domingo, 29 de abril de 2012
CPI DO CACHOEIRA - Controle social é a única receita para a CPI acontecer corretamente, afirma especialista
Por Dyelle Menezes
Do Contas Abertas
Nunca antes na história desse país tantos casos de corrupção ganharam as
páginas da imprensa. Depois das inúmeras irregularidades em convênios
com entidades privadas sem fins lucrativos no ano passado, vieram à tona
denúncias que ligam o contraventor Carlinhos Cachoeira, preso na
Operação Monte Carlo da Polícia Federal, ao senador Demóstenes Torres,
aos governos de Goiás e Distrito Federal e, até mesmo, à União, por meio
da maior empreiteira de obras federais do país, a Delta Construções
S.A.
Servindo como cortina de fumaça ou não para o julgamento do Mensalão, as
denúncias levaram à criação e instalação de uma CPI no Congresso
Nacional. Para o professor de ética e filosofia na Universidade de
Campinas, Roberto Romano, a pressão social transformada em controle
social é a única receita para que essa CPI aconteça da maneira correta.
“Caso contrário, a tendência é que as denúncias caiam no esquecimento e
que o Congresso finja que realizou a CPI”, explica.
Confira a entrevista completa que o Contas Abertas realizou com o especialista.
Contas Abertas (CA) - O senhor acredita que a CPI do caso Cachoeira
poderá servir como cortina de fumaça para abafar o julgamento do
Mensalão?
Roberto Romano – No mundo político todos os estratagemas são possíveis.
Como disse o soberano Francês, Luis XI: “Quem não sabe dissimular, não
sabe governar”. Todos os eventos políticos, principalmente os que prezam
pela moralidade da coisa pública, devem ser vistos com muita atenção
pelos cidadãos e pela imprensa. Atrás da nuvem existem objetivos não
confessados.
CA – O que será mais difícil nesta CPI?
Romano – Será decifrar quais os objetivos de cada integrante da
Comissão. Além disso, entender os interesses de atores que não aparecem,
como o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, José Dirceu e até mesmo
membros do Supremo Tribunal Federal, que além do julgamento do
Mensalão, possuem acesso aos dados secretos da Polícia Federal. Ainda
precisamos considerar os empresários que desejam o afastamento da Delta
de obras e licitações do governo federal. O mais difícil nas
investigações será falar de todos os elementos, atores e alvos em jogo
nesta CPI e desvendar seus reais interesses.
CA – Como será uma CPI onde as denúncias podem atingir tanto a oposição como a base governista?
Romano – É exatamente por essa trama que a CPI do Cachoeira exige a
máxima atenção do público e da imprensa. Teremos que analisar o
comportamento dos integrantes da Comissão. O poder do relator e do
presidente da CPI é muito grande e o governo tem maioria esmagadora. Se a
oposição, que integra a Comissão de maneira reduzida, indicar
documentos, por exemplo, que possam apontar erros de aliados ou setores
do governo e isso não constar nos autos das investigações, a CPI perde a
chance de ter bons resultados e passa a ser mera dissimulação dos
envolvidos.
CA – Sabe-se como inicia uma CPI, mas nunca como acaba. Qual o
principal motivo para tal fato, na sua opinião? Onde que a legislação
falha?
Romano – O que acontece é que existem CPIs que contam com movimentos
organizados, que exigem a apuração com responsabilidade e pressionam por
punições. Foi o que aconteceu com a CPI que levou ao impeachment do
ex-presidente Fernando Collor. Naquele momento, havia o apoio, mesmo que
rachado, do PMDB e do PT a favor do impeachment. Além disso, a imprensa
e o movimento estudantil estavam mobilizados para que os resultados
aparecessem. As investigações que ocorreram depois, embora tivessem
importância, não envolveram outro ator tão emblemático e, por isso, não
chegaram a ter repercussão nacional.
CA – O senhor acredita que a sociedade possa se organizar novamente em favor de uma causa?
Romano – Atualmente, parte da sociedade está se organizando e a prova
disso são os atos de contra a corrupção que aconteceram nos quatro
cantos do país no último sábado (21). Porém, as manifestações ainda
acontecem em nível muito menor do que na época de Collor. Se a sociedade
conseguir se mobilizar é provável que alcance resultados eficazes,
assim como aconteceu com a votação do Ficha Limpa. Porém, se houver um
cochilo, se deixar o controle social sobre a CPI fracassar, os atores e
responsáveis vão “sair para o abraço”.
