segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Com os problemas deste blog, não pude republicar todas as matérias saídas em blogues interessantes que sigo. Agora, posso. E aí vai.

Computação, Matemática e Filosofia

Um blog sobre computação, matemática e, quem sabe, um pouco de filosofia

Dois comentários

O blog do professor Roberto Romano voltou com tudo no ano novo. Duas coisas chamaram minha atenção de modo especial. A primeira é o livro Crítica à Razão Acadêmica. Já o coloquei na minha lista. Para registro público, gostaria de dizer que foi graças ao blog do professor que meus olhos foram abertos para os problemas da universidade, em particular através da leitura do ensaio A Ciência como Vocação, de Max Weber, lá recomendado. Graças ao blog posso dizer que, embora não tenha entrado na carreira acadêmica de olhos abertos, continuei nela mesmo sabendo dos pontos negativos (bem, bem negativos). Quando tiver alunos de doutorado ou mestrado, planejo recomendar-lhes o livro e o texto de Weber.

A segunda coisa a me chamar a atenção são as muito lúcidas palavras acerca da inflação das palavras. Lembrando do caso do tratamento dispensado pela Espanha aos “inferiores” turistas brasileiros (lembro-me do caso de um padre brasileiro que foi detido no aeroporto de Madri e também humilhado por um guarda, que lhe perguntou se sua túnica era uma fantasia de carnaval), observo o seguinte.

Não conheço um país cujo governo trate bem os imigrantes. Os trabalhadores dos serviços de imigração de qualquer país são algumas das piores pessoas disponíveis no serviço público (eu diria em todo o país). É ruim ir a um supermercado e ser mal-tratado pelo caixa, mas nessa situação há um equilíbrio de poder, ou até um desequilíbrio em favor do cliente, que pode reclamar e ver o funcionário punido. É pior ser mal-tratado por um oficial de polícia, pois o equilíbrio do poder é diferente. Muito, muito pior é ser um estrangeiro que é mal-tratado por um oficial de imigração. Diante de tal oficial, um estrangeiro sente-se entregue ao arbítrio, completamente sem poder. E por isso a forma como é tratado é tão importante. Oficiais de imigração deveriam tratar estrangeiros da melhor forma possível, dado que sabem que essas pessoas pouca influência têm sobre suas atitudes, mas sabemos que não é assim.

Isso me lembra de um trecho de Pascal, que mostra com clareza o tipo louco de justiça praticada pelos oficiais de imigração. Diz ele (cf. Pensées 293, tradução minha):
“Por que está me matando para o seu próprio benefício? Estou desarmado.” “Ora, você não vive do outro lado do rio? Meu amigo, se você vivesse deste lado, eu seria um assassino, mas como você vive do outro lado eu sou um homem corajoso e é correto o que faço.”
Ou ainda (cf. Pensées 294, tradução também minha, infelizmente):
(…) É um tipo estranho de justiça aquela que tem os limites marcados por um rio, verdadeira deste lado dos Pirineus, falsa do outro.
Os países europeus que tratam mal os turistas ou imigrantes pobres estrangeiros esquecem-se de que enviaram muitos, muitos de seus pobres a outros países, inclusive ao Brasil. Quantos de nós brasileiros não são descendentes de imigrantes europeus que fugiram da pobreza? Eles praticam a justiça que discrimina entre seus cidadãos e os outros, a justiça estranha da qual fala Pascal. Os espanhóis fizeram isso com os turistas brasileiros, inferiores em relação aos europeus. Agora que a festa acabou, são chamados de inferiores na Europa. Vejamos se vão aprender algo agora que estão por baixo.

Mas eu duvido. Sou muito pessimista em relação à humanidade, como Pascal. É uma posição muito cômoda, pois o ser humano nunca cessa de nos impressionar. Especialmente quando abre a boca para falar mal dos outros e bem de si mesmo.

Um livro sobre a filosofia de São Tomás de Aquino e a divisão entre ciência e fé

Há pouco tempo terminei de ler o livro Aquinas, de F.C. Copleston (Penguin Books, 1955). Comprei o livro pois me interesso pelas cinco provas que São Tomás de Aquino apresenta para a existência de Deus (as chamadas quinque viae), e Coplestone as comenta, assim como clarifica muitos de seus pontos.

