Brasileiro 'bom samaritano' vira herói na China
Oliveira, de 27 anos, ganhou recompensa por dar exemplo e ajudar mulher que estava sendo roubada
07 de maio de 2012 | 21h 09
Cláudia Trevisan, Correspondente, Pequim
PEQUIM - O brasileiro Mozer Rhian Oliveira, de 27 anos,
está no centro do mais recente caso de heroísmo que levou os chineses a
questionar por que há poucos "bons samaritanos" no país. Na sexta-feira,
o gaúcho impediu que uma chinesa fosse furtada na rua, mas atraiu a
fúria do ladrão e seus comparsas, que o agrediram enquanto cerca de 50
pessoas olhavam impassíveis, sem tentar ajudá-lo.
Arquivo Pessoal
Oliveira teve a testa ferida por ladrão
Oliveira levou 15 pontos na testa e foi recompensado pelo governo com
50 mil yuans (R$ 15,2 mil), como parte da campanha oficial que tenta
inspirar os chineses a praticar boas ações. O país vive uma crise de
consciência desde outubro, quando uma menina de 2 anos, Yueyue, foi
atropelada duas vezes em Foshan e não recebeu socorro de nenhuma das 18
pessoas que passaram pelo local. A criança foi levada ao hospital depois
que uma catadora de lixo a retirou da rua e encontrou sua mãe. Mas ela
morreu alguns dias mais tarde.
Na sexta-feira à noite o brasileiro atravessava a rua na faixa de
pedestres quando viu o ladrão com a mão dentro da bolsa de uma mulher,
identificada como Zhu. Oliveira bateu nas costas do homem com seu
guarda-chuva (fechado). O ladrão reagiu e logo dois comparsas apareceram
e o atingiram no braço com a fivela de um cinto de segurança.
O gaúcho correu para a portaria do prédio onde trabalha e pela qual
passa ao menos quatro vezes ao dia. Quando se abaixou para pegar uma
placa na tentativa de se proteger, foi atingido na testa por um barra de
ferro. A cena foi assistida por várias pessoas que o conhecem, entre
elas o guarda do prédio, mas ninguém veio a seu socorro. As agressões só
terminaram quando os ladrões viram sua cabeça sangrando e fugiram.
O ato heroico transformou Oliveira em uma celebridade na cidade de
Dongguan, na província sulista de Guangdong (Cantão), que concentra a
maior comunidade de brasileiros do país, quase todos trabalhando na
indústria calçadista.
Ontem, ele recebeu a visita de 20 oficiais dos governos municipal e
provincial e foi agraciado com uma placa de honra ao mérito, além de
receber a recompensa em dinheiro. Também concedeu entrevistas à imprensa
local. "Os representantes do governo me disseram que o povo chinês deve
seguir o exemplo dos estrangeiros e também ajudar o próximo", disse
Oliveira ao Estado.
Dias depois do atropelamento da menina de 2 anos, uma uruguaia
atirou-se no Lago Oeste da cidade de Hangzhou para salvar uma chinesa
que se afogava, enquanto os turistas locais tiravam fotos da cena, sem
ajudá-la. Em março, um homem estrangeiro foi a única pessoa a socorrer
uma mulher no aeroporto de Pudong, em Xangai, depois de ela ter sido
esfaqueada pelo próprio filho.
No clima de crise moral, até atos banais como a da mulher ocidental
que ajudou um chinês caído na rua em Xian ganharam destaque na internet
chinesa. Milhões de comentários feitos online desde o caso de Yueyue
criticam omissão dos chineses diante de problemas alheios e questionam
as razões da apatia.
Alguns apontam o fato de que os "bons samaritanos" podem ser
responsabilizados pelo que vier a ocorrer com a vítima e citam o infame
precedente de uma decisão dada por um juiz na cidade de Nanquim em 2006.
O episódio envolveu um homem chamado Peng Yu, que socorreu e levou ao
hospital uma mulher idosa que havia caído na rua. Dias depois a família o
acusou de ter provocado o acidente e pediu uma indenização. O juiz
responsável pelo caso o condenou, com um argumento que justifica a
lógica da omissão: "Peng deve ser culpado. Do contrário, por que ele
estaria disposto a ajudar?". A decisão foi revista depois da enorme
indignação popular que provocou, mas Peng ainda foi obrigado a pagar 10%
das despesas hospitalares da mulher.
A escritora Lijia Zhang, autora do livro A Garota da Fábrica de
Mísseis, acredita que a indiferença tem raízes mais profundas. "Na nossa
cultura, há uma ausência de disposição de mostrar compaixão por
estranhos", escreveu em seu blog após o caso de Yueyue. "Nós somos
educados para mostrar bondade às pessoas de nossa rede de guanxi,
parentes, amigos e sócios, mas não particularmente a estranhos,
especialmente se tal bondade puder potencialmente afetar seus
interesses", ressaltou.
Os oficiais que o visitaram ontem perguntaram a Oliveira por que ele
agiu para impedir o furto. "Eu disse que sou cristão e acredito no amor
ao próximo. Além disso, gostaria que alguém ajudasse minha mãe e minha
irmã caso enfrentassem a mesma situação", afirmou.