segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Revista Fundos de Pensão, janeiro/fevereiro 2012

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Revista FUNDOS DE PENSÃO - JANEIRO/FEVEREIRO 2012
Entrevista

Roberto Romano


O código de ética deve.considerar todos os elementos do processo de trabalho . Um código de ética bem elaborado tem que ser uma espécie de contrato social que utilize todos os recursos disponíveis

Magali Cabral de Almeida


Professor titular de Ética e Filosofia Política da Universidade de Campinas (Unicamp), Roberto Romano fala nesta entrevista à revista Fundos de Pensão dos conceitos que devem nortear a construção de um código de ética. Segundo ele, harmonizar os conflitos que decorrem de atividades humanas, sejam religiosas, futebolísticas ou corporativas, é a razão de ser maior de um código de ética. “Não existe microgrupo humano isento de vaidades, desejos e interesses; isso traz um choque permanente”, diz ele. “O filósofo Schopenhauer dizia que a sociabilidade humana é muito difícil porque somos como porcos-espinho: se ficamos muito longe uns dos outros, morremos de frio; mas se nos aproximamos nos picamos.”

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 FUNDOS DE PENSÃO - JANEIRO/FEVEREIRO 2012
ENTREVISTA | Rober o Romano


Romano é graduado pela Universidade de São Paulo, doutorado em Filosofia pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, na França. Seus livros mais recentes são “Moral e Ciência, a monstruosidade no século 18” (Ed. Senac) e “O desafio do Islã e outros desafios” (Ed. Perspectiva). Sobre si mesmo conta que a experiência na Unicamp, principalmente na coordenação de avaliações universitárias, o ensinou a perceber as dificuldades no trato do relacionamento humano e, modesto, afirma: “minhas ideias podem não ser as melhores, mas pelo menos não me deixarão num papel de omisso”.

Qual a importância de um código de ética e, para concebê-lo, o que é preciso considerar?

Roberto Romano - Sendo a ética um conjunto extremamente complexo de situações humanas, muitas vezes desafiadoras, torna-se necessário ter uma espécie de mapa. Nem todas as situações no relacionamento humano comercial, político ou religioso são previsíveis, mas é possível traçar uma linha geral que permite identificar as situações mais complicadas. Na elaboração de um código de ética é preciso levar em conta os costumes da sociedade e do setor que está sendo normatizado, as normas jurídicas que norteiam a vida da sociedade e da ordem política e, efetivamente, aquilo que é legitimo e aquilo que é desaconselhável. Como todas as leis, não é propositivo; é tão somente uma descrição de situações que devem ser evitadas ou incentivadas. De certo modo, o código de ética resume aquilo que o grande jurista Norberto Bobbio [filósofo e senador italiano, morto em 2004] designa como as sanções negativas e as sanções positivas a serem aplicadas aos indivíduos e grupos. As positivas, quando se reconhece um comportamento correto e incentiva-o com prêmios, menções etc. As negativas, quando se reconhece um comportamento errôneo e o pune.

O código de ética exige uma metodologia própria conforme a especialidade do grupo ou pode ter um trato mais generalista?

Roberto Romano - A ética em sentido amplíssimo não existe. Ela se encarna justamente aos setores sociais de classe, econômicos, científicos, futebolísticos etc. Cada grupo tem uma dominante na sua atividade, aquilo que é característico dela. Ou seja, não se pode pensar num código de ética para físicos experimentais aplicados aos médicos. Embora existam muitos pontos de convergência entre a pesquisa na física e a atividade médica, sobretudo depois da hipermecanização da medicina, os médicos têm uma linguagem própria, gestos próprios, erros próprios.


A redação do código deve começar a partir de uma página em branco ou seria interessante, no caso dos fundos de pensão, inspirar-se no código de um setor com algumas semelhanças?

