Computação, Matemática e Filosofia
Um blog sobre computação, matemática e, quem sabe, um pouco de filosofia
Em tempo de aeroportos privados…
by fernando
Por causa da Copa e das Olimpíadas, boa parcela da imprensa se
uniu para pedir a privatização dos aeroportos. Esta é passada como única
solução (sempre que tentam me vender alguma solução como a única,
sinto o cheiro forte da ideologia). Tenho meus problemas com a
privatização, e acho discutível que tenha de fato melhorado a qualidade
de muitos serviços (quem precisa lidar com as telefonicas, sem acento,
mundo afora bem conhece o drama), mas independente disso quero chamar a
atenção a um caso no mínimo interessante, que pode servir de aviso ou,
como acredito, de uma idéia do que está por vir.
Mencionei num post anterior que, ao passar pelo aeroporto de Amsterdã
recentemente, percebi que a fila de controle de passaportes estava não
só dividida segundo a nacionalidade, mas também em primeira classe,
classe econômica, etc. Isso quer dizer que um cidadão europeu, por
exemplo, pode usar a fila para europeus, mas só pode usar a fila para
europeus da classe de seu bilhete.
Pensei imediatamente: como pode o governo da Holanda, que faz o
controle de passaporte através da sua polícia de imigração e controle de
fronteira, discriminar pessoas (inclusive holandeses) segundo o tipo de
bilhete aéreo que compraram? Não me pareceu correto. Pensei que podia
ter algo a ver com o fato do aeroporto ter sido privatizado, mas não
acreditava muito nisso.
Pois bem, comentei com alguns amigos, que acharam de fato estranho.
Perguntei a um amigo holandês, e ele me disse que já tinha notado isso,
mas que nunca lhe havia ocorrido reclamar (na Holanda há uma confusão
razoável entre público e privado, preciso dizer, não é só o Brasil que
tem problemas). Ele arriscou um palpite: o aeroporto tem tentado atrair
mais passageiros de primeira classe e classe executiva, pois esses
gastam por lá mais dinheiro. Fiquei meio nauseado e decidi reclamar com a
polícia de fronteira da Holanda.
Então mando um email, dizendo que achava discriminação e tal. Recebo
resposta explicando a razão de existirem as filas para europeus e
não-europeus, o que não era a minha pergunta. Finalmente, no último
parágrafo, vem o trecho fulminante: as filas do aeroporto na imigração
são posicionadas pela companhia que opera o aeroporto juntamente com a
companhia aérea nacional da Holanda. A polícia de imigração, segundo o
email, apenas “fornece um agente para fazer a verificação dos
passaportes”. Quer dizer, eles estão lavando as mãos em relação à
política do aeroporto.
Pensei em responder com a seguinte pergunta: se a polícia da Holanda
não se importa com as filas, então ninguém se importará se nós,
passageiros, decidirmos não obedecer às filas, não é mesmo? Ou será que
então a polícia vai agir para nos impedir? Também pensei em propor a
seguinte idéia: se eu comprar um prédio no qual funciona uma delegacia,
então eu posso cobrar das pessoas para entrar e falar com os policiais?
Ora, não poderíamos dizer que a polícia apenas “fornece policiais para
ficar dentro da delegacia”? Parece-me um negócio e tanto! Outro melhor
ainda: posso criar uma empresa para organizar filas do lado de fora de
um hospital público; só entra quem pagar o quanto eu quiser!
Eu acho que um aeroporto deve ser um espaço público. Entregamos a uma
empresa sua operação e dias depois estamos vendo ao que a busca sem
limites pelo lucro pode levar. Sem o governo para coibir excessos, como o
da Holanda, o resultado não pode ser bom. Em pouco tempo, estamos sendo
discriminados de acordo com quanto lucro trazemos à empresa, e com
ajuda do governo! E no Brasil, onde sabemos o quanto as “agências
reguladoras” regulam as empresas que operam concessões, não temos como
esperar que o resultado será melhor que o holandês.
A situação no aeroporto da Holanda é um aviso para nós brasileiros,
que discutimos a privatização de nossos aeroportos. Mas temo que seja
mais uma espécie de visão do futuro. Na Holanda, onde somos divididos em
classes sob os olhos coniventes do governo, sugiro que ao lado das
filas de imigração, divididas em classes, distribuam-se os mesmos
saquinhos de vômito que encontramos dentro dos aviões (uma sugestão que
copio do professor Roberto Romano).