Quem ganhou com o massacre do Pinheirinho?
Por Guilherme Boulos e Valdir Martins (Marrom)*
Há poucos meses atrás, em setembro, as manchetes dos jornais de São
José dos Campos estampavam a notícia de um acordo para regularizar o
bairro do Pinheirinho. Após sete anos, as 1.600 famílias dessa
comunidade teriam sua situação de moradia resolvida. O secretário
estadual de habitação e representantes do Ministério das Cidades
vistoriaram pessoalmente a área para fechar o acordo. Houve muita festa
entre os moradores.
Quatro meses depois, em 22 de janeiro, a polícia militar de São Paulo –
a mando do governador e legitimada pelo Tribunal de Justiça – inicia
uma operação de guerra, que terminou com o despejo da comunidade,
dezenas de presos e feridos e 7 desaparecidos. Um massacre do Estado
contra trabalhadores que queriam apenas o elementar direito de
permanecer em suas casas. Quanto à dimensão e covardia das agressões nem
é preciso insistir, pois as imagens que circularam nos jornais e na
internet falam por si. A questão é: como se deu esta reviravolta?
A movimentação que levou o Pinheirinho da regularização ao despejo teve
três atores principais: o Judiciário paulista, a prefeitura do
município e o Governador Geraldo Alckmin. A sintonia desta orquestra
macabra varreu todas as tentativas de acordo e solução negociada ao
problema dos moradores.
E
contou ainda com a silenciosa e discreta omissão do Governo Federal.
“Em nome do pacto federativo”... Que pacto? Aquele que os tucanos e o TJ
rasgaram ao desconsiderar a corajosa decisão da Justiça Federal, que
impedia a desocupação? Pois é, porque havia uma decisão judicial do TRF a
favor dos moradores do Pinheirinho. De fato, percebemos nossa
ingenuidade em acreditar que decisões judiciais sejam cumpridas, quando
favorecem os mais pobres e prejudicam gente como Naji Nahas,
dono-grileiro do terreno do Pinheirinho.
Mas
o que unia aqueles que trabalharam em favor do despejo? A juíza de São
José, Marcia Loureiro, foi uma combatente incansável: validou e
revalidou liminares, recusou-se a receber autoridades e representantes
dos moradores, dentre outras proezas. Se houvesse um “Prêmio Naji Nahas”
certamente seria ela a ganhadora deste ano. Tem lá os seus interesses,
que infelizmente não temos provas suficientes para expô-los. Acusar sem
provas? Pois é, o judiciário brasileiro é aquele em relação ao qual
Paulo Maluf costuma orgulhar-se de não ter qualquer condenação. Bom
bandido é aquele que não deixa rastro.
A
juíza Marcia Loureiro contou com a aprovação irrestrita do presidente
do TJ, desembargador Ivo Sartori, que autorizou a PM a “reprimir força
policial federal que eventualmente se opusesse à ação”. Ambos pertencem
ao Tribunal que está assolado de denúncias de corrupção, super-salários e
sonegação fiscal por parte de vários de seus desembargadores. Que moral
e legitimidade têm eles para definir o destino de famílias
trabalhadoras brasileiras?
Encontraram,
porém, ombro amigo no governador e no prefeito de São José, ambos do
PSDB. Vale lembrar, o mesmo partido do então governador do Pará que, em
1996, ordenou o massacre de Eldorado dos Carajás. Articularam e
autorizaram a operação de guerra que, na calada da noite, tomou de
assalto o Pinheirinho. O que ganharam com isso? A resposta está na lista
de seus financiadores de campanha, recheadas de empreiteiras,
incorporadoras, especuladores imobiliários e das empresas de Naji Nahas –
que, junto com Daniel Dantas, esteve na vanguarda das privatizações do
governo tucano de FHC.
Assim,
o que uniu os agentes que trabalharam pelo despejo do Pinheirinho foi a
prestação de um valioso serviço ao capital imobiliário. Essa ocupação
representava uma verdadeira pedra no sapato, não apenas de Nahas, mas
dos “empreendedores” imobiliários de São José dos Campos. Está
localizada numa região de expansão imobiliária, onde ainda restam muitas
áreas vazias, sob um forte assédio de construtoras e incorporadoras.