Embora tenha sido esse o motivo original da compra, acabei ganhando muito mais com a leitura. Não é uma leitura fácil (especialmente para alguém sem grande conhecimento do assunto); o livro pode não ser muito grande mas é bem denso. Mas vale a pena. Aqui vai um dos pontos que achei mais interessante no livro.

Ele diz respeito à relação entre ciência e fé, um assunto muito debatido atualmente, mas nem sempre de maneira honesta. São Tomás é freqüêntemente citado em debates acerca da relação entre ciência e fé, geralmente pela idéia de que a verdade não pode contradizer a verdade. É fato que sua atitude em relação a Aristóteles deveria servir de exemplo para muitos de nós hoje em dia. Como lembra Coplestone, São Tomás acreditava que as afirmações de Aristóteles deveriam ser aceitas ou rejeitadas com base em sua veracidade, e não por terem sido enunciadas por um pagão, ou mesmo por aparentemente contradizerem dogmas da fé cristã.

Esse é um ponto importante, claro, mas no livro Coplestone vai além. Ele nos lembra de que é inútil esperar um tratamento completo ou profundo do problema da divisão entre ciência e fé nas obras de São Tomás de Aquino. Isso porque o problema em si pressupõe o desenvolvimento das ciências particulares (biologia, química, física, etc.), que só aconteceu a partir do Renascimento. Mesmo assim, Coplestone dá evidências de que São Tomás via de forma clara a divisão entre filosofia e teologia (e, na Idade Média, as ciências particulares ainda estavam atreladas à filosofia).

Na minha opinião, a evidência mais forte fornecida por Coplestone é a opinião de São Tomás a respeito do surgimento do universo. Como um teólogo cristão, São Tomás de Aquino acreditava que o universo não teria existido desde sempre, que a criação teria tido um começo bem definido. Ao mesmo tempo, ele mantinha que nenhum filósofo jamais tinha conseguido provar que esse era o caso, ou seja, sabemos que o universo teve um começo por revelação, mas não através da especulação filosófica.

Isso não quer dizer que ele não pensasse ser possível que uma prova fosse um dia encontrada (e, de fato, a teoria do Big Bang parece oferecer essa tal prova, mas para isso a Física teria de se desenvolver até o século XX), mas apenas que tal prova ainda não havia sido encontrada por nenhum filósofo. Coplestone usa essa opinião de São Tomás a respeito da criação do universo para evidenciar que ele entendia que filosofia e teologia eram diferentes, e tratavam questões de formas diferentes, e infere daí qual seria a posição de São Tomás acerca da relação entre ciência e fé.

Em discussões a respeito da relação entre ciência e fé, já ouvi cientistas religiosos dizendo mais ou menos o seguinte: “sou religioso, mas quando entro no meu laboratório sou cientista”. Fica subentendido que ciência e religião são incompatíveis, resta ao cientista religioso alternar entre o religioso e o cientista para poder trabalhar.

Acho essa visão um tanto esquizofrênica. Se sou religioso, sou religioso o tempo todo, mesmo quando estou tratando de assuntos científicos. Minha religião é parte da minha vida e da forma como vejo o mundo.

Mas então como separar as coisas? Ao contrário do que muitas pessoas pensam, o trabalho de um cientista envolve criatividade. O método científico não é uma maneira de obter resultados a partir do nada. As regras da lógica, quando aplicadas corretamente, conservam a verdade de uma proposição. Mas se as premissas não forem verdadeiras, então a conclusão não será necessariamente verdadeira.
Desenvolvimentos científicos necessitam de criatividade. Como um poeta ou artista, o cientista deve ser criativo na elaboração de hipóteses e teorias. E não há método para ser criativo. Se obtemos nossa inspiração de Deus ou de nossas convicções religiosas, isso não deve importar, conquanto possamos provar nossas afirmações utilizando os métodos da ciência em que atuamos. Esse é exatamente o caso de São Tomás: ele acreditava que o mundo teve um início, mas sabia que não tinha como fornecer uma prova filosófica do fato. Claro que qualquer cientista deve sempre manter sua mente aberta na busca da verdade, mas é inútil supor que possamos nos livrar totalmente de qualquer pressuposto nessa busca, pois nossa formação e convicções são exatamente aquilo que nos auxilia na busca pela verdade, sejam essas convicções quais forem.