Roberto Romano - Seria mais interessante começar por um estudo acurado do setor previdenciário,
identificando seus principais problemas e desafios, além das normas jurídicas existentes que sancionam positiva ou negativamente o comportamento no setor. A partir daí, sim, seria possível fazer um trabalho comparativo, mas, evidentemente, sempre com foco no setor previdenciário. Caso contrário, há o risco de definir comportamentos como sendo supostamente negativos quando necessariamente  não são, por exemplo, em relação aos padrões politicamente corretos referentes ao uso da linguagem. Certa vez espantei-me ao ouvir uma conversa em que duas pessoas do setor previdenciário falavam sobre a ocorrência de sinistros de Aids. Na linguagem corrente, a palavra sinistro tem um sentido extremamente mais dramático do que naquela realidade específica. É um trabalho muito difícil encontrar normas específicas, de modo que há uma tendência a se reproduzir regras gerais que não funcionam. As leis surgem de regras gerais. Por exemplo, não matarás. A partir daí elas precisam chegar à tipificação do ato. Produzir um código de ética apenas com determinações gerais servirá simplesmente para enfeitar a estante e não para aprimorar o relacionamento humano e a produção no setor.

Ou seja, a equipe ideal para redigir um código de ética deve ser composta por pessoas com o conhecimento das

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Entrevista

regras gerais da sociedade e por técnicos conhecedores das particularidades de um fundo de pensão?

Roberto Romano - Sim, é preciso haver competência nos dois campos. Conhecer muito bem o setor, as regras mais amplas do funcionamento da sociedade e do Estado, bem como a lógica da interação dos entes humanos. Até 15 anos atrás, no campo das pessoas que se preocupam com o fato ético, eu pensaria imediatamente no apoio de sociólogos, antropólogos ou psicólogos sociais. Porém, hoje notamos que os trabalhos da neurociência apresentam resultados fantásticos sobre o relacionamento humano. Existe nesse campo uma grande oportunidade de se fazer códigos de ética mais adequados aos dados da ciência. De outro lado, os profissionais do setor também precisam participar ativamente dessa produção, pois efetivamente conhecem as relações mais conflituosas daquele grupo. Como a visão unidimensional não é recomendável, durante o processo surge o famoso conflito de interesses, pois aquilo que, por exemplo, o funcionário do fundo de pensão acha ser o mais interessante pode não ter o mesmo peso na visão do participante ou do patrocinador.

A harmonização é a chave de um bom código de ética?

Roberto Romano - Sim, a harmonização de todos esses elementos é fundamental para que o código de ética não seja inócuo, não seja apenas uma fachada muito bonita para encobrir uma atividade empírica sem controle. Mas não é nada fácil tentar harmonizar minimamente os interesses dos indivíduos e dos grupos. O filósofo Schopenhauer dizia que a sociabilidade humana é muito difícil porque somos como porcos-espinho: se ficamos muito longe uns dos outros, morremos de frio; mas se nos aproximamos nos picamos. Não é incomum encontrar códigos de ética que não exprimam a relação conflituosa completa, mas apenas os desejos e os interesses do grupo que está dominando o setor naquele momento. Os que estão em minoria têm de aguentar regras que não são propriamente de convívio, mas, sim, de dominação e de controle. Ocorre que, como em toda a situação dinâmica um grupo que hoje é dominado, amanhã pode ser maior. Portanto, é preciso que o código de ética reflita o conjunto maior e não os interesses de grupo hegemônico daquele momento.

O senhor poderia explicar um pouco mais esse vínculo entre a neurociência e a ética?

Roberto Romano - Existem hoje trabalhos interdisciplinares que tentam ampliar o conhecimento e a atuação dos homens sobre seus corpos e mentes. Cito, entre vários, um pequeno livro denominado justamente ‘Enhancement’, éthique et philosophie de la médecine d’amélioration, reunindo escritos de especialistas nos vários setores. Antonio Damasio, com Self comes to brain, Jonathan Moreno, com Minds wars: brain research and national security e outros autores apresentam os desafios da tecnologia que pretende “melhorar” o ente humano. Se é verdade, como quer o grande etnólogo André Leroi-Gourhan, que somos demiurgos do nosso próprio corpo, vivemos desde o início da aventura planetária em tecnosfera, hoje os limites entre o biológico, o psicológico, o intelectual e o mecânico se tornam a cada minuto mais tênues. Tal situação limite pode decidir se nosso futuro será mais próximo das máquinas ou do corpo biológico como o vivemos agora. O pensador Jonathan Moreno mostra a ambivalência das novas técnicas médicas e de engenharia corporal, quando analisa com detalhes, no livro que citei, o uso bélico dos EUA da engenharia médica, que está transformando soldados em robôs, como nos velhos sonhos, ou delírios, de ficção científica. Em termos éticos, estamos no umbral de uma era em que a responsabilidade e a liberdade serão um fato, ou desaparecerão de vez do horizonte humano. As consequências no plano da previsão da vida e de sua duração, para o campo das aposentadorias e dos tratos médicos, são evidentes.

