domingo, 15 de janeiro de 2012

Estado de São Paulo.

Lobby de juízes impediu CNJ de pôr fim à farra das verbas milionárias

Ex-conselheiro conta que tentou, sem êxito, votar proposta para regular pagamentos

15 de janeiro de 2012 | 3h 06

FAUSTO MACEDO - O Estado de S.Paulo

O lobby de associações de magistrados e a pressão dos tribunais puseram abaixo iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de editar resolução para pôr um fim na farra de desembolsos milionários à toga. Em 2011, "pelo menos duas ou três vezes", sem êxito, o então conselheiro Ives Gandra da Silva Martins Filho levou a plenário uma proposta para disciplinar a liberação de pagamentos de verbas acumuladas.

"Eu levei a matéria a plenário e pediram para adiar, eram pedidos de associações de magistrados e de Tribunais de Justiça, alguns presidentes de tribunais me procuraram colocando suas preocupações", relata Gandra Filho.

Aos 52 anos, ele é ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) desde 1999. Por dois anos exerceu a função de conselheiro do CNJ, entre julho de 2009 e junho de 2011.

Supercontracheques são alvo de uma frente de investigação sem precedentes do CNJ.

Aqui e ali magistrados se rebelam à inspeção. Alegam que os valores lhes são devidos, por férias não desfrutadas, vencimentos pagos com atraso e outras situações.


A tentativa de criar uma rígida norma para impedir privilégios e concessão de somas extraordinárias aos juízes foi tomada no CNJ depois do escândalo envolvendo onze magistrados do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, alguns aquinhoados com R$ 1,5 milhão, em 2008, mediante suposta fraude financeira. A proposta para evitar a reedição de episódios como os de Mato Grosso foi apresentada por Gandra Filho.

Qual era a sua proposta?
 
Eu pedia basicamente a adoção de duas medidas. A primeira, que os pagamentos ficassem limitados às verbas não prescritas, ou seja, créditos que estivessem contidos exclusivamente em um período de até cinco anos antes da solicitação. A segunda medida previa que não fosse contemplado apenas um pequeno grupo do tribunal. Eu coloquei: não tendo dinheiro para pagar os atrasados a todos, então que se dividissem equitativamente os valores disponíveis. Que não se concentrasse toda a verba só para pagar um grupo.

Por que o sr. estabeleceu prazo prescricional de cinco anos?
Qualquer demanda que se apresente perante o Judiciário contra a União deve obedecer esse prazo. A minha proposta era para que fosse obedecido o critério da prescrição. Acho razoável, justo.

O que o fez tomar essa iniciativa?
 
A preocupação maior no conselho surgiu a partir do processo de Mato Grosso. Eles (desembargadores) inflacionaram a folha dos atrasados, calcularam para aumentar demais, de forma a atingir valores bem altos, e só pagaram a um grupinho ligado à presidência do TJ. Foi um processo bastante complicado.

Por quê?
 
A presidência do TJ de Mato Grosso era dominada por maçons, havia uma cooperativa ligada à maçonaria. Vários magistrados receberam para emprestar à loja. Esse processo foi o principal problema. Alguns ganharam R$ 1,5 milhão. Nesse processo, do qual fui o relator, eu escrevi: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. É assim: primeiro vamos cuidar do nosso.

Que sanções foram aplicadas?
 
O Conselho Nacional de Justiça afastou os magistrados, mas providências de âmbito civil e penal são de competência de outras esferas, como o Ministério Público. Dez juízes foram afastados, mas o Supremo Tribunal Federal devolveu-os às suas funções e cargos, sem entrar no mérito. O STF entendeu que eles (os juízes) deveriam retomar suas atividades e que fossem julgados antes pelo próprio tribunal ao qual pertencem. Nesse contexto de um caso concreto é que surgiu a imposição, a necessidade de uma providência para disciplinar os pagamentos aos magistrados.

Por que fracassou a resolução para impor regras nos pagamentos?
 
Pelo menos duas ou três vezes, no ano de 2011, levei a plenário a proposta, mas sem êxito. Pediram para adiar, eram pedidos de associações de magistrados e de Tribunais de Justiça. Alguns presidentes de tribunais me procuraram colocando suas preocupações.

Quais preocupações?
 
Eles não queriam que limitássemos em cinco anos o prazo prescricional, sob argumento central de que o problema não é gerado pelo Judiciário. Alegavam que o Judiciário tem direito à verba, mas não tem caixa para pagar porque o Executivo não repassa. Vai passando o tempo, fica o débito e eleva os valores a níveis bem altos.
O que são verbas atrasadas a que os magistrados alegam ter direito?
 
Basicamente vantagens pessoais e pagamentos relativos a períodos de planos econômicos, quem não recebeu se sentiu prejudicado. Alegam, por exemplo, equiparações ao Ministério Público. Ninguém pode ganhar mais que ministro do Supremo. Mas deputados estavam ganhando com os auxílios mais que os ministros. Esses auxílios foram estendidos ao Judiciário. Outro problema era a forma de cálculos aplicada pelos tribunais. Veja, não estou criticando nenhum colega. Eu propus critérios, se a resolução vai emplacar ou não eu não sei.

O sr. insistiu em levar sua proposta à votação?
 
Eu queria votar o mais rápido possível. Nada melhor que parâmetros claros, até para respaldar os presidentes dos tribunais que são os ordenadores de despesas. Eu coordenava a Comissão de Eficiência Operacional e de Gestão de Pessoas, um setor que trata das questões relativas aos magistrados. Por mais que tentássemos não conseguimos votar. Entidades pediam para que estudássemos melhor, apresentaram muitas sugestões.

Por que o sr. não conseguiu?
 
Todas as vezes em que levei a matéria e coloquei em pauta não se quis votar. Alguns conselheiros achavam que devíamos votar, outros que a matéria ainda precisava amadurecer. Eu precisei contar com o apoio da Secretaria Orçamentária. Reconheço que as ponderações em sentido contrário são razoáveis. Os tribunais alegavam que sofriam restrições do Executivo, que os governos não repassavam as verbas orçamentárias. A proposta de resolução levantou muitos pontos polêmicos, todas as vezes que levei a plenário não conseguimos aprová-la.

Sem resolução específica como ficam os pagamentos milionários?
 
No meu modo de ver, quanto mais demora, pior fica. Uma resolução já resolveria, depois que se faça os ajustes, a calibragem. Melhor do que ficar sem nenhuma norma. Com o vácuo legal, nem o administrador tem a segurança necessária, nem o cidadão fica tranquilo. Vai questionar se aquele valor foi pago de acordo com a lei. Se o juiz tem que julgar e tem que ser justo no seu trabalho não pode ser questionado publicamente se está recebendo privilégios.