Um outro exemplo interessante é o da própria teoria do Big Bang. Muitos pensam que a teoria sempre foi aceita facilmente, que nunca houve oposição. Muitas pessoas têm esse tipo de imagem estática da ciência: um conjunto de verdades imutáveis, nunca discutidas. Para piorar a situação, muitas teorias que caem em desuso ou são substituídas por outras mais completas passam a ser ridicularizadas, mesmo por alguns cientistas (a física de Aristóteles é um exemplo: hoje sabemos que não corresponde à realidade, mas isso não quer dizer que não tenha tido valor, ou que ainda tenha valor, como um passo na compreensão do universo pelo ser humano; lembro-me de meu professor de Física da escola ter ridicularizado as teorias de Aristóteles). Fica-se com a impressão de que todas as teorias exceto as aceitas no momento atual são pura crendice e de que seus proponentes eram loucos ou supersticiosos, quando o mais útil seria ver tais teorias como passos para uma melhor compreensão do universo.

Mas voltemos à teoria do Big Bang. Ela foi proposta pelo padre belga Georges Lemaître, professor de Física da Universidade Católica de Louvain. Lemaître acreditava que o universo tinha tido um começo, provavelmente por ser cristão, mas sua teoria fornecia uma prova com base nas teorias de Einstein. Muitos cientistas, inclusive Einstein, não aceitaram a teoria do Big Bang logo de início, e outros comentaram que ela tinha grande semelhança à história do Gênesis. Foi com custo que a teoria ganhou aceitação por causa da matemática sólida de Lemaître e só anos depois algumas previsões feitas pela teoria do Big Bang foram confirmadas. Eis um bom exemplo de uma teoria científica que, qualquer que tenha sido a inspiração de seu proponente, foi aceita com base em seus próprios méritos, como deve ser.
Resumindo, o livro de Coplestone vale a pena, especialmente nestes tempos menos do que honestos em que vivemos.

Volta das férias

Muito para contar, pouco tempo para escrever. Acabo de voltar das minhas férias no Brasil. Espero que sejam as últimas: meu plano é voltar em 2013 para ficar. Vamos entretanto a algumas observações sobre as férias.

Primeiro, fico impressionado com os preços. São Paulo é mais cara que Amsterdã, e umas duas vezes mais cara que Berlim. Sem exageros. Uma pizza custa 60 reais num restaurante razoável… Apartamentos estão girando em torno de um milhão. Será que isso é razoável? Até quando durará essa bolha? Meu chute é que não durará muito além da Copa do Mundo, ou dos Jogos Olímpicos. Esperemos.

Faço uma digressão. Meu pai é português. Lembro-me de que no final da década de 1980 alguns parentes portugueses nos visitavam, principalmente um tio de meu pai. Portugal não passava pelo melhor momento e as pessoas tinham vidas simples. Sem dúvida a família do meu pai estava mais próxima do Brasil do que do resto da Europa.

Veio a década de 1990 e uma mudança brutal. Do dia para a noite, todos os parentes portugueses viraram ricos europeus. Tudo no Brasil era barato, melhor ir para outros lugares mais civilizados na Europa para passar as férias. O Brasil era só mais um país atrasado, mais distante de Portugal do que o resto da Europa, certamente. (Já não sei quantas vezes ouvi que Portugal é um país ocidental, como o resto da Europa, ao contrário do Brasil. Acho sempre engraçado ver como as pessoas definem “ocidental”. Certamente não tem a ver com o meridiano de Greenwich…) Como conseguiram tanto dinheiro do dia para a noite? Certamente, não muito havia mudado em Portugal em tão pouco tempo. Onde estavam as indústrias, as universidades produzindo conhecimento de ponta para justificar tal melhora na qualidade de vida da população?