Ora, nem é preciso dizer que pobres morando no entorno desvalorizam os
futuros empreendimentos, em especial os condomínios para alta renda.
Por
isso, o despejo do Pinheirinho era uma reivindicação antiga do capital
imobiliário daquela região. Permitiria não só liberar a própria área da
ocupação, como também valorizar as áreas dos bairros vizinhos. E
principalmente no atual momento, em que São José passa por um processo
especulativo de valorização de terras inédito, por ter sido contemplado
pelo “Pacote Copa-2014”, por meio do trem bala, que passará por esta
cidade.
Convenhamos
então que nem o governador Alckmin, nem o prefeito Cury, nem mesmo os
honoráveis magistrados do TJ-SP poderiam negar um pedido tão importante
de amigos tão valiosos. A presidenta Dilma, que também teve sua campanha
eleitoral fartamente financiada por construtoras, nada fez para
impedir. Poderia ter desapropriado o terreno, mas não o fez. As cartas
estavam marcadas.
Os
editoriais de grandes jornais se apressaram em condenar os invasores de
terra alheia e atribuir o conflito a interesses de partidos radicais,
que teriam contaminado os pobres moradores. É preciso recordar àqueles
que concordam com estes argumentos que a imensa maioria das periferias
urbanas brasileiras resultou de processos de ocupação. Pela inexistência
de política pública para a moradia, parte expressiva dos trabalhadores
brasileiros nunca tiveram outra alternativa. Pretendem então despejar
dezenas de milhões de famílias que vivem em áreas ocupadas?
Além
disso, não é demais lembrar que a idéia dos “maus elementos radicais
manipulando uma massa ingênua” foi o argumento preferido da ditadura
militar para desqualificar os movimentos de resistência. Parte da tese
conservadora de que o povo brasileiro é naturalmente pacato e resignado,
só se movendo por influência externa.
Suponhamos,
porém, juntamente com a Secretária de Justiça de São Paulo, Heloísa
Arruda, que declarou que “a legalidade está acima dos direitos humanos”,
que os “invasores” tivessem mesmo que ser despejados. Mesmo neste
cenário, a questão poderia ter sido conduzida de forma muito diferente.
Basta
tomarmos um exemplo recente, que ocorreu em Taboão da Serra, município
da região metropolitana de São Paulo. No início de 2011, foi determinado
o despejo de uma área ocupada por 900 famílias organizadas pelo
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. Encarregado de fazer a
desocupação, o Coronel Adilson Paes exigiu simplesmente que a lei fosse
cumprida para os dois lados: exigiu do Poder Público a garantia de um
local de alojamento para as famílias despejadas, bem como todos os meios
necessários para o tratamento humano daquelas pessoas.
Logo
após, por algum motivo obscuro, o Coronel Adilson foi afastado do
comando do batalhão. Mesmo assim, sua postura foi suficiente para
permitir que houvesse uma solução pacífica e negociada neste caso. Não
estranharemos se o Coronel Messias, que comandou com mão de ferro e uma
boa dose de sadismo, a operação de guerra do Pinheirinho receber – não
um afastamento – mas alguma medalha ou promoção ao Comando Geral da
polícia militar. É assim que as coisas funcionam.
É
triste constatar que o que ocorreu no Pinheirinho não foi um fato
isolado. Trata-se de expressão de uma política, conduzida pela
especulação imobiliária e seus amigos no Estado, que coloca a
valorização das terras e os lucros com os empreendimentos bem acima da
vida humana. Este processo, aliás, tem se tornado cada vez mais cruel
com as obras da Copa do Mundo 2014. Infelizmente, outros Pinheirinhos
virão.
*Guilherme
Boulos, membro da coordenação nacional do MTST, militante da
Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos e da CSP Conlutas;
Valdir Martins (Marrom), liderança da comunidade do Pinheirinho (MUST),
militante da Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos e da CSP
Conlutas.