terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Jamais apreciei, nem apreciarei, a suposta filosofia do herói em questão. Meloso, de má fé, sempre colocando a culpa em outrem, retórico sentimental, autoritário, etc. Dou um vagão de vidas com inspiração em sua escrita, por um segundo de Diderot.

Terça-feira, 17 de Janeiro de 2012

Rousseau segundo Barzun: o Bom Selvagem como abstracção

Não dominando, com destreza de especialista, a obra de Jean-Jacques Rousseau, tenho tido curiosidade e oportunidade de conhecer diversas leituras que dela se fazem. Até ao presente, nenhuma me pareceu tão clara e precisa como a que saiu da pena de Jacques Barzun. Em quatro páginas e meia, este professor e historiador da aventura humana, que recentemente foi lembrado neste blogue, apresenta o filósofo, esclarece o seu pensamento, desfaz equívocos. Fiquemo-nos por dois desses equívocos, que, aliás se interligam: o Bom Selvagem, objecto deste post, e a Recusa de Educação em «Emílio»,objecto de post seguinte.
.
Sigamos, então, as palavras de Barzun.
.
“Nos escritos académicos, bem como nos textos jornalísticos, o nome de Rousseau e o adjectivo «rousseauniano» são utilizados para caracterizar opiniões que ele jamais defendeu (…). Para que conste: Rousseau não inventou nem idolatrou o «bom selvagem», não exortou ao «regresso à natureza», não afirmou que o homem, tendo nascido livre e vivendo acorrentado, deve libertar-se das suas correntes (…)”

Depois de ter publicado em 1749 um ensaio que foi premiado pela Academia de Dijon – O discurso sobre os efeitos morais das Artes e das Letras – Rousseau, “então com 43 anos (…) escreveu outro opúsculo,Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. É aqui que começam os mitos sobre as suas ideias: Voltaire que se sentira irritado com o primeiro ensaio, sentiu-se ultrajado com o segundo, declarando que Rousseau pretendia que «caminhássemos sobre os quatro membros» como os animais e nos comportássemos como selvagens, que o autor via como criaturas perfeitas. Destas interpretações, plausíveis mas inexactas, surgiram os lugares-comuns do Bom Selvagem e do Regresso à Natureza.”
.
Neste ponto, Barzun relembra que se trata de lugares-comuns porque acompanham o nosso pensamento desde a Antiguidade, estando longe de serem invenções de Rousseau: são, isso sim, “abstracções” que “reaparecem sempre que a sociedade se torna demasiado complexa e se autocensura pela sua artificialidade”.
.
Retomemos a linha de pensamento deste autor: “De facto, Rousseau insurgiu-se contra as características da alta civilização, mas não pregou um regresso ao estado natural. Considerava o selvagem sob muitos aspectos, pouco apelativo – carecendo de moralidade, agindo por instinto, sem pensamento e em determinada fase sem linguagem, e apenas preocupado com a mera subsistência. Aquilo que é preferível, sempre que a sociedade e a propriedade se estabelecem e a desigualdade de talentos se revela, é que as capacidades individuais sejam recompensadas a favor da comunidade (…) a partir do momento em que o estatuto social e a riqueza já não correspondem ao mérito, a disparidade converte-se em injustiça e conduz à instabilidade.”
.
“Tomados em conjunto, estes dois primeiros ensaios constituem uma crítica negativa ao estado de coisas corrente.” 

Referência completa:
Barzun, J. (2003). Da Alvorada à Decadência: De 1500 à Actualidade - 500 Anos de Vida Cultural do Ocidente». Lisboa: Gradiva.