Aonde foram os empregos do iPhone
Donald Chan/Reuters | |||
Em feira de empregos no ano passado, a Foxconn Technology, que monta iPhones na China, foi inundada de candidaturas. |
Por CHARLES DUHIGG e KEITH BRADSHER
Não faz muito tempo, a Apple se gabava de seus produtos serem fabricados
nos Estados Unidos. Hoje quase todos os 70 milhões de iPhones, 30
milhões de iPads e 59 milhões de outros produtos que a Apple vendeu no
ano passado foram montados em outros países.
Em um jantar na Califórnia em fevereiro do ano passado, o presidente
Obama perguntou a Steven P. Jobs, da Apple, por que esses empregos não
poderiam voltar para os EUA. "Esses empregos não vão retornar", Jobs
teria respondido.
Não é apenas uma questão de os salários fora dos Estados Unidos serem
mais baixos. Os executivos da Apple acreditam que a enorme escala das
fábricas no exterior, além da flexibilidade, diligência e habilidade
industrial dos operários estrangeiros, já superaram tanto suas
contrapartes americanas que "made in the USA" deixou de ser uma opção
viável para a maioria dos produtos da Apple.
Um ex-executivo descreveu como a Apple pediu para uma fábrica chinesa
modificar a produção do iPhone semanas antes de o aparelho chegar às
lojas. A Apple tinha modificado a tela do iPhone no último minuto,
exigindo uma revisão geral na linha de montagem. Novas telas começaram a
chegar na fábrica à meia-noite.
Um chefe de seção acordou 8.000 operários nos alojamentos da companhia,
de acordo com o executivo. Cada operário recebeu uma bolacha e uma
xícara de chá e, meia hora depois, iniciou um turno de trabalho de 12
horas, encaixando telas de vidro em molduras chanfradas.
"Não existe fábrica americana capaz de fazer algo semelhante", disse o executivo.
A Apple emprega 43 mil pessoas nos Estados Unidos e 20 mil em outros
países. Muito mais pessoas trabalham para as empresas para as quais a
Apple terceiriza funções: outras 700 mil pessoas trabalham como
engenheiras e na fabricação e montagem de iPads, iPhones e de outros
produtos da Apple. Mas quase todas elas trabalham para empresas com sede
na Ásia, Europa e outros lugares, em plantas das quais todas as
companhias de eletrônicos dependem para fabricar seus produtos.
"A Apple é um exemplo da razão pela qual é tão difícil gerar empregos
para a classe média nos EUA hoje", disse Jared Bernstein, que até 2011
era assessor econômico da Casa Branca. "Se ela representa o pico mais
alto do capitalismo, precisamos nos preocupar."
Histórias semelhantes poderiam ser contadas sobre outras companhias nos
Estados Unidos, Europa e outras regiões. A terceirização tornou-se comum
em centenas de setores, incluindo a contabilidade, os serviços
jurídicos, o setor dos bancos, têxteis e farmacêuticos. Mas, embora a
Apple esteja longe de estar isolada nesta tendência, ela oferece uma
visão da razão pela qual o sucesso de algumas grandes empresas não vem
se traduzindo em número expressivo de empregos no país de origem dessas
companhias.
"Antigamente as empresas sentiam a obrigação moral de apoiar os
trabalhadores americanos, mesmo quando isso não era a opção financeira
mais acertada", comentou Betsey Stevenson, que até setembro passado foi
economista do Departamento do Trabalho dos EUA. "Isso deixou de existir.
Os lucros e a eficiência falam mais alto que a generosidade."
Executivos da Apple dizem que o sucesso da empresa beneficiou a economia
americana, por empoderar empreendedores e gerar empregos. "Não temos a
obrigação de resolver os problemas dos EUA", disse um executivo da
Apple. "Nossa única obrigação é criar o melhor produto possível."
Conseguindo os empregos
Alguns anos depois de a Apple ter começado a produzir o Macintosh, em
1983, Steve Jobs afirmou que este era "uma máquina fabricada na
América". Mas, em 2004, quase todas as operações da Apple eram feitas
fora do país.
A Ásia era atraente porque sua mão de obra semiqualificada era barata. Mas não foi isso que levou a Apple a apostar na Ásia.
O foco sobre a Ásia "deveu-se a duas coisas", disse um ex-executivo da
Apple. As fábricas na Ásia "conseguem aumentar ou diminuir a escala de
produção em menos tempo" e "as cadeias de fornecimento asiáticas já
superaram o que existe nos Estados Unidos".
Essas vantagens ficaram evidentes em 2007, assim que Jobs, insatisfeito
com o fato de as telas de plástico do iPhone ficarem riscadas, exigiu
telas de vidro.
Os fabricantes de celulares vinham evitando usar vidro, havia anos,
porque o vidro requer grande precisão no corte e moagem, algo
extremamente difícil de conseguir. A Apple já tinha escolhido uma
companhia americana, a Corning Inc., para manufaturar vidro reforçado.
Mas para descobrir uma maneira de recortar as chapas de vidro em milhões
de telas de iPhones seria preciso encontrar uma planta de corte de
vidro desocupada, centenas de chapas de vidro para usar em experimentos e
um Exército de engenheiros de nível médio.
