quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Nunca imaginei que iria admirar um texto de Delfim Netto, o aliado de Lula. Mas o artigo abaixo é uma das mais lúcidas análises que já li na imprensa nacional, sempre disposta a dobrar a espinha para "o mercado"e seus profetas. Aliás, em se tratando de imprensa nacional, estamos bem, mas bem mal mesmo.



Índice geral São Paulo, quarta-feira, 18 de janeiro de 2012Opinião
Opinião
Antonio Delfim Netto

Arrogância

A atitude da agência de "rating" S&P (Standard & Poor's), que rebaixou as notas da França e da Áustria (de AAA para AA+), da Espanha (de AA- para A) e da Itália (de A para BBB+), foi claramente intempestiva pelo seguinte:

1) Há claros sinais de um entendimento político e econômico mais profundo na eurolândia, que parece ter as condições de sair de crescimento negativo para o positivo em 2012.

2) Os EUA vão crescer em torno de 2,5%, com redução do desemprego.

3) O Japão aumentará seu crescimento acima de 1%.

4) A China mostra que seguirá aterrissando suavemente.

5) Os emergentes -com exceção da China- podem crescer entre 3,5% e 4,5%.

6) A taxa de inflação mundial parece manter-se um pouco mais comportada.

Na melhor das hipóteses, parece uma tentativa de protagonismo para tentar readquirir a credibilidade perdida com os seus dramáticos erros do primeiro momento da crise mundial. Explicitou a terrível arrogância que envolve o sistema financeiro internacional, que se apropriou do poder político dos Estados e está estressando o sistema democrático.

O que mais pode significar a nota da S&P -quando nos informa que "as iniciativas tomadas recentemente por líderes europeus podem ser insuficientes para atacar problemas sistêmicos da área do euro"-, se não que os interesses que representa estão acima das leis e dos interesses dos cidadãos de cada país. E que as soluções democráticas que exigem tempo, habilidade e paciência são um estorvo?

A crise da eurolândia é complexa. A resistência do governo grego à pressão dos seus antigos cúmplices (os agentes do sistema financeiro e as próprias agências de risco), que já embolsaram as suas comissões, é apenas natural. O que não é natural é exigir que os governos que já não estão mais nas mãos que eles corromperam ignorem aquela complexidade para atender à sua impaciência.

A situação mundial apresenta os primeiros sinais de melhor perspectiva. Basta ver que o desemprego da força de trabalho civil nos EUA caiu de 10% em dezembro de 2009 para 8,5% em dezembro de 2011 e que o capital financeiro encontra, por enquanto, refúgio nos mercados emergentes.

Nas primeiras duas semanas de 2012, as Filipinas colocaram US$ 1,5 bilhão em bônus de 25 anos à taxa de 5% ao ano; a Colômbia vendeu US$1,5 bilhão em bônus de 29 anos à taxa de 4,964%; a Indonésia vendeu bônus de 30 anos a 5,375%. No Brasil, o Tesouro e o setor privado colocaram nada menos do que US$ 2,6 bilhões. E os papéis do Tesouro (US$ 850 milhões) pagaram 3,449%!

A equivocada decisão da S&P só pode trazer maior volatilidade se ela ainda tiver alguma imerecida credibilidade.

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