domingo, 8 de janeiro de 2012

Marta Bellini...pungente e necessário artigo.


domingo, 8 de janeiro de 2012

Os sete pecados capitais... dos europeus

os sete pecados dos europeus

 

do Blog 2 dedos de conversa, Portugal Veja aqui

Por Helena:

Este artigo que encontrei no presseurop (parte 1, parte 2) já tem umas semanas, mas continua extremamente actual. Copio-o agora para aqui a propósito do caso Pingo Doce. Isto é muito maior que nós e o Alexandre Soares dos Santos.

Debate

Os sete pecados dos europeus 

14 dezembro 2011
Die Zeit
Hamburgo
Hieronymus Bosch: "A gula". Pormenor dos "Sete pecados capitais" (óleo sobre tela, 1475-80). Madrid, Museu do Prado
Hieronymus Bosch: "A gula". Pormenor dos "Sete pecados capitais" (óleo sobre tela, 1475-80). Madrid, Museu do Prado

Os líderes políticos estão sempre dispostos a agitar a bandeira do espírito comunitário. Mas todos os países sofrem de uma fraqueza de caráter que contradiz os discursos e compromete a UE. Die Zeit traça o retrato dos nossos piores pecados.


A preguiça

Grécia – A culpa é de Angela Merkel, dizem eles. Se a Europa está em dificuldades, é por causa da insensibilidade da Alemanha. Esta é a explicação que os tabloides dão para a crise da Grécia, bem como as palavras de ordem dos manifestantes e dos líderes populistas. Para os gregos, o problema é a dívida, mas o facto de os estrangeiros os quererem meter na ordem, os pressionarem a agir e lhes darem lições. Reagem mentindo a si próprios e mentindo à Europa.
Em Atenas, somos confrontados com a autoindulgência dos gregos. Quem são os responsáveis pela atual miséria? Uma sociedade baseada na dívida. Pessoas convencidas de que a Europa será sempre suficientemente rica para ajudar a Grécia. Corporações apegadas aos seus privilégios. Ferroviários do setor público com salários mirabolantes graças a uma tabela salarial inextrincável. Famílias que recebem as pensões dos parentes que já morreram. Responsáveis políticos que dão empregos aos sobrinhos e às sobrinhas dos seus eleitores. E os ditos sobrinhos e sobrinhas, que permitem que lhes deem tais empregos. É claro que os jornais de Atenas falam de tudo isto. Mas o que faz falta, na Grécia, é uma enorme cólera catártica contra estes gregos.
Em Atenas, os populistas ganham terreno à custa de Angela Merkel, mas são clementes para com os responsáveis locais da atual situação. Preferem combater um espantalho distante em vez de varrerem a sua própria porta. É nesta fraqueza, nesta inaptidão para a autocrítica que reside a verdadeira crise grega.
Michael Thumann

A dissimulação

Suíça – As quantias em jogo são colossais. De tal modo colossais que, normalmente, fazem dilatar as pupilas dos líderes políticos europeus. Só na Suíça, os particulares – a maior parte deles europeus – detêm 1,56 biliões de euros. Têm, também, 1,4 biliões no Reino Unido, sobretudo nas ilhas anglo-normandas, 440 no Luxemburgo, 78 no Liechtenstein. Todos estes países são, assim, cúmplices de evasão fiscal. Vão buscar as riquezas nacionais do estrangeiro e vivem dos juros.
E como reage a Europa? Em vez de se indignarem a uma só voz, as capitais europeias abordam estas práticas escandalosas como antigas tradições, assuntos diplomáticos. No que diz respeito ao Liechtenstein e à Suíça, alguns países, entre os quais a Alemanha, quiseram assinar os seus próprios acordos de dupla tributação: a ideia é que uma parte da dívida fiscal seja reembolsada ao país de origem dos fundos através de um único imposto. Esta abordagem compromete o projeto da Comissão Europeia para instituir trocas automáticas de informações com o objetivo de detetar fraudes – um projeto igualmente rejeitado pelo Luxemburgo. O mesmo Luxemburgo que proclama alto e bom som a solidariedade europeia.
Peer Teuwsen

