quarta-feira, 11 de abril de 2012

José Arapiraca: uma resenha (excelente) de seu livro fundamental, sobre o nome dos oligarcas impostos às escolas públicas.

Fisiologismo Político e Qualidade da
Educação: desafiando o tempo
  
À Guisa de Resenha

Menandro Ramos (*)
É curioso como algumas obras resistem à ação do tempo e insistem em manter-se atualizadas, com pouca ou quase nenhuma marca de obsolescência, salvo por dasatualizações numéricas, o que é óbvio, ou pelo quadro de atores políticos de cada época, inevitavelmente ampliado e renovado. O pequeno livro denominado “Fisiologismo Político e Qualidade da Educação” de 129 páginas, escrito em 1988, por José Oliveira Arapiraca, sem dúvida é uma dessas obras. Mais do que nunca, merece ser lido não só por estudantes e educadores, mas por aqueles que almejam uma sociedade melhor e mais digna para todos. O zelo com que defende a coisa pública o transforma em um livro de cabeceira para os tempos atuais, principalmente numa época em que a denúncia de pagamento de propina mensal a parlamentares, o já notório “mensalão”, estarrece o País, ameaça a credibilidade de políticos até então vistos como sérios e atenta contra o projeto de democratização do País, tão tenazmente tecido e remendado.

Reunindo alguns dos seus artigos publicados na imprensa local, Arapiraca organiza o livro em duas partes. Na primeira, tece considerações a partir de construções/desconstruções do cenário educacional/político baiano e na segunda parte apresenta uma pesquisa realizada no “Catálogo das Escolas da Rede Estadual – Estado da Bahia – 1986” e nos “Cadastro de Estabelecimentos de Ensino Regular – 1986”, ambas as matrizes de responsabilidade da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, em que mostra “o quanto o sentido patrimonialista do exercício do poder interfere no processo de formação da cidadania”, segundo ele próprio adverte.

Nesse livro, tendo a pretensão de fazer nos seus escritos um exercício político, e ele o faz de maneira magistral, Arapiraca critica, dentre outras coisas, o imediatismo, a alienação nas suas mais diversas modalidades – a começar pela alienação política – a imposição da forma sobre o conteúdo, o mito do vitorioso, a veneração do “sabido” em detrimento da sabedoria e da probidade.

Não escapam do espírito aguçado de Arapiraca as tentativas de controle do comportamento humano através de expedientes e técnicas pedagógicas, ou da pedagogia da ordem, com objetivos de produzir indivíduos predeterminados, planejados e “educados”.

Antenado com a necessidade da Educação dos Educadores, ele ressalta, de maneira lúcida, que a aprendizagem humana não se dá de forma linear ou “numa relação linear funcionalista e sistêmica de causa e efeito; tampouco se dá ou se realiza numa engenharia da ‘ordem’; ela se dá por conflito do educando consigo mesmo e com o contexto”. Com desenvoltura, Arapiraca aborda temas relacionados ao poder público e às práticas da educação democrática que vão desde o combate às nomeações fraudulentas de apadrinhados e aparentados políticos às formas cidadãs de escolhas de dirigentes dos estabelecimentos públicos de ensino.

 Ao todo são treze textos, assim denominados:


1. A pedagogia da ordem
2. A pedagogia por objetivos
3. A educação dos educadores
4. Educar ou reeducar: uma questão de prioridade social
5. O sentido da “confiança nos diretores da escola”
6. ICEIA: reduto da escola pública
7. A criação da universidade multicampi
8. UNEB: “o errado que vai dar certo”
9. O rebanho de “dona Carmem”
10. “Avenida Otávio Santos Magalhães Carneiro”
11. Nome de escola é nome de herói
12. Respeitem a educação, senhores políticos!
13. O exercício patrimonialista do poder e seus efeitos na construção da cidadania

Nesse último texto, Arapiraca aprofunda-se na análise do exercício patrimonialista e dos seus efeitos perversos. Com argúcia, atenta para os números gritantes do misto de bajulação e marketing político. Por exemplo, o jovem (e quase desconhecido na época) deputado Luiz Eduardo Magalhães dá nome a 16 escolas, disputando em pé de igualdade com educadores consagrados qual Anísio Teixeira e Carneiro Ribeiro, chegando a superar outros nomes bastante conhecidos da educação baiana, a exemplo de Isaías Alves e Luís Rogério. Nessa mesma pesquisa desvela um grande número de políticos vivos – vivíssimos! -, além de secretários de Educação, parentes e aderentes, igualmente emprestando seus nomes a estabelecimentos públicos de ensino, a despeito da proibição legal: “É proibido, em todo o território nacional, atribuir nome de pessoa viva a bem público, de qualquer natureza, pertencentes à União ou às pessoas jurídicas da Administração Indireta”. (Art. 1º, lei federal nº. 6.454 de 24/10/1977).

O nome do atual senador Antônio Carlos Magalhães é o grande campeão, denominando 163 escolas (os números são de 1988) e botando no chinelo um sem-número de vultos históricos, educadores, escritores e heróis de fato. Considerando denominar-se herói um ato de violência contra os instrumentos de delegação de poder, Arapiraca assim se manifesta no texto Nome de escola é nome de herói: “Será que muitos desses senhores que buscam perpetuarem-se atribuindo seus nomes a próprios públicos de existência permanente não se apercebem do escárnio que a história lhes espreita? Se disso não se apercebem, por certo estão confundindo gerações pelas deformações que causarão a estas crianças e adolescentes quando se descobrirem órfãos dos seus merecidos e esperados heróis”.
Arapiraca desnuda o artifício que libera o político vivaldino do investimento em publicidade paga com os próprios recursos. Através do expediente de denominar (ou aceitar o gesto bajulatório) com seu próprio nome praças, ruas, avenidas, escolas, hospitais, logradouros públicos – por conta própria acrescento aeroportos – o beneficiário tem, gratuitamente, seu nome imortalizado para a eternidade, com as vantagens decorrentes disso, que se estendem, inclusive, a seus familiares e descendentes.

Não é à-toa que pais, filhos e netos de uma mesma estirpe ocupam, com freqüência, o cenário político por décadas, beneficiando-se das benesses do poder e constituindo autênticos exemplares atualizados das grandes dinastias que a história registra.

Em tempo de ataques às instituições democráticas, através de práticas inescrupulosas por parte ou conivência daqueles que deveriam ser esteios morais; em tempo de CPIs que radiografam o caráter daqueles que foram investidos pelo voto para representarem os interesses públicos e do bem comum, mas que não representam senão seus próprios interesses e das gangs a que estão ligados; em tempo de total desconhecimento das fronteiras entre o público e o privado por parte daqueles que proclamavam as virtudes da República, para locupletar-se de vantagens pessoais em detrimento da qualidade da educação, da saúde, dos investimentos sociais e da melhor condição de vida do País; em tempo de contra-reformas do Estado Brasileiro, com propósitos de solapar direitos dos trabalhadores arduamente conquistados e em tempo de tantos escândalos que povoam os noticiários, envolvendo homens públicos, a leitura desse grande legado intelectual de Arapiraca, consignado em pouco mais de uma centena de páginas, torna-se indispensável como forma de instrumentalização para a cidadania ameaçada.
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(*) Menandro Ramos
Professor da Faculdade de Educação da UFBA

Revista da Faced, nº 08, 2004 (leia o ORIGINAL em PDF)

2 Respostas para “380 – A Rodovia Jaques Wagner: BA-084”

  1. Mary Arapiraca Disse:
    Menandro,
    Outro dia, por curiosidade, coloquei o nome José Arapiraca no Google, e para minha surpresa, não encontrei lá quase nada sobre os escritos desse professor. Que tal desencadearmos um processo de divulgação de suas ideias? Este seu texto é um bom começo. Continuar, é preciso!
  2. Menandro Ramos Disse:
    Pois é, Mary.
    A Faculdade de Educação e a Universidade Federal da Bahia têm por obrigação preservar e divulgar o seu legado.
    No movimento do real – “que é contraditório paca”, segundo o dialético Saci -, há proposições de políticos em nomear escolas e logradouros públicos com o nome daqueles que, em vida, contribuíram de alguma forma para melhorar a sociedade, a exemplo de Anísio Teixeira, Milton Santos e de José Arapiraca. Só para citar três baianos que se envolveram com o universo da educação. Em alguns casos, a indicação decorre de um sincero reconhecimento do valor do agraciado não mais presente em corpo. Em outros, há um investimento por parte do propositor na grande bolsa do sufrágio político e nos seus “gordos debêntures”, o conhecido palanque eleitoral
    Não podemos esperar o gesto largo de muitos dos nossos políticos em relação à preservação da memória e dos ensinamentos de “Arapira”, uma vez que ele coloca o dedo na ferida de muitos desses quadros de pura bajulação, manifestados em “sinceras” homenagens a homens públicos vivos, aliás vivíssimos, que ao fim e ao cabo, pode até haver a sutil sugestão da parte do agraciado, uma vez que o marketing político está permanentemente na agenda de muitos dos que estão no poder e querem a ferro e a fogo preservar seu status.
    Destarte, não é prudente que esperemos pelos políticos. Que tal apelarmos para os dirigentes da Faculdade de Educação ou da Universidade Federal da Bahia, no sentido de transformar as dezenas de livros publicados pelo PPG – FACED/UFBA, durante o período em que Arapiraca exerceu a coordenação do mesmo, em livros digitais, disponibilizados on-line?
    Desde já, ofereço-me para mediar a “operação” de conversão de mídia.
    Com a palavra, a Sra. diretora da FACED, Profa. Celi Taffarel e a Magnífica reitora da UFBA, a Profa. Dora Leal Rosa.