Lobby de juízes impediu CNJ de pôr fim à farra das verbas milionárias
Ex-conselheiro conta que tentou, sem êxito, votar proposta para regular pagamentos
15 de janeiro de 2012 | 3h 06
FAUSTO MACEDO - O Estado de S.Paulo
O lobby de associações de magistrados e a pressão dos
tribunais puseram abaixo iniciativa do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) de editar resolução para pôr um fim na farra de desembolsos
milionários à toga. Em 2011, "pelo menos duas ou três vezes", sem êxito,
o então conselheiro Ives Gandra da Silva Martins Filho levou a plenário
uma proposta para disciplinar a liberação de pagamentos de verbas
acumuladas.
"Eu levei a matéria a plenário e pediram para adiar, eram pedidos de
associações de magistrados e de Tribunais de Justiça, alguns presidentes
de tribunais me procuraram colocando suas preocupações", relata Gandra
Filho.
Aos 52 anos, ele é ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
desde 1999. Por dois anos exerceu a função de conselheiro do CNJ, entre
julho de 2009 e junho de 2011.
Supercontracheques são alvo de uma frente de investigação sem precedentes do CNJ.
Aqui e ali magistrados se rebelam à inspeção. Alegam que os valores
lhes são devidos, por férias não desfrutadas, vencimentos pagos com
atraso e outras situações.
A tentativa
de criar uma rígida norma para impedir privilégios e concessão de somas
extraordinárias aos juízes foi tomada no CNJ depois do escândalo
envolvendo onze magistrados do Tribunal de Justiça de Mato Grosso,
alguns aquinhoados com R$ 1,5 milhão, em 2008, mediante suposta fraude
financeira. A proposta para evitar a reedição de episódios como os de
Mato Grosso foi apresentada por Gandra Filho.
Qual era a sua proposta?
Eu pedia basicamente a adoção de duas medidas. A primeira, que
os pagamentos ficassem limitados às verbas não prescritas, ou seja,
créditos que estivessem contidos exclusivamente em um período de até
cinco anos antes da solicitação. A segunda medida previa que não fosse
contemplado apenas um pequeno grupo do tribunal. Eu coloquei: não tendo
dinheiro para pagar os atrasados a todos, então que se dividissem
equitativamente os valores disponíveis. Que não se concentrasse toda a
verba só para pagar um grupo.
Por que o sr. estabeleceu prazo prescricional de cinco anos?
Qualquer demanda que se apresente perante o Judiciário contra a União deve obedecer esse prazo. A minha proposta era para que fosse obedecido o critério da prescrição. Acho razoável, justo.
Qualquer demanda que se apresente perante o Judiciário contra a União deve obedecer esse prazo. A minha proposta era para que fosse obedecido o critério da prescrição. Acho razoável, justo.
O que o fez tomar essa iniciativa?
A preocupação maior no conselho surgiu a partir do processo de
Mato Grosso. Eles (desembargadores) inflacionaram a folha dos atrasados,
calcularam para aumentar demais, de forma a atingir valores bem altos, e
só pagaram a um grupinho ligado à presidência do TJ. Foi um processo
bastante complicado.
Por quê?
A presidência do TJ de Mato Grosso era dominada por maçons,
havia uma cooperativa ligada à maçonaria. Vários magistrados receberam
para emprestar à loja. Esse processo foi o principal problema. Alguns
ganharam R$ 1,5 milhão. Nesse processo, do qual fui o relator, eu
escrevi: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. É assim: primeiro vamos
cuidar do nosso.
Que sanções foram aplicadas?
O Conselho Nacional de Justiça afastou os magistrados, mas
providências de âmbito civil e penal são de competência de outras
esferas, como o Ministério Público. Dez juízes foram afastados, mas o
Supremo Tribunal Federal devolveu-os às suas funções e cargos, sem
entrar no mérito. O STF entendeu que eles (os juízes) deveriam retomar
suas atividades e que fossem julgados antes pelo próprio tribunal ao
qual pertencem. Nesse contexto de um caso concreto é que surgiu a
imposição, a necessidade de uma providência para disciplinar os
pagamentos aos magistrados.
Por que fracassou a resolução para impor regras nos pagamentos?
Pelo menos duas ou três vezes, no ano de 2011, levei a plenário
a proposta, mas sem êxito. Pediram para adiar, eram pedidos de
associações de magistrados e de Tribunais de Justiça. Alguns presidentes
de tribunais me procuraram colocando suas preocupações.
Quais preocupações?
Eles não queriam que limitássemos em cinco anos o prazo
prescricional, sob argumento central de que o problema não é gerado pelo
Judiciário. Alegavam que o Judiciário tem direito à verba, mas não tem
caixa para pagar porque o Executivo não repassa. Vai passando o tempo,
fica o débito e eleva os valores a níveis bem altos.
O que são verbas atrasadas a que os magistrados alegam ter direito?
Basicamente vantagens pessoais e pagamentos relativos a
períodos de planos econômicos, quem não recebeu se sentiu prejudicado.
Alegam, por exemplo, equiparações ao Ministério Público. Ninguém pode
ganhar mais que ministro do Supremo. Mas deputados estavam ganhando com
os auxílios mais que os ministros. Esses auxílios foram estendidos ao
Judiciário. Outro problema era a forma de cálculos aplicada pelos
tribunais. Veja, não estou criticando nenhum colega. Eu propus
critérios, se a resolução vai emplacar ou não eu não sei.
O sr. insistiu em levar sua proposta à votação?
Eu queria votar o mais rápido possível. Nada melhor que
parâmetros claros, até para respaldar os presidentes dos tribunais que
são os ordenadores de despesas. Eu coordenava a Comissão de Eficiência
Operacional e de Gestão de Pessoas, um setor que trata das questões
relativas aos magistrados. Por mais que tentássemos não conseguimos
votar. Entidades pediam para que estudássemos melhor, apresentaram
muitas sugestões.
Por que o sr. não conseguiu?
Todas as vezes em que levei a matéria e coloquei em pauta não
se quis votar. Alguns conselheiros achavam que devíamos votar, outros
que a matéria ainda precisava amadurecer. Eu precisei contar com o apoio
da Secretaria Orçamentária. Reconheço que as ponderações em sentido
contrário são razoáveis. Os tribunais alegavam que sofriam restrições do
Executivo, que os governos não repassavam as verbas orçamentárias. A
proposta de resolução levantou muitos pontos polêmicos, todas as vezes
que levei a plenário não conseguimos aprová-la.
Sem resolução específica como ficam os pagamentos milionários?
No meu modo de ver, quanto mais demora, pior fica. Uma
resolução já resolveria, depois que se faça os ajustes, a calibragem.
Melhor do que ficar sem nenhuma norma. Com o vácuo legal, nem o
administrador tem a segurança necessária, nem o cidadão fica tranquilo.
Vai questionar se aquele valor foi pago de acordo com a lei. Se o juiz
tem que julgar e tem que ser justo no seu trabalho não pode ser
questionado publicamente se está recebendo privilégios.