A intolerância

Alemanha – Pode existir uma Europa em que um país exporta e tem lucros enquanto os outros consomem e se endividam? Os alemães orgulham-se das suas exportações, que servem para provar o bom desempenho da sua economia. Ora, quando um país vende mais do que compra ao estrangeiro, isso acaba por trazer problemas a toda a gente. Este ano, as exportações alemãs para os países da UE permitiram arrecadar um excedente de 62 mil milhões de euros. O que significa que as mercadorias produzidas na Alemanha não foram trocadas por mercadorias estrangeiras, mas foram, por assim dizer, vendidas a crédito.
A Europa do Sul endivida-se junto da Alemanha para lhe comprar os seus produtos. Por outras palavras: a riqueza da Alemanha repousa sobre as dívidas dos seus vizinhos. Ora, quem são os primeiros a lamentar essas dívidas? Exatamente. Os alemães. Um dia destes, a falência ameaçará os devedores e os credores terão de rever as suas exigências de pagamento. Nos últimos anos, a Alemanha arrecadou perto de um bilião de euros em ativos estrangeiros – pode dizer adeus a grande parte desse dinheiro no dia em que o Sul deixar de conseguir pagar. Daí as atuais declarações da chanceler, que quer que toda a gente seja como os alemães.
Ou seja, espera-se que esses países também exportem mais do que importam. Por isso, é preciso baixar os salários, é preciso controlar o seu consumo. É mais fácil dizer do que fazer. Porque, se toda a gente se puser a vender, deixa de haver quem compre. E a economia fica a marcar passo. Se os europeus não querem inundar o resto do mundo com os seus produtos – o que o resto do mundo não deixará que aconteça – é preciso chegar a um equilíbrio dentro da própria União. Os italianos têm de apertar o cinto – e os alemães têm de gastar mais.
Mark Schieritz

A gula

Espanha – “Não esvaziarás de peixe o mar do teu vizinho”, podia ser um dos dez mandamentos europeus, logo seguido de: “Os teus agricultores não viverão à custa de uma profusão de subsídios europeus”. Para o período de 2007-2013, Bruxelas atribuiu à indústria de pesca espanhola mais de mil milhões de dólares [767 milhões de euros] – ou seja, muito mais do que a qualquer outro país da UE. Porque as águas europeias são grandes vítimas do excesso de captura, a Espanha envia as suas frotas ultra modernas para as costas do Senegal e da Mauritânia, não deixando grande coisa aos pescadores locais e ultrapassando as quotas de pesca acordadas.É preciso processar judicialmente as empresas em causa e assinar novos acordos de pesca entre a UE e os países africanos. O governo espanhol opõe-se a estas duas propostas já de longa data. Tal como a uma nova reforma do sistema europeu de apoio ao mundo agrícola. Perto de 50 mil milhões de euros deixam, todos os anos, os cofres de Bruxelas em direção à agricultura europeia. A maior parte beneficia diretamente os agricultores de diferentes países da UE, que conseguem, assim, manter a sua competitividade num setor onde a concorrência é grande e se baseia em preços subsidiados. Entretanto, uma parte considerável da carne, dos lacticínios e dos legumes a preços reduzidos de Espanha, Itália, França e Alemanha aterram nos mercados africanos.
É bom para os pobres, argumentam os exportadores. O problema é que a produção de víveres locais de países como o Gana, os Camarões ou a Costa do Marfim, está em colapso. E que, em caso de subida dos preços dos produtos agrícolas de base, esses países deixam de poder importar o leite em pó, as aves ou os cereais da UE. No entanto, se isso desencadear uma crise de provisões, ou seja, uma crise alimentar, esses países poderão contar sempre com o apoio da Europa: a UE é o maior doador mundial de fundos em matéria de ajuda de emergência.
Andrea Böhm
Hieronymus Bosch: "A ira". Pormenor dos "Sete pecados capitais" (óleo sobre tela, 1475-80). Madrid, Museu do Prado.
Hieronymus Bosch: "A ira". Pormenor dos "Sete pecados capitais" (óleo sobre tela, 1475-80). Madrid, Museu do Prado.


O egocentrismo

Irlanda – Claro que podemos sempre aceitar a explicação do ministro irlandês da Cultura: "Somos um povo feliz”, proclamou recentemente, “e profundamente sincero. Para os investidores estrangeiros, estas coisas importam." Não haja dúvidas. Mas, olhando mais de perto, pode-se pensar que os impostos irlandeses estão entre as pequenas razões adicionais pelas quais a ilha atrai empresas internacionais como um ímã eletromagnético.
O imposto para as empresas é de apenas 12,5%, ou seja, significativamente inferior à média europeia. A maioria dos países da UE taxa os rendimentos das empresas em valores que vão até aos 30%, como acontece na Alemanha e na França. Num mercado único que deve assegurar a coerência das condições comerciais, podem fazer o favor de explicar tamanha diferença?
Antes da crise da dívida, a Irlanda atraía grandes multinacionais às dúzias: Facebook, Intel, Pfizer, Merck, SAP, IBM – todos acorreram à ilha das “céad míle fáilte” (cem mil boas-vindas). Tudo muito bonito, mas resultante de uma lógica no mínimo insular: quanto mais empresas se acotovelarem no país, mais o Estado pode desvelar-se em cuidados com elas. E se o governo irlandês está a planear aumentar alguns impostos, sobre os rendimentos das empresas não consta da lista.
Para Dublin, a Irlanda deve compensar algumas desvantagens competitivas impostas pela natureza – o facto de, por exemplo, não ter acesso por caminho de ferro. A sério! E desde quando é que isso complica setores como a informática e os seguros? Sem falar de que a Irlanda é a única ponte anglófona na Zona Euro, o que não é de menosprezar. Assim, caros irlandeses: continuem sinceros, felizes e solidários! J.B.