Hoje, abrimos o jornal e vemos que Portugal paga a conta da festa. Haviam passado do terceiro mundo da Europa, como muita gente dizia, ao primeiro mundo. Agora, muitos dos “europeus de primeira” (alemães, holandeses, etc.) não têm problemas em dizer que Portugal, Grécia, Espanha, sempre foram de fato o terceiro mundo da Europa. Santo continente este no qual vivo (por enquanto). E ainda tem muita gente aqui que acredita que uma outra guerra mundial seria impossível, não na nova Europa! Não aprendemos nada mesmo…

Voltando ao assunto, o Brasil passa pelo mesmo. As pessoas estão otimistas, há mais dinheiro, mais bem-estar. Mas onde estão as novas indústrias? Onde estão as melhorias na educação do povo, na infra-estrutura? Não as vejo. E por isso temo pelo futuro. Quando a esmola é grande, o santo desconfia. Algum dia teremos de pagar a conta, e imagino que será mais cedo do que muitos pensam.
Fora os preços, observo que a inflação anda meio preocupante. E faço essa observação não por causa de nenhum índice, mas de outra forma. Muitos produtos tiveram sua qualidade diminuída para que os preços pudessem continuar os mesmos de 6 anos atrás, ou para que pelo menos subissem pouco. Um exemplo: bolachas passatempo ou calipso. Hoje são menores e de menor qualidade. E assim acontece com muitos outros produtos e serviços. Um mau sinal.

De resto, as coisas continuam as mesmas. Ao viajar somos atacados pela incompetência generalizada, pela má vontade e pela falta de educação por todos os lados. Percebo que muitas pessoas que lidam com o público (as atendentes do aeroporto, por exemplo) têm dificuldade de ouvir que podem estar erradas. Acho isso sempre engraçado. Como matemático, colegas e alunos estão constantemente dizendo que estou errado, muitas vezes com razão. Nunca perdi a cabeça por isso. Então por que a atendente da companhia aérea perde a cabeça só porque eu disse que minha mala estava dentro das medidas para ser bagagem de mão? Se não está, basta mostrar que não está…

Para não deixar os leitores com a impressão de que o Brasil é especialmente problemático, conto um pouco da minha viagem de volta. Passo pelo aeroporto de Amsterdã, onde faço conexão. Como meu vôo vem de fora da Europa, tenho que passar pelo controle de passaporte. E percebo algo que me impressiona: as filas para o controle de passaporte para conexão são dividas em primeira classe, classe econômica, etc… Quem faz o controle de passaporte é a polícia de imigração da Holanda. Então o governo holandês discrimina passageiros com base no tipo de passagem aérea que eles compraram? Impressionante. Será que é porque o aeroporto é privatizado? Ainda não entendi como isso é possível.

Belo Monte e a tirania dos artistas da Globo

Sou contra a propaganda. Parece meio radical, mas não consigo aceitar que seja benéfica. Quem faz propaganda invariavelmente mente, mesmo que para uma boa causa, e portanto pode causar mais dano à causa do que ajudar. Por isso sou contra até a “campanhas de esclarecimento” (contra AIDS, drogas, etc.). Se um médico, numa campanha publicitária contra as drogas, mente, acaba abalando a fé das pessoas nos médicos e pode criar um efeito negativo, por exemplo.
Por isso, quando vi o vídeo dos artistas da Globo contra a usina de Belo Monte, liguei meu modo de alerta. Um vídeo como aquele, completamente publicitário, só poderia mentir. E mentir muito. Mas esse nem foi o maior problema. No meu caso, só a visão de um monte de artistas afetados dirigindo-se a mim como se eu fosse uma criança de 5 anos me incomoda. E também me incomoda que falem de algo sobre o qual não têm o menor domínio. Incomoda-me, por exemplo, ver as mulheres histéricas soltando pérolas mais ou menos como “gente, eu sou tão bonita, moderna, gosto da natureza, Belo Monte pra quê?” e coisas do gênero. No caso do vídeo, o que mais me incomoda nem seria a mentira bem planejada, mas a total falta de argumentos. O povo é mesmo estúpido, para que argumentar?
Ao ver o vídeo lembrei-me de um trecho de Pascal, que tem tudo a ver com o caso. Diz ele (cf. Pensées 58; como não sei francês tenho a tradução inglesa do livro):
Tyranny is wanting to have by one means what can only be had by another. We pay different dues to different kinds of merit; we must love charm, fear strength, believe in knowledge.
These dues must be paid. (…) So these arguments are false and tyrannical: “I am handsome, so you must fear me. I am strong, so you must love me. I am…”
E portanto o título do post: os artistas da Globo foram tirânicos. E isso, é claro, é uma pena. Ferem a causa que tentam defender.  Apostam na estupidez das pessoas, mas se enganam ao acreditar que não precisam nem simular que tenham bons argumentos. E por isso creio que estão fadados ao fracasso. Alguém se lembra do plebiscito para a proibição de venda de armas? Os que eram a favor da proibição tinham apoio maciço da população, no começo. Foram à TV, com um monte de belos artistas, dizendo ao povo que quem é legal e bonito vota pela proibição. O povo (felizmente, na minha opinião) preferiu os argumentos de quem era contra. Será que ninguém aprendeu a lição?
É uma pena que haja pouca discussão no Brasil acerca de assuntos importantes como a construção de Belo Monte. Os governos brasileiros (este e os anteriores) são autoritários, e não há oposição ao governo atual. Seria salutar discutir com honestidade o caso da usina de Belo Monte. Mas preferiram nos dizer que quem quer ser bonito ou legal, é contra Belo Monte. Parafraseando Pascal: “sou belo, acredite em mim”.

