sábado, 28 de janeiro de 2012

Pinheirinhos



  Índice geral São Paulo, sábado, 28 de janeiro de 2012Opinião
Opinião
 
Plínio de Arruda Sampaio

A reintegração de posse no Pinheirinho, em São José dos Campos, deveria ter acontecido? 

Não
O conluio entre os poderes econômico e político
Até quando os noticiários dos jornais e da televisão mostrarão as cenas degradantes dos despejos de famílias sem-teto?
A mais recente delas, realizada em uma área de São José dos Santos, expulsou famílias que ocupavam, há oito anos, uma área periférica da cidade.
Oito mil policiais foram desviados das suas funções de manutenção da segurança da população para essa inglória tarefa.
Agindo com violência, esses policiais feriram as pessoas, destruíram as casas e os objetos dessa pobre gente, atingindo até as crianças. Foi uma barbaridade.
O promotor público, obrigado por lei a presenciar essas operações, brilhou pela ausência.
Chama a atenção igualmente a ausência de parlamentares, especialmente daqueles pertencentes aos partidos de esquerda.
Com a exceção honrosa do senador Eduardo Suplicy, é muito raro ver parlamentares presentes nesses eventos com a finalidade de prevenir excessos da força policial.
O mais incrível é que o mesmo Estado que realizou o despejo estava negociando com o proprietário do terreno a aquisição da área, para vender aos ocupantes.
Os advogados dessas famílias fizeram um grande esforço para demonstrar à juíza do processo que a solução do problema era uma questão de dias.
Indiferente ao drama humano que sua decisão causaria, a juíza aplicou mecanicamente a lei e determinou o despejo.
Não contente, um juiz de direito acompanhou o despejo e indeferiu de plano, em pleno local, todas as petições que foram apresentadas pelos advogados com o proposito de evitar a execução do mandado.
Só se justificaria a presença de um magistrado em eventos desse tipo se fosse para prevenir excessos da força policial.
No entanto, a presença de um juiz de direito no Pinheirinho não causou nenhuma inibição nos soldados, em uma evidente demonstração do conluio entre o poder econômico e o poder político nos Estados hegemonizados pela burguesia.
Nesses Estados, a prioridade primeiríssima é sempre a defesa do sacrossanto direito de propriedade. Todo o resto -os direitos humanos, a integridade física, os pequenos pertences das pessoas- fica subordinado ao direito maior.
Por isso, o direito à propriedade de um milionário relapso, que deve milhões de tributos não pagos ao Estado brasileiro, justifica o espancamento de pessoas e a destruição de seus bens.
E agora? Como ficam as famílias despejadas? Quem cuidará delas?
Elas obviamente irão ocupar outra área. Serão novamente expulsas e voltarão a sofrer os mesmos vexames e as mesmas violências.
Isso acontece e continuará acontecendo enquanto não houver uma legislação que coíba a especulação imobiliária, porque é ela que causa o aumento extorsivo do preço dos terrenos e, desse modo, exclui as famílias pobres do mercado.
Pacífica, despolitizada e sem organização, essa população tem aceitado a situação intolerável sem recorrer à violência. Até quando?
Isso vai continuar acontecendo enquanto os partidos de esquerda deixarem de cumprir seu papel de conscientizar e organizar essa massa, para que ela resista a esses ataques de armas na mão.
Na hora em que isto for uma realidade, não haverá violência, porque a consciência dessa realidade será suficiente para manter os cassetetes na cintura.
PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO, 81, advogado, foi deputado federal pelo PT-SP (1985-1991), consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) e candidato a presidente pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade)
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João Antonio Wiegerinck
A reintegração de posse no Pinheirinho, em São José dos Campos, deveria ter acontecido?
Sim
A manutenção das regras
No episódio ocorrido na comunidade Pinheirinho, é possível notar a evidente congruência de determinados fatores.
São eles: a ocupação e a permanência ilegais em uma área privada; a absoluta inércia de ministérios e secretarias estaduais e municipais vinculadas à habitação; e, ainda, uma decisão judicial mal conduzida pelas autoridades policiais e administrativas.
Com relação à ocupação de uma propriedade privada, só é possível solicitar o usucapião no caso de a posse ter acontecido pacificamente, ou seja, sem nenhuma manifestações do proprietário ao longo dos cinco anos previstos para a modalidade urbana desse instituto legal.
Contudo, o proprietário moveu a ação de reintegração de posse no devido tempo, mas o processo tramitou com lentidão. Tal situação não configura posse pacífica e lícita dos invasores.
É necessário verificar que os ocupantes, até onde foi noticiado, não recolhem impostos como o IPTU ou as taxas da prefeitura. Energia elétrica e água são desviadas da rede oficial. Logo, é presumível que os membros da comunidade soubessem das ilegalidades cometidas desde a fixação de suas moradias.
Ao longo dos oito anos de ocupação, cerca de 70 famílias residentes fizeram inscrições para planos de habitação popular. As demais, não.
Tendo em vista o fato de que o Estado deve agir preventivamente, não esperando que os problemas sociais se transformem em emergências socais, é lógico aferir a incompetência omissiva diante do quadro.
O direito à propriedade é um direito tão antigo quanto o direito à dignidade da pessoa humana na maior parte das constituições ocidentais. Como princípios constitucionais que são, inexiste uma hierarquia científica entre eles ou os demais princípios.
Cabe aos interpretes primários das normas (ou seja, procuradores, promotores, juízes e advogados) acharem a justa medida quando tais princípios entram em colisão.
Por mais que a legislação tenha que ser seguida em nome da ordem geral de uma nação, a parte mais importante do processo em si é a forma de concretizar a interpretação do direito e da Justiça.
No Pinheirinho, diante da omissão do Estado como um todo em agir -fosse construindo casas populares, fosse adquirindo e pagando pela área-, a decisão de desocupação foi embasada na Carta Magna e nas normas infraconstitucionais vigentes e aceitas no país.
Infelizmente, a concretização da decisão não foi conduzida de acordo com as mesmas normas. Seria preciso determinar quais os abrigos receberiam os retirados e conceder aos mesmos tempo suficiente para reunir os seus pertences.
O que não se deve confundir é a maneira equivocada de conduzir a desocupação com um ato desprovido de embasamento jurídico.
A retirada de invasores de uma propriedade adquirida honestamente e pela qual se paga tributos ao Estado é um ato lícito e voltado à boa observância da ordem.
Por isso, o Supremo Tribunal Federal decidiu manter a desocupação. O que precisa ser corrigido é forma de aplicar o direito adquirido.
O que todo cidadão de bem deseja é que a sociedade em que vive ofereça estabilidade na manutenção das regras a serem observadas por todos, sem favorecimentos ou discriminações. Quem tem consciência de estar vivendo ilegalmente sabe que um dia isso será cobrado. Tomara que de agora em diante com mais dignidade e prevenção.
JOÃO ANTONIO WIEGERINCK, 45, é advogado, especialista do Instituto Millenium e professor da Escola Paulista de Direito