Então uma fábrica chinesa se candidatou a fazer o trabalho.
Quando uma equipe da Apple visitou a fábrica chinesa, seus proprietários
já estavam construindo uma nova ala, "caso vocês nos dêem o contrato",
disse o gerente. O governo chinês tinha concordado em subsidiar custos
de muitas indústrias, incluindo os dessa fábrica de corte de vidro. Ela
tinha um galpão cheio de amostras de vidro disponíveis gratuitamente
para a Apple. Os donos disponibilizaram engenheiros a custo quase zero.
Eles já tinham construído até dormitórios no local.
A fábrica chinesa ficou com o contrato.
Vantagens chinesas
A oito horas de carro da fábrica de vidro fica um complexo, conhecido
como Foxconn City, onde o iPhone é montado. O lugar tem 230 mil
empregados, muitos dos quais trabalham seis dias por semana, 12 horas
por dia. Mais de um quarto da força de trabalho da Foxconn vive em
alojamentos coletivos da empresa, e muitos operários recebem menos de
US$ 17 por dia.
Em meados de 2007, segundo o ex-executivo da Apple, depois de os
engenheiros da Apple terem aperfeiçoado um método de corte de vidro
reforçado para que ele pudesse ser usado na tela do iPhone, os primeiros
caminhões carregados com o vidro chegaram à Foxconn City no meio da
noite. Foi quando os gerentes acordaram milhares de operários para que
montassem os celulares.
Em comunicado à imprensa, a Foxconn Technology contestou o relato do
ex-executivo e escreveu que um turno que começasse à meia-noite seria
impossível, "porque temos regulamentos rígidos relativos aos horários de
trabalho de nossos funcionários". A Foxconn disse que os turnos começam
ou às 7h ou às 19h e que os empregados são avisados com pelo menos 12
horas de antecedência sobre quaisquer mudanças na programação.
Empregados da Foxconn contestaram essa declaração.
A Foxconn possui dezenas de fábrica na Ásia, no leste da Europa, no
México e no Brasil. Ela monta estimados 40% dos eletrônicos para
consumidores de todo o mundo, e tem clientes como as gigantes Amazon,
Dell, Hewlett-Packard, Motorola, Nintendo, Nokia, Samsung e Sony.
Os executivos da Apple tinham estimado que precisariam de cerca de 8.700
engenheiros industriais para o projeto do iPhone. Os analistas da
empresa tinham previsto levar até nove meses para encontrar tantos
engenheiros nos EUA. Na China, levou 15 dias.
Vários analistas estimam que, se fossem pagos salários americanos, o
custo de cada iPhone aumentaria em US$ 65. Mas fabricar o iPhone no país
exigiria muito mais que apenas a contratação de americanos: exigiria
transformar as economias nacional e global. Os executivos da Apple
acreditam que os EUA não possuem as fábricas e os operários que seriam
necessários.
Empregos para a classe média minguam
Eric Saragoza entrou na unidade manufatureira da Apple em Elk Grove,
Califórnia, pela primeira vez em 1995, e a fábrica perto de Sacramento
empregava mais de 1.500 trabalhadores. Saragoza, que é engenheiro,
integrou uma equipe de elite de diagnóstico. Seu salário subiu para US$
50 mil ao ano.
Alguns anos depois de Saragoza começar no emprego, seus patrões
explicaram que o custo de fabricação de um computador de US$ 1.500 em
Elk Grove era de US$ 22 por aparelho. Em Cingapura, era de US$ 6. Em
Taiwan, US$ 4,85.
Algumas das tarefas realizadas em Elk Grove foram transferidas para o
exterior. Depois disso, foi a vez de Saragoza. Um dia em 2002, depois de
concluir seu turno, ele foi convocado para uma salinha, demitido e
escoltado para fora do prédio da empresa.
Depois de alguns meses, procurando trabalho para sustentar sua família
de sete pessoas, Saragoza começou a se desesperar. Então aceitou um
emprego para verificar iPhones e iPads devolvidos. Por US$ 10 a hora,
sem benefícios, esfregava milhares de telas de vidro. Depois de dois
meses ele se demitiu. O salário era tão baixo que valia mais procurar
outros empregos.
Uma noite, enquanto Saragoza enviava currículos on-line, do outro lado
do mundo uma mulher chegava ao escritório. A funcionária, Lina Lin, é
gerente de projeto em Shenzhen, China, da PCH International, que tem
contratos com a Apple para produzir acessórios, como os estojos que
protegem as telas de vidro do iPad.
Lin ganha um pouco menos do que a Apple pagava a Saragoza. Todos os
meses ela e seu marido colocam um quarto de seus salários no banco.
"Empregos não faltam em Shenzhen", disse Lin.
Segundo economistas, uma economia em dificuldade pode ser transformada
por fatos inesperados. Por exemplo, a última vez em que analistas
arrancaram seus cabelos por causa do desemprego nos EUA foi nos anos
1980 e a internet mal existia. O que ainda não se sabe é se os EUA serão
capazes de aproveitar as inovações do futuro para gerar milhões de
empregos.