E para que serve isso?

Muitos cientistas, quando precisam apresentar os resultados de suas pesquisas ao grande público (e, muitas vezes, a seus próprios pares), são confrontados com a famosa pergunta: “E para que serve isso?”. O leitor faça um experimento simples: entre na seção de ciências de qualquer jornal online e leia os comentários dos leitores a qualquer artigo lá publicado. Invariavelmente, muitos perguntam qual a serventia prática das descobertas reportadas. Outros tantos apontam para a inutilidade das pesquisas. (Sim, eu sei que as páginas de comentários na internet são particularmente ruins, mas acho que a experiência é válida.)

Como matemático, estou acostumado a receber essa pergunta quase sempre. Às vezes ela se refere apenas à matemática, outras vezes a toda ciência. Sempre que isso acontece, lembro da seguinte história sobre Faraday que ouvi em algum lugar há muito tempo. Certa vez, Faraday apresentava seu trabalho sobre eltromagnetismo e ao final foi questionado por um jornalista sobre a serventia do trabalho, ao que respondeu “Isso é um bebê. Qual a serventia de um bebê?”. O que o jornalista não poderia imaginar é que o trabalho apresentado por Faraday está no coração do funcionamento dos geradores de eletricidade que encontramos em toda usina elétrica; o trabalho de Faraday mudou o mundo.

Essa era a versão da qual eu me lembrava. Recentemente fui atrás da citação inteira e encontrei um artigo muito interessante e detalhado a respeito do assunto (B. Cohen, “Faraday and Franklin’s ‘Newborn Baby’”, Proceedings of the American Philosophical Society 131 (1987) 177-182). A história como eu contei no parágrafo acima não é completamente correta. Em primeiro lugar, Faraday de fato usou a metáfora do recém-nascido, atribuindo-a a Benjamin Franklin. Ele a oferece como resposta à pergunta da serventia das descobertas científicas ao tratar do caso da descoberta do cloro. Faraday também oferece uma resposta à pergunta de Franklin (“qual a serventia de um bebê?”), ele diz: “a resposta de um experimentalista deve ser: trabalhe para que seja útil.”

O autor do artigo que citei acima ainda comenta outro caso envolvendo Faraday cuja autenticidade não é tão clara, mas é um caso muito interessante. Ao apresentar seu trabalho sobre eletromagnetismo ao Primeiro Ministro, Faraday foi surpreendido pela pergunta “e para que serviria isso?”. Considero sua suposta resposta excelente, especialmente por se tratar de um político a fazer a pergunta: “Bem, senhor, há grandes chances do senhor poder cobrar impostos sobre minha descoberta!” Vale a pena ler o artigo de Cohen, que ainda contém o exempo do pára-raios, inventado por Franklin. 

Mesmo após a descoberta da eletricidade, não era claro que os relâmpagos eram fenômenos elétricos. O próprio Franklin não via grandes aplicações para o estudo da eletricidade. Depois da confirmação de que os relâmpagos eram de fato fenômenos elétricos, Franklin teve a idéia do pára-raios. Finalizando, nem sempre é fácil responder para que servem descobertas científicas. Mas também não é fácil responder para que servem os bebês ou o que de útil eles farão quando crescerem… E essa me parece uma boa resposta aos que duvidam da utilidade da ciência.