sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Urtiga para os falsos profetas...
Mais uma resenha do livro Crítica à razão acadêmica
Um livro acena para o
necessário despertar do campus
necessário despertar do campus
Por Raquel Moysés*
Já
está nas mãos dos leitores o livro “Crítica à razão acadêmica –
Reflexão sobre a Universidade Contemporânea” (Editora Insular, 223
páginas), apresentado à sociedade na Biblioteca Central da Universidade
Federal de Santa Catarina. Noite de primavera carrancuda, chovia forte
na hora do lançamento, mas o saguão da BU foi tomado por um público
ávido de saber.
Nildo
Ouriques e Waldir Rampinelli, organizadores da obra criticaram, em suas
falas, a razão acadêmica que se apossou do ambiente universitário. Tal
razão, avaliam os dois professores, tem levado a uma predominante
indiferença relativamente aos problemas da maioria do povo brasileiro. O
mundo acadêmico, eles dizem, “parece viver em Paris ou Los Angeles. Sem
os conhecidos distúrbios, que também lá se manifestam!”.
Rampinelli,
professor de História, enfatizou que a ideia deste livro nasceu do
compromisso dos que o escreveram com a universidade pública. O
aniversário de 50 anos de existência da universidade catarinense,
festejados oficialmente em 2010, foi um dos acontecimentos que exigiu
dos autores uma reflexão crítica, focalizada especialmente na história
da instituição, mas carregada de matizes de acontecimentos que marcaram a
vida da cidade, do estado, da nação e do mundo. A obra analisa e
desvenda “forças claras e ocultas que
atuam na universidade contemporânea, algumas delas na UFSC, ao longo de
seus 50 anos, como a oligarquia, a maçonaria e o mercado”.
A
apresentação da obra revestiu-se de caráter político, não partidário,
como esclareceu Rampinelli. O lançamento aconteceu a menos de um mês
das eleições para reitor e vice-reitor da UFSC, marcadas, em primeiro
turno, para 17 de novembro e, em segundo turno, se for o caso, para o
dia 30 do mesmo mês. Os candidatos das cinco chapas inscritas foram
convidados, pelos autores do livro, para o lançamento, e três deles
compareceram.
Entre a opressão e a submissão
A
UFSC, como insiste a maioria dos autores, ao completar meio século de
existência necessita olhar para si mesma, examinar-se minuciosamente,
para ver no que acertou e errou e então decidir para onde deve caminhar.
Rampinelli, que em seu artigo destaca aspectos que caracterizam, na
universidade, “as opressões internas e a submissão externa”,
falou na noite de autógrafos principalmente sobre a função de um
reitor. Que não deve se limitar a mera autoridade figurativa e
representante de um poder central.
Um reitor, disse Rampinelli, precisa
ser um grande conhecedor da realidade universitária, além de também
conhecer e se manifestar, cotidianamente, sobre os grandes problemas
locais, estaduais e nacionais. O reitor da UFSC, ele exemplifica,
deve se preocupar e se pronunciar, com conhecimento de causa, sobre
questões como a destruição do meio ambiente na região carbonífera do sul
catarinense; as enchentes que destroçam cidades e desesperam
comunidades inteiras; como também se debruçar sobre o que afeta a vida
das cidades. A começar pela capital - onde se ergue o campus principal
da UFSC - uma cidade estrangulada por problemas dramáticos como o da
‘imobilidade’ urbana, apenas um dos efeitos danosos da histórica opção
pelo transporte individual.
Nildo
Ouriques criticou a razão acadêmica que impera no ambiente
universitário e se expressa em uma mentalidade e um comportamento
acadêmicos que, para ele, se traduzem em mediocridade, autocomplacência, esnobismo de classe e indiferença com relação aos problemas da maioria do povo.
Para o professor de Economia, o intelectual público foi derrotado,
para a desgraça das universidades, pela aparição da medíocre figura do “acadêmico”, uma mistura de fetiche e impostura.
É
essa mentalidade e esse comportamento, fruto do atraso e da
subserviência a preceitos externos, que precisam ser demolidos,
preconizam os autores em sete artigos e ensaios, além de uma
entrevista. A persistir o academicismo, a universidade contemporânea
continuará muito distante do que lhe é exigido em uma sociedade
profundamente marcada pela desigualdade e pela submissão ao
imperialismo. Por isso é que, na obra, os autores não economizam
críticas ao mundo no qual estão intrinsecamente inseridos, certos de que
não podem fugir à necessária crítica. Todos com atividade intelectual e
militante na universidade, eles estão convencidos de que não há a menor
possibilidade de legitimação social da universidade se ela não se abrir
para um novo tempo, em que cumpra, verdadeiramente, seu papel de
efetiva casa do saber.
