Euclides André Mance
Globalização, Subjetividade e Totalitarismo
- Elementos para um estudo de caso: O Governo Fernando Henrique Cardoso
Copyright do Autor © 1998
Globalização, Subjetividade e Totalitarismo
- Elementos para um estudo de caso: O Governo Fernando Henrique Cardoso
Copyright do Autor © 1998
O abuso das Medidas Provisórias, que
destacaremos à parte, e o atrelamento da parcela maior do
Congresso Nacional que aceita ter o país governado desse modo,
bem como o amplo domínio de difusão das informações que lhe
interessam na grande imprensa, e por fim, o autoritarismo das
decisões - uma vez que uma medida provisória reeditada por um
único homem torna-se norma vigente para todo o país por um
prazo de tempo indefinido - colocam em risco a estrutura
institucional da estado brasileiro.
Nessa linha de raciocínio, em que os que
estão no executivo federal consideram toda oposição como
"burra" e "retrógrada", convencendo a
sociedade de que a oposição "não tem proposta",
alguns membros do governo imaginam que uma autêntica democracia
possa funcionar sem respeito à divergência: "Nós estamos
no poder, acabou a necessidade da crítica." - hipotética
frase que representa este espírito democrático, denunciado por
Roberto Romano, filósofo e professor de filosofia política da
Unicamp (549) em seu
artigo " ‘Denuncismo’ ou defesa dos
cidadãos?".
Romano analisa neste artigo jornalístico um
"simulacro discursivo" praticado por membros da
hierarquia do Palácio do Planalto, no caso, José Álvaro
Moisés quando este afirmava que a denúncia pela imprensa de
irregularidades administrativas que ocorrem no governo em nível
federal, conduz a um golpe de Estado no país. J.A. Moisés chega
ao absurdo de afirmar que "Ser contra o governo é trair o
Brasil". O discurso coercitivo de Moisés passa então, a
chantagear a imprensa e a cidadania: "Se não curvarem a
cerviz, haverá um golpe." Comenta Roberto Romano que foi,
do mesmo modo, que "...os burocratas do antigo comunismo
exigiram total adesão ao pacto entre a Alemanha nazista e a
URSS, em 1939". Assim, " a ‘santa aliança’
matou milhões para garantir os ditadores e os intelectuais que a
serviram." É preciso, pois, destacar que "Cérebros
formados no autoritarismo, de esquerda ou direita, sempre odeiam
o pensamento autônomo." (550). Em outra passagem afirma o professor: "É
meridiano o raciocínio dos censores que um dia foram
intelectuais: a universidade crítica e a imprensa livre só
devem existir enquanto os iluminados, que engoliram o absoluto
divino, não chegaram ao poder. Presos às sinecuras (convescotes
em Paris etc) e tendo as orelhas lambidas pela adulação,
senhores e simulacros julgam urgente, como disse a primeira-dama,
‘educar os jornalistas’, que odeiam, votando horror
idêntico aos seus antigos pares acadêmicos que resistem na
sociedade civil. É cinismo apontar a imprensa como causadora de
golpes quando se trabalha para um governo que pratica o ‘é
dando que se recebe’ com parlamentares e depois os aponta
como fonte de ingovernabilidade."
(551)
Sofrendo esta mesma ação discursiva
coercitiva, o judiciário fica bastante susceptível. Algumas
vezes, entretanto, membros do Governo pretenderam desqualificar
também o judiciário, caso tomassem decisões contrárias aos
interesses do governo federal. Considerando este procedimento,
argumenta Milton Temer, que se trata "da busca de um
‘autoritarismo consentido’, no qual um déspota
supostamente esclarecido daria as cartas... Cabe aos democratas
resistir às tentativas do governo de desqualificar seus
críticos para fugir à discussão das críticas." (552)
549. Roberto ROMANO. " ’Denuncismo’ ou defesa dos cidadãos?". Folha de São Paulo, 20-06-96, p. 1-3