoço", escreveu a companhia, afirmando que somente 5% dos
empregados realizavam suas tarefas em pé.
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