Limpeza de obra de Da Vinci causa polêmica em Paris
Especialistas acusam o Museu do Louvre de estragar pintura
04 de janeiro de 2012 | 22h 10
Elaine Sciolino - The New York Times
PARIS - O quadro Santa Ana com a Virgem e o Menino, de Leonardo da Vinci, pode não ter o mesmo status de estrela experimentado pela Mona Lisa.
Mas, para o Museu do Louvre, é uma obra-prima tão importante quanto. E,
agora, uma batalha se instalou, colocando de um lado o museu e, de
outro, especialistas segundo os quais a limpeza do quadro foi feita de
maneira "agressiva", causando danos irreparáveis.
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Reprodução
Obra-prima. Santa Ana com a Virgem e o
Dois dos principais especialistas franceses na obra do artista
pediram demissão do comitê que supervisionou a restauração, supostamente
em protesto pelos procedimentos utilizados. Segolene Langle,
ex-diretora de conservação do Louvre, e Jean-Piere Cuzin, ex-diretor de
pinturas do museu, não deram explicações concretas para a decisão. Mas
Langle afirmou que "durante todo o processo, preparei relatórios
explicando minhas opiniões e deixando claro que deixaria a comissão caso
alguns limites fossem ultrapassados".
Cuzin teria confidenciado a colegas que a técnica utilizada deixou o
quadro claro demais, com um brilho que chamará a atenção do público do
museu, mas à custa da integridade da pintura. Mas, para especialistas,
algo maior do que o quadro está em jogo. A demissão de Langle, que é
tida como uma das maiores autoridades do mundo em conservação de obras
de arte, levou a especulações no secreto comitê de restaurações do
Louvre. "A saída dela é uma perda gigantesca", disse Jacques Frank,
consultou do Centro Armand Hammer de Estudos sobre Leonardo da Vinci, da
Universidade da Califórnia. "Ela foi sempre considerada uma deusa nesse
campo. Não há ninguém melhor do que ela, é insubstituível."
A restauração de obras de arte é sempre um tema polêmico – nos anos
90, por exemplo, um time de especialistas identificou danos na Capela
Sistina, atribuídos a excessos na hora de retirar manchas provocadas por
fumaça de velas. Mas o caso de Santa Ana com a Virgem e o Menino é
diferente – pela primeira vez as críticas vêm de dentro do
establishment de um grande museu. "Não há uma só verdade, mas é possível
dizer que nem todos concordamos com relação aos níveis de limpeza do
quadro", disse Frank, que também é consultor do Louvre. "Confesso que eu
teria ficado feliz com um quadro mais escuro e ‘sujo’, sem o brilho que
tem despertado confusão."
A história da restauração do quadro remonta ao início dos anos 90,
quando o projeto foi abandonado – os restauradores chegaram à conclusão
de que o solvente prejudicaria a técnica do sfumato, uma das marcas
registradas de Da Vinci. Em 2010, um comitê foi formado para rediscutir a
restauração. A princípio, optou-se por uma aproximação "minimalista",
destinada apenas a retirar manchas do quadro. Em algum momento, porém, a
equipe chefiada por Cinzia Pasquali teria optado por uma limpeza mais
radical, no que teria sido apoiada pela direção do museu. Vincent
Pomarede, um dos diretores do Louvre, defendeu a posição da equipe. "A
limpeza e restauração eram necessárias tanto por motivos de conservação
quanto estéticos. Em nenhum momento algum membro da comissão afirmou que
a limpeza estava sendo de maneira imprudente ou que teríamos ido longe
demais. A discussão era apenas estética – alguns membros defendiam a
retirada de elementos pintados por outros artistas da época sobre o
original de Da Vinci. Estamos todos satisfeitos com o resultado e agora
vamos começar a fazer retoques antes de devolver o quadro ao público, em
março."
Com relação às demissões de Langle e Cuzin, Pomarede afirmou que "são
com certeza duas perdas grandes, que vão diminuir a diversidade de
opiniões dentro do comitê". Ele, no entanto, não quis falar sobre os
motivos apresentados pelos dois para a decisão de deixar o museu.