O código de ética e o código de conduta são complementares?

Roberto Romano - O código de conduta é uma corporificação mais material do conteúdo que está no código de ética. O código de ética identifica as situações conflituosas, os conflitos de interesse e os necessários ajustes de comportamento. O código de conduta diz como devemos agir em determinadas situações. Eu diria que o código de conduta tem um lado mais prático e é mais maleável.

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Roberto Romano

 Um bom código de ética é como um mapa, um guia. O código de conduta é a adequação à situação real. É importante tê-lo. Um grupo profissional é composto de integrantes mais antigos, que conhecem melhor toda a engrenagem, e tem os jovens profissionais que, muitas vezes, por falta de experiência, pedem conselhos aos mais velhos. Os mais jovens passam a correr o risco de se tornarem satélites dos mais experientes. Quando há o código de conduta esse risco diminui. Os mais jovens podem encontrar muitas respostas ali e, com isso, fugir de certas armadilhas comuns em todo o grupo social.

O senhor por dar um exemplo dessas armadilhas?

 Roberto Romano - Um jovem doutor de 30 anos que chega para dar aula em uma universidade onde não conhece ninguém vai naturalmente procurar os professores mais experientes. Nesse momento, é muito fácil repassar ao jovem as suas simpatias e antipatias, as suas avaliações sobre situações que eventualmente nem correspondem mais à realidade do grupo. Por outro lado, o código de conduta não pode ser tão detalhista e rígido a ponto de engessar a alma do recém-ingressado.

Como o código de ética deve ser difundido numa empresa? O funcionário deve subscrevêlo ao ingressar na empresa?

Roberto Romano - Vou dar um exemplo que pode parecer longínquo do tema, mas não é. Certa vez, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais decidiu realizar um código de águas para o Estado. Para fazer isso, reuniu técnicos das universidades, se deslocou pelas cidades de Minas e ouviu a população. Num primeiro momento, recolheu todos os dados científicos e também o que a população tinha a dizer. De posse desse material, a Assembleia redigiu o trabalho e novamente o submeteu aos mesmos atores. Só então fechou o texto final. O trabalho foi reconhecido pela ONU como um dos melhores códigos de águas do mundo.

Quer dizer, todos os quadros de uma organização, da base ao topo, devem participar da elaboração do código de ética?

Roberto Romano - Como os funcionários não são especialistas em antropologia, em psicologia, ou em neurociência, evidentemente eles precisam receber um material competente para pensar sobre o tema. É uma oportunidade de enriquecimento, pois eles recebem esses dados, pensam sobre a sua vida, sobre a sua carreira, sobre o mundo em que aquela atividade está inserida. No campo previdenciário, por exemplo, o código de ética está inserido dentro de uma situação altamente perigosa e conflituosa que mexe com a vida, com a morte, com a sobrevivência das pessoas. Mexe ainda com a confiança e com a esperança das pessoas. São os elementos mais dramáticos da existência humana. Nada pior do que uma esperança desautorizada. Se uma pessoa confia num fundo de pensão e, de repente, recebe um zero, como aconteceu nos Estados Unidos, ocorre um abalo na estrutura anímica da sociedade dificilmente recuperável. Eu diria, portanto, que um código de ética para ser bem elaborado tem que ser uma espécie de contrato social que utilize todos os recursos disponíveis.

Os códigos também precisam ser renovados de tempos em tempos. Deve-se estabelecer um prazo de revisitação aos códigos?