“A
atitude complacente que atualmente domina o campus e que marca a
carreira da grande maioria dos professores é nociva para a construção de
uma universidade vital para o Brasil e a América Latina”, afirmam os
organizadores. “Este livro pretende ser uma contribuição para que as
possibilidades abertas pela crise global não se frustrem, possibilitando
um despertar no campus universitário, este mesmo despertar cujas vozes
vindas das ruas já se podem ouvir.”
Além
dos ensaios de Ouriques e Rampinelli, “Crítica à razão acadêmica”
apresenta textos de Célio Espíndola, Elaine Tavares, Fábio Lopes da
Silva, Marli Auras (todos da UFSC) e Ciro Teixeira Correia (da USP). Um
estrangeiro apenas, o estadunidense Frank Donoghue, da Ohio State
University, contribui com uma análise crítica sobre as mudanças no mundo
universitário dos Estados Unidos. Um mundo “quase
sempre objeto de adoração por parte da consciência ingênua que orienta a
atividade universitária na periferia capitalista latino-americana e
especialmente no Brasil”, assinalam os organizadores. O
livro traz, ainda, uma entrevista com Maurício Tragtenberg, intelectual e
educador libertário que percebeu precocemente o surgimento de uma séria
ameaça à vida universitária, à qual ele se refere como “delinquência
acadêmica”.
Os
autores extraem, de suas análises, reflexões críticas sobre as
debilidades e alguma nobreza da universidade contemporânea. Assim,
examinam temas como o das fundações privadas, que minam o espaço
público, e o das difíceis relações entre os trabalhadores em educação na
universidade (técnicos e docentes). Percorrem, nos textos, caminhos dos
movimentos organizados, principalmente na UFSC, e denunciam os vícios
dos processos eleitorais para a reitoria ao longo da história da
instituição catarinense. Revelam, ainda, um tanto de servidão voluntária
nas relações com o poder, bem como a submissão de “acadêmicos” às
chamadas “revistas internacionais”, publicações a serviço de políticas
científicas e econômicas “bem nacionais” de países europeus e dos
Estados Unidos.
Coragem editorial
No lançamento, os organizadores mencionaram o papel relevante que tem assumido na sociedade catarinense a Insular, como editora que mais publica hoje no estado. A Insular tem sido responsável por oferecer aos leitores brasileiros obras importantes como “História da nação latino-americana”, de autoria do intelectual argentino Jorge Abelardo Ramos, um dos livros mais influentes sobre a história do continente.
No lançamento, os organizadores mencionaram o papel relevante que tem assumido na sociedade catarinense a Insular, como editora que mais publica hoje no estado. A Insular tem sido responsável por oferecer aos leitores brasileiros obras importantes como “História da nação latino-americana”, de autoria do intelectual argentino Jorge Abelardo Ramos, um dos livros mais influentes sobre a história do continente.
Dirigida
pelo jornalista Nelson Rolim, a Insular publicou recentemente inclusive
um livro cuja não publicação pela UFSC foi reputada como censura e até
gerou um abaixo-assinado internacional, firmado por intelectuais
latino-americanos. Trata-se do livro “O terrorismo de Estado na
Colômbia”, escrito por Hernando Calvo Ospina, jornalista colombiano e
refugiado político que hoje trabalha no jornal francês Le Monde
Diplomatique.
Já publicado em espanhol, francês e alemão, o
livro foi encaminhado, em 2009, para a editora universitária, recebendo
parecer favorável de dois analistas externos, ambos professores de
Relações Internacionais. Acabou rejeitado, porém, por um conselheiro editorial interno, da área de Engenharia Elétrica,
cuja posição contrária à publicação da obra acabou sendo acatada pelo
Conselho Editorial. A edição brasileira só saiu porque sete sindicatos
pagaram as despesas de tradução e a Insular assumiu a publicação da
obra.
Rolim manifestou-se no lançamento de “A crítica da razão acadêmica” para dizer que este novo livro vai cair como “urtiga no lombo de muita gente”.
Ao falar sobre a longevidade de obras que semeiam ideias, ele citou o
escritor amazonense Márcio Souza quando disse, em uma entrevista: É mais fácil você se livrar de um cadáver do que de mil exemplares de um livro!”
*Raquel Moyses é jornalista. Texto encaminhado pela escritora Urda Alice Klueger.