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Rogério Gentile
Injustiça brasileira
SÃO PAULO - Daniela Toledo do Prado tinha 21 anos quando foi
acusada por uma médica, em uma sala de emergência, de cometer um crime
pavoroso: matar a própria filha, uma criança de um ano e três meses, com
uma overdose de cocaína.
Em estado de choque, sem conseguir dizer quase nada em sua defesa, foi
presa e levada pelos policiais, sob gritos de "vagabunda", para a
cadeia, onde foi espancada.
Seu rosto ficou desfigurado. Teve a clavícula e a mandíbula quebradas.
Perdeu a audição do lado direito -uma das detentas enfiou e quebrou uma
caneta em seu ouvido. Apesar dos gritos, ninguém a socorreu e, somente
após duas horas, foi levada, em coma, para o hospital.
Trinta e sete dias depois, porém, foi solta quando um laudo provou que
não era cocaína o pó branco achado na mamadeira e na boca da menina.
Mesmo assim, a Justiça só a absolveu em 2008, dois anos após perder a
filha e, como ela costuma dizer, a sua própria vida.
Desempregada, evita até hoje sair de casa sozinha por medo de apanhar em
razão da repercussão do caso -era chamada de "monstro da mamadeira".
Toma antidepressivos, assim como seu filho de oito anos; diz sofrer
dores fortes na cabeça e convulsões. "Não me esqueço do delegado. Dizia
ter aberto o corpo de minha filha, que estava cheio de cocaína."
Embora terrível, o caso de Daniela não é uma exceção no Brasil. Cerca de
205,5 mil pessoas, ou 40% do total, estão encarceradas, muitas há anos,
sem julgamento. São os chamados "presos provisórios", confinados
frequentemente nas mesmas celas de criminosos condenados.
Quantos, de fato, são culpados e deveriam mesmo estar presos? Impossível
saber. Os que um dia conseguirem provar sua inocência poderão recorrer à
própria Justiça em busca de indenização. Daniela, após tanto
sofrimento, conseguiu. Ganhará módicos R$ 25 mil e uma pensão mensal
vitalícia de R$ 414. Isso, claro, se o governo Alckmin, que nega culpa
do Estado no episódio, não conseguir reverter a decisão.
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