CA – Na sua visão, quais as consequências políticas da principal
empreiteira do maior programa do governo, o PAC, estar envolvida em
escândalos por todo o país?
Romano – Há um erro que se repete há muito tempo nas Comissões
Parlamentares do Congresso Nacional. Sempre lidamos com os corrompidos e
não com os corruptores. O caso Delta, embora assuste pela dimensão dos
negócios que se mostraram ilícitos, não é novidade. A tradição de
empreiteiras que assumem o papel de “Estado” dentro do Estado é muito
antiga. Desde Getúlio Vargas, passando por Dutra e culminando nos
governo JK e no regime militar, a construção de rodovias e até cidade
inteiras que surgiram muito rapidamente permitiram o povoamento para o
interior, fruto da ação de empreiteiras. Por isso, esse “Know-how” e
permeou para outras empresas ao longo dos anos. Esse caso deveria ser
visto na dimensão histórica, da qual a Delta não foi a primeira e não
será a última.
CA – Quais mudanças políticas poderiam ajudar no bom encaminhamento de CPIs?
Romano – A regulamentação do Lobby é elemento urgente e que está há
muito tempo nas gavetas do Congresso Nacional. O que são senadores e
deputados, se não, lobistas? Essa forma de lidar com o poder público,
defendendo interesses privados, prejudica e impede a concorrência entre
as empresas, fator fundamental no sistema capitalista. Os representantes
do povo precisam servir para aqueles que o elegeram, por isso estão no
Poder, mas não é o que acontece.
Existem lobbies praticamente inconfessáveis, como é o caso do Demóstenes
Torres com Carlinhos Cachoeira. O parlamentar era considerado uma das
principais vozes da oposição, quando, na verdade era apenas lobista de
Cachoeira. Há um sociólogo que diz que se nós fizéssemos no Congresso
como no futebol, que cada time coloca o logotipo dos patrocinadores nos
uniformes, seria mais fácil identificar as prioridades e interesses.
CA – Quais mudanças a regulamentação do lobby traria?
Romano – A partir da instituição do lobby, boa parte dos parlamentares
iria decidir se é lobista ou de fato governante e representante do povo,
se é legislador pró-governo ou oposição. O Legislativo precisa
readquirir o respeito da população, que o Executivo, nas figuras dos
últimos presidentes, conseguiu alcançar de forma histórica. Se quiser
merecer o respeito da população não pode ter representantes de
interesses privados. Agir como lobista prejudica outros investidores e
outros empresários, mas os verdadeiros prejudicados são os pagadores dos
maiores impostos do planeta: os brasileiros.
CA – Há uma pressão social para que essa CPI não acabe em pizza. O
senhor acredita que o maior controle social pode evitar que a tradição
da pizza se repita?
Romano – A pressão social transformada em controle social é a única
receita para que essa CPI aconteça da maneira correta. Caso contrário, a
tendência é que as denúncias caiam no esquecimento e que o Congresso
finja que realizou a CPI.
CA – A gama de escândalos de corrupção que vem se alastrando desde o
ano passado enfraquece o governo ou demonstra mais atitude no combate de
irregularidades?
Romano – Enfraquece o Estado brasileiro na totalidade. O prejuízo se dá
em todos os âmbitos e mostra, também, a fraqueza do governo em relação
ao combate à corrupção. A Controladoria Geral de União (CGU) faz
excelente e relevante trabalho neste sentido, mas, no caso da Delta, por
exemplo, não houve tempo, nem pessoal para cumprir o papel de
fiscalização. A empreiteira de Cavendish já poderia ter sido
desvinculada de ações governamentais desde o ano passado, quando já
constavam notificações de diversas irregularidades.
A CGU é uma instituição pequena, com poucos funcionários. Apesar de bons
resultados, ainda falha em casos como esse. É necessário que se faça a
instalação de instituições similares em todos os níveis da administração
pública para acabar com essa supercentralização nas fiscalizações da
Controladoria, que já não dá conta de controlar tudo. É preciso
ressaltar a honorabilidade do ministro Jorge Hage que tem realizado
trabalho imenso no combate à corrupção. Em situações como essa, que
abrange toda a continentalidade do Brasil, é tarefa sobre-humana exigir
tal competência da CGU.
CA – Temos 139 projetos de lei que visam o maior combate à corrupção
parados no Congresso