|
|
Plínio de Arruda Sampaio
A reintegração de posse no Pinheirinho, em São José dos Campos, deveria ter acontecido?
Não
O conluio entre os poderes econômico e político
Até quando os noticiários dos jornais e da televisão mostrarão as cenas degradantes dos despejos de famílias sem-teto?
A mais recente delas, realizada em uma área de São José dos Santos,
expulsou famílias que ocupavam, há oito anos, uma área periférica da
cidade.
Oito mil policiais foram desviados das suas funções de manutenção da segurança da população para essa inglória tarefa.
Agindo com violência, esses policiais feriram as pessoas, destruíram as
casas e os objetos dessa pobre gente, atingindo até as crianças. Foi uma
barbaridade.
O promotor público, obrigado por lei a presenciar essas operações, brilhou pela ausência.
Chama a atenção igualmente a ausência de parlamentares, especialmente daqueles pertencentes aos partidos de esquerda.
Com a exceção honrosa do senador Eduardo Suplicy, é muito raro ver
parlamentares presentes nesses eventos com a finalidade de prevenir
excessos da força policial.
O mais incrível é que o mesmo Estado que realizou o despejo estava
negociando com o proprietário do terreno a aquisição da área, para
vender aos ocupantes.
Os advogados dessas famílias fizeram um grande esforço para demonstrar à
juíza do processo que a solução do problema era uma questão de dias.
Indiferente ao drama humano que sua decisão causaria, a juíza aplicou mecanicamente a lei e determinou o despejo.
Não contente, um juiz de direito acompanhou o despejo e indeferiu de
plano, em pleno local, todas as petições que foram apresentadas pelos
advogados com o proposito de evitar a execução do mandado.
Só se justificaria a presença de um magistrado em eventos desse tipo se fosse para prevenir excessos da força policial.
No entanto, a presença de um juiz de direito no Pinheirinho não causou
nenhuma inibição nos soldados, em uma evidente demonstração do conluio
entre o poder econômico e o poder político nos Estados hegemonizados
pela burguesia.
Nesses Estados, a prioridade primeiríssima é sempre a defesa do
sacrossanto direito de propriedade. Todo o resto -os direitos humanos, a
integridade física, os pequenos pertences das pessoas- fica subordinado
ao direito maior.
Por isso, o direito à propriedade de um milionário relapso, que deve
milhões de tributos não pagos ao Estado brasileiro, justifica o
espancamento de pessoas e a destruição de seus bens.
E agora? Como ficam as famílias despejadas? Quem cuidará delas?
Elas obviamente irão ocupar outra área. Serão novamente expulsas e voltarão a sofrer os mesmos vexames e as mesmas violências.
Isso acontece e continuará acontecendo enquanto não houver uma
legislação que coíba a especulação imobiliária, porque é ela que causa o
aumento extorsivo do preço dos terrenos e, desse modo, exclui as
famílias pobres do mercado.
Pacífica, despolitizada e sem organização, essa população tem aceitado a
situação intolerável sem recorrer à violência. Até quando?
Isso vai continuar acontecendo enquanto os partidos de esquerda deixarem
de cumprir seu papel de conscientizar e organizar essa massa, para que
ela resista a esses ataques de armas na mão.
Na hora em que isto for uma realidade, não haverá violência, porque a
consciência dessa realidade será suficiente para manter os cassetetes na
cintura.
|
|
São Paulo, sábado, 28 de janeiro de 2012 |
|
|
Texto Anterior
|
Próximo Texto
| Índice | Comunicar Erros
João Antonio Wiegerinck
A reintegração de posse no Pinheirinho, em São José dos Campos, deveria ter acontecido?
Sim
A manutenção das regras
No episódio ocorrido na comunidade Pinheirinho, é possível notar a evidente congruência de determinados fatores.
São eles: a ocupação e a permanência ilegais em uma área privada; a
absoluta inércia de ministérios e secretarias estaduais e municipais
vinculadas à habitação; e, ainda, uma decisão judicial mal conduzida
pelas autoridades policiais e administrativas.
Com relação à ocupação de uma propriedade privada, só é possível
solicitar o usucapião no caso de a posse ter acontecido pacificamente,
ou seja, sem nenhuma manifestações do proprietário ao longo dos cinco
anos previstos para a modalidade urbana desse instituto legal.
Contudo, o proprietário moveu a ação de reintegração de posse no devido
tempo, mas o processo tramitou com lentidão. Tal situação não configura
posse pacífica e lícita dos invasores.
É necessário verificar que os ocupantes, até onde foi noticiado, não
recolhem impostos como o IPTU ou as taxas da prefeitura. Energia
elétrica e água são desviadas da rede oficial. Logo, é presumível que os
membros da comunidade soubessem das ilegalidades cometidas desde a
fixação de suas moradias.
Ao longo dos oito anos de ocupação, cerca de 70 famílias residentes
fizeram inscrições para planos de habitação popular. As demais, não.
Tendo em vista o fato de que o Estado deve agir preventivamente, não
esperando que os problemas sociais se transformem em emergências socais,
é lógico aferir a incompetência omissiva diante do quadro.
O direito à propriedade é um direito tão antigo quanto o direito à
dignidade da pessoa humana na maior parte das constituições ocidentais.
Como princípios constitucionais que são, inexiste uma hierarquia
científica entre eles ou os demais princípios.
Cabe aos interpretes primários das normas (ou seja, procuradores,
promotores, juízes e advogados) acharem a justa medida quando tais
princípios entram em colisão.
Por mais que a legislação tenha que ser seguida em nome da ordem geral
de uma nação, a parte mais importante do processo em si é a forma de
concretizar a interpretação do direito e da Justiça.
No Pinheirinho, diante da omissão do Estado como um todo em agir -fosse
construindo casas populares, fosse adquirindo e pagando pela área-, a
decisão de desocupação foi embasada na Carta Magna e nas normas
infraconstitucionais vigentes e aceitas no país.
Infelizmente, a concretização da decisão não foi conduzida de acordo com
as mesmas normas. Seria preciso determinar quais os abrigos receberiam
os retirados e conceder aos mesmos tempo suficiente para reunir os seus
pertences.
O que não se deve confundir é a maneira equivocada de conduzir a desocupação com um ato desprovido de embasamento jurídico.
A retirada de invasores de uma propriedade adquirida honestamente e pela
qual se paga tributos ao Estado é um ato lícito e voltado à boa
observância da ordem.
Por isso, o Supremo Tribunal Federal decidiu manter a desocupação. O que
precisa ser corrigido é forma de aplicar o direito adquirido.
O que todo cidadão de bem deseja é que a sociedade em que vive ofereça
estabilidade na manutenção das regras a serem observadas por todos, sem
favorecimentos ou discriminações. Quem tem consciência de estar vivendo
ilegalmente sabe que um dia isso será cobrado. Tomara que de agora em
diante com mais dignidade e prevenção.
|
|