A arrogância

França  – Em meados de dezembro, o grupo nuclear francês Areva anunciou o seu projeto de eliminação de milhares de postos de trabalho. Mas os funcionários não precisam de se preocupar. "Não terá impacto, essa é a linha que o Estado impõe", apressou-se a dizer François Baroin, o ministro da Economia, após as primeiras fugas de informação sobre os cortes projetados.
E convocou imediatamente Luc Oursel, o diretor da Areva. "Não vai haver qualquer decisão que envolva considerar o emprego como uma variável ajustável, independentemente do impacto numa atividade económica global em abrandamento", frisou. Prioridade para postos de trabalho franceses, convém esclarecer.
Na França, estas afirmações não causam admiração. Fazem parte da razão de Estado, desde que Jean-Baptiste Colbert, ministro das Finanças de Luís XIV, começou a conduzir a economia com mão de ferro. Não importa que só 87% da Areva seja propriedade do Estado. Mesmo quando o fabricante de automóveis PSA Peugeot-Citroen, privado, já no limite, anunciou recentemente a supressão de postos de trabalho, Eric Besson, ministro da Indústria, foi rápido a prometer que todos os empregos franceses seriam preservados.
E Carlos Ghosn, o presidente da Renault, foi chamado à razão quando pretendeu deslocalizar uma pequena parcela da sua produção para a Turquia. Diga-se de passagem que as restrições colocadas pelo Estado à instalação de centros industriais em países emergentes são hoje uma das principais causas das dificuldades encontradas pelos empresários franceses.
É o que acontece quando o Estado se arvora em protetor da economia. Os custos de produção disparam, assim como os preços. Para evitar um declínio nas exportações, o governo reforça o seu protecionismo. Um círculo vicioso. Visto pela positiva, o governo francês compensa assim maus índices de rendibilidade. Visto por outro prisma, o Eliseu está a utilizar o seu poder sobre os grandes negócios como uma arma política.
Os políticos franceses tornam-se europeus convictos a partir do momento em que não conseguem já avançar sozinhos. Daí a criação da EADS, o primeiro grupo da indústria aeroespacial e defesa europeia. Daí o seu interesse em ver surgir uma aliança no campo da construção naval, seguindo o modelo aeronaval. Foi o ministro da Economia na época, Nicolas Sarkozy, agora Presidente da República, que impediu a Siemens de pôr o pé na Alstom, seu concorrente francês.
O mesmo Nicolas Sarkozy que, em 2004, tinha negociado a aquisição do grupo farmacêutico franco-alemã Aventis pela francesa Sanofi, dando assim origem ao terceiro maior interveniente mundial no setor. Foi também a seu pedido que foi riscada do Tratado de Lisboa a fórmula que preconizava um mercado interno "onde a concorrência é livre e não falseada". Quanto tempo a União Europeia vai aceitar tanta arrogância? K.F.

A ganância

Reino Unido – Será que os britânicos não se aperceberam do estouro? Como se o mundo financeiro não tivesse caído nos últimos três anos, acham que podem continuar a jogar ao “quem perde ganha” e a compensar as perdas da sua indústria especulando com o dinheiro dos outros. Incorrigíveis e teimosos, persistem na sua pretensa lógica de que os mercados são invulneráveis e que tanto a política como a sociedade se devem, pois, a prazo, submeter à sua lei.
Levado ao extremo neste universo equivocado, o liberalismo de John Stuart Mill e Adam Smith provocou o aparecimento na City de Londres de um sistema financeiro sem regulação efetiva, onde foram negociados os produtos financeiros mais sofisticados – derivados e títulos associados a ativos –, que foram, em grande medida, responsáveis pelo grande crash de 2008. Milhares de milhões de euros, provenientes de contas de poupança e fundos de pensões de particulares, esfumaram-se assim. E foram os banqueiros da City que foram indemnizados.
A crise da dívida soberana surge no momento em que os governos foram obrigados a socorrer os bancos. Ora de Londres apenas saem gritos de horror perante as propostas de vincular os investidores ao risco. Quanto ao imposto sobre transações financeiras avançado pelo governo alemão – provado que está que poderia pôr fim à especulação de curto prazo no mercado monetário –, foi enfaticamente apelidado de "bala de ouro na coração da City", por George Osborne, o ministro das Finanças britânico. Assim, aqueles que persistem em nadar contra a corrente seriam provavelmente mais avisados se procurassem outro lugar para se banharem. J.J.
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