Propaganda do Instituto Cidade; ONG tomou dinheiro público e entregou 10% do previsto
24/01/2012 - 06h01
R$ 2,4 milhões do Ministério do Esporte desaparecem de conta de ONG ligada ao PC do B
José Cruz e Vinícius Segalla
Em Brasília (DF) e em Juiz de Fora (MG)
Em Brasília (DF) e em Juiz de Fora (MG)
A Polícia Federal está investigando o sumiço de R$ 2,4 milhões de
verbas do programa Pintando a Cidadania, do Ministério do Esporte,
repassados à ONG "Instituto Cidade", de Juiz de Fora (MG), para a
produção de materiais esportivos, como bolas, camisas e redes de vôlei. A
ONG mineira terceirizou os serviços contratando uma cooperativa local
para produzir os materiais.
O QUE DEVERIA TER SIDO FEITO E O QUE FOI PRODUZIDO PELO INSTITUTO CIDADE
Produto | O que foi produzido | O que deveria ter sido feito |
Bolas | Nada | 8.000 unidades |
Redes de futsal e vôlei | 400 unidades | 2.000 unidades |
Camisetas | 26 mil unidades | 60.500 unidades |
Bonés | 4.900 unidades | 61.250 unidades |
- Fonte: Ministério do Esporte
Mais de um ano após o início do contrato, em 3 de dezembro de 2010,
porém, a ONG, que recebeu 100% da verba (R$ 2,409.522,44 milhões),
produziu apenas 10% do material, e encerrou a produção depois disso. O
próprio Ministério do Esporte, de acordo com documentos internos a que o
UOL teve acesso – já encaminhados à Polícia Federal –,
reconhece os indícios de desvio de recursos públicos e favorecimento a
pessoas ligadas ao PC do B (Partido Comunista do Brasil) no uso das
verbas cedidas à ONG. O partido comanda o Ministério do Esporte desde
2003.
Atualmente, as atividades do Instituto Cidade estão paralisadas. A
reportagem esteve em Juiz de Fora e encontrou uma fábrica de material
esportiva vazia. Um funcionário informou que tinha dispensado os mais de
40 trabalhadores, já que não havia dinheiro para produzir qualquer
material ou efetuar pagamentos.
No dia 10 de novembro de 2011, cumprindo mandado da Justiça, a Polícia
Federal apreendeu computadores e documentos na sede da ONG e em mais
três endereços em Juiz de Fora, entre eles na casa do presidente da
entidade, José Augusto da Silva.
Segundo o delegado federal Ronaldo Guilherme Campos, à frente das
investigações, o que é possível afirmar até agora "é a existência de
forte indício de que algo de irregular aconteceu". Ele precisará de
"mais quatro ou cinco meses" para concluir as investigações, e diz que
aguarda a quebra do sigilo bancário dos envolvidos.
O principal deles é José Augusto da Silva, presidente do Instituto
Cidade e ex-cabo eleitoral de Wadson Ribeiro (PC do B), que está na
suplência do partido para a Câmara dos Deputados. Wadson, ex-presidente
da UNE (1999-2001), ocupou a Secretaria Nacional de Esporte Educacional
da pasta até o final de 2011. O programa Pintando a Cidadania está
vinculado a essa secretaria. Em novembro, Wadson deixou o Ministério,
pouco depois da saída do então ministro Orlando Silva, no bojo de
pesadas denúncias de corrupção na pasta.
Orlando e Wadson, com Ricardo Cappelli – que preside a comissão técnica
da Lei de Incentivo ao Esporte – formavam o triunvirato de
ex-presidentes da União Nacional dos Estudantes com cargos de destaques
no Ministério do Esporte, a partir de 2006. Do trio, apenas Cappelli
permanece no cargo, na pasta agora sob o comando do ministro Aldo
Rebelo.
No dia 23 de novembro do ano passado, José Augusto Silva foi convocado
pelo Ministério do Esporte para "tratar de assuntos relevantes e
urgentes, inerentes ao desenvolvimento das ações previstas no plano de
aplicação do convênio", de acordo com documento que o UOL teve
acesso. A José Silva foi também solicitada a apresentação de "extrato
atualizado da movimentação bancária da conta exclusiva do convênio". Em
vão. Ele alegou que com a apreensão dos documentos pela Polícia Federal
não poderia atender ao solicitado pelo Ministério.
Pagamentos irregulares
As explicações do presidente do Instituto Cidade não convenceram. No
dia 9 de janeiro deste ano, um relatório interno do Ministério do
Esporte que integra volumoso processo – tudo já enviado à Polícia
Federal – , adianta que "há indícios de malversação do dinheiro público"
na ONG Instituto Cidade, e que a mesma "não se esforça em elucidar as
denúncias feitas".
Pagamentos ilegais
O mesmo relatório do ministério denuncia "pagamentos com recursos
públicos de vales-transporte, previstos no plano de aplicação aos
cooperados (que produziriam o material esportivo), a integrantes do PC
do B que atuam em escritório regional do partido político em Juiz de
Fora. Os partidários são acusados de não guardarem relação ou vínculo
com as metas do convênio. Do processo consta uma lista com os “nomes dos
militantes do partido que receberam os benefícios, ou seja de maneira
ilegal".
-
O ex-Secretário Nacional de Esporte Educacional, Wadson Ribeiro,
teve como cabo eleitoral em 2010 o presidente da ONG Instituto Cidade,
José Augusto da Silva, acusado de desviar recursos do Ministério do
Esporte
O UOL teve acesso à lista de pessoas que receberiam o
benefício. 15 delas seriam filiadas ao PC do B. Apesar desses indícios
de graves irregularidades, o convênio do ministério com o Instituto
Cidade ainda não foi rescindido. Segundo levantamento junto ao Sistema
Integrado de Administração Financeira (Siafi), o Instituto Cidade foi
contemplado com R$ 7 milhões do Ministério do Esporte, entre 2006 e
2011.
A coordenadora da cooperativa – constituída de pessoas carentes de Juiz
de Fora para atender aos pedidos de produção de material esportivo –,
Sandra Rodrigues Costa, relatou a funcionários do Ministério do Esporte
que o presidente do Instituto Cidade, José Augusto da Silva, teria
convocado uma reunião com os coordenadores do projeto no fim de 2011
para informar que as atividades seriam interrompidas por falta de
recursos.
Nos relatos, cujas gravações foram ouvidas pelo UOL, Sandra
informa que José Augusto da Silva deu um aviso claro: "Apenas teremos
recursos disponíveis até dezembro (de 2011). Alertem os funcionários (da
Cooperativa) que após não teremos mais dinheiro para executar as metas
do convênio".
Sandra teria, então, perguntado o que foi feito dos R$ 2,9 milhões (na
verdade, o repasse oficial foi de R$ 2,4 milhões, segundo o Siafi) que
deveriam ser usados na produção do material. A resposta: "Eu assumo que
desviei os recursos do convênio do Ministério do Esporte para outros
projetos do Instituto Cidade". Para quais projetos o dinheiro teria sido
desviado, Silva não informou.
O balanço do convênio é o seguinte, segundo o Ministério do Esporte:
8.000 bolas encomendadas: Nenhuma foi produzida
26.000 camisetas produzidas, ou 43% do contratado
4.900 bonés entregues, apenas 8% do previsto no contrato
Redes: foram produzidas 200 redes de futsal e outras 200 de vôlei, ou apenas 20% do total contratado
Bandeiras: nenhum material chegou à fábrica; nada foi produzido
O UOL tentou entrar em contato com José Augusto da Silva por dois dias em Juiz de Fora, mas não obteve resposta.