Roberto Romano - Sim, um prazo de revisitação e de debate. Aliás, se o código de ética de fato entra no cotidiano ele estará naturalmente sempre sendo discutido e atualizado. Qual é a eficácia da lei? A eficácia se dá quando a lei não é estranha à vontade do governado. O símile mais próximo é o que diz Platão sobre a lei: tem que ter cuidado porque a lei pode se tornar uma roupa muito justa para um corpo que cresceu. Por exemplo, a empresa faz um código de ética para mil funcionários. Dez anos depois, já são dez mil. Os conflitos aumentaram, as situações que eram difíceis ficaram ainda mais difíceis. Assim como a lei, o código de ética não pode ser imutável, como o cânon.


Uma vez implementado, deve existir um método para

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Entrevista

mensurar as condutas?

Roberto Romano - Tanto na antropologia, na sociologia e na psicologia existem métodos eficientes de mensurar. O problema é mensurar mais do que o necessário. O método deve ser visto apenas como um auxiliar. Se alguém começa a transformar o cotidiano de uma empresa numa mensuração de comportamento, tira toda a espontaneidade das pessoas. Na sociologia se leva anos aprendendo esse tipo de abordagem, mas eu recomendo um pouco de cuidado com o fetiche da metodologia.

O excesso de método leva a perseguições ou a julgamentos morais?

Roberto Romano - Exatamente. Muitas vezes o método de avaliação ou mensuração pode se transformar num instrumento poderoso de perseguição da chefia em relação ao grupo dirigido e vice-versa. Uma chefia que imagina que, por estar numa escala superior, vai poder utilizar um método
de avaliação para afastar os que não lhe são dóceis, se esquece de um pequeno fator: quando há abuso do poder, há uma reação contrária do grupo. Em vez da esperada colaboração, inicia-se uma guerra surda. Isso pode infernizar a vida do dirigente e a organização no seu todo. A função do código de ética é justamente o contrário, é procurar a maior harmonia possível num campo desarmônico
por excelência que é o campo humano.

A área de investimentos nos fundos de pensão é muito regulada e a legislação pune com severidade condutas inadequadas dos responsáveis pelos investimentos. O código de ética não seria redundante?

Roberto Romano - Os maiores filósofos éticos da história foram os Cínicos. E Diógenes, o Cínico, veicula uma doutrina sobre o que é a lei. A lei, diz ele, é uma grande teia de aranha que prende os insetos pequenos e deixa os grandes passarem. A lei existe para tentar atenuar as relações conflituosas da sociedade, mas como está muito próxima do poder político, do poder econômico, do poder militar, etc., pode ser quebrada a qualquer momento, por mais perfeita que seja. O que nós entendemos por corrupção nada mais é do que uma quebra da lei feita por gente que tem poder para isso. Por definição, não existe sociedade santa. Desde o instante em que Deus nos expulsou do Paraíso nós vivemos em situação de violência e a lei é uma tentativa de atenuar esses males, assim como um código de ética. Em qualquer setor humano, mesmo os religiosos, a quebra da lei é perfeitamente possível. Por isso é preciso aproximar a lei o máximo possível das situações concretas específicas. É isso que faz o código de ética.

Como um código de ética deve tratar, por exemplo, um investimento feito com imprudência que tenha prejudicado o grupo?

Roberto Romano - Num caso grave como este, em que muitos são prejudicados, é fundamental haver uma investigação de todo o grupo de dirigentes e não apenas do gestor que assinou a responsabilidade pelo investimento. Os códigos de conduta e de ética são muito úteis porque permitem que se tenha um instrumento de avaliação constante dos indivíduos e dos grupos. Se um gestor chegou ao ponto de fazer um investimento desastroso sem que os colegas soubessem, alguma coisa está errada no modelo de administração. Se ele fez as aplicações sozinho, existe um erro primeiro do grupo, o risco tem que ser assumido por todos. É absolutamente intolerável que apenas uma pessoa pague pelo erro. Afinal, uma decisão desastrosa não se constrói em dois dias. O grupo não pode ser solidário nos lucros e se abster nos casos de fracasso. Existe uma tendência, muito comum no campo político, de isolar um
bode expiatório e puni-lo.

E como o código de ética trata a questão do erro em si, lembrando que, em muitos casos, o erro pode
ser um passo importante num processo de criação, de inovação?

Roberto Romano - Nas sanções positivas e negativas existem gradações, como no direito. Existem erros que evidentemente são devidos às inexperiências, às idiossincrasias pessoais etc. Tudo isso tem que receber uma sanção adequada e a reincidência tem que estar prevista. Mas, de

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Rober to Romano

fato, existe o erro entendido como uma desobediência à norma correta e o erro como parte de um
processo criativo. Este último deve receber uma sanção positiva.

O código de ética deve contemplar a relação com os terceirizados ou isso já é atribuição da governança corporativa?

Roberto Romano - Acho que o código de ética deve ser exaustivo a ponto de levar em conta todos os elementos que entram no processo de trabalho. De nada adianta ter-se uma atitude eticamente positiva com aqueles que são considerados mais estáveis e ter uma relação absolutamente irresponsável com os terceirizados. Muitas vezes vemos isso. Esse é um problema sério, pois a terceirização pode ser um elemento de agilização e de maior competência, mas também pode ser de pura incompetência.

E quanto aos temas ligados à diversidade de raça, de sexo, de aparência etc.?

Roberto Romano - Tudo isso deve entrar em linha de conta sem que sejam tipificados de maneira exaustiva. São situações muitas vezes imprevistas, mas os princípios básicos do direito público devem ser assumidos. Se já existem leis que impedem a discriminação da mulher, do homossexual, do negro, não é possível aceitar que alguém diga que preferiu determinada pessoa por causa da aparência. Mas o código não pode silenciar. O princípio da competência no trabalho é fundamental, mas numa sociedade machista como a brasileira nem sempre é praticado.

Dentre os vários relatórios de sustentabilidade, ou responsabilidade social, muitos já informam o número de homens e mulheres registrados e seus respectivos salários médios, bem como o cumprimento das cotas para pessoas com deficiências.

Roberto Romano - Isso faz parte do que eu chamo de metodologia. Não se deve usar esses dados como um instrumento de luta, mas é preciso fazer isso para estabelecer a harmonia dos quadros e a justiça. Nessa questão, a justiça e a competência vêm em favor de todos. Do mesmo modo como não se deve afastar uma mulher competente para dar o cargo a um homem menos competente, não se deve contratar mulheres sem competência apenas para alcançar o equilíbrio de gênero. Privilegia-se sempre a competência, lembrando que há a competência técnica e a competência no trato humano. Não adianta colocar no cargo um excelente economista que não saiba respeitar os seus iguais. Esse não é competente, pois não possui o conjunto das várias competências exigidas no cargo, como capacidade de diálogo, de liderança real etc. Conhecemos muitos cientistas eminentes na universidade que não servem para ser professor, pois em sala de aula insultam os alunos. É preciso usar a prudência, a arte de pesar. Aliás, não é à toa que a palavra pensamento vem de pesar.

Quais seriam as práticas coercitivas à corrupção e à propina. O código deve privilegiar a vigilância ou a prevenção?

Roberto Romano - O código privilegia a tentativa de harmonizar o conflito de interesses das individualidades e dos grupos. Tudo aquilo que ultrapasse o limite dessa harmonia básica tem que ser previsto em termos de punição ou em termos de prevenção. Não cabe privilegiar a punição ou a prevenção. Porque no ato de prevenir você já deve estar pensando na punição. Existem situações que podem ser atenuadas dado que não prejudicaram o conjunto tão fortemente. Mas existem situações em que o conjunto foi prejudicado. Para ser rigoroso com os indivíduos que prevaricaram, repito, é preciso investigar o grupo do qual eles são integrantes. Não existe nenhuma sociedade humana hoje que garanta o sigilo e o procedimento secreto das direções e dos governos. Numa sociedade democrática o segredo de Estado diminui e as garantias dos setores sociais aumentam. Num Estado onde reina a democracia existe o que a Revolução Inglesa do século 17 instaurou: o controle do povo sobre os que operam o Estado, o princípio, pouco entendido e menos ainda praticado entre nós, da accountability. Não existe accountability se o segredo dos que operam no Estado e na economia desrespeita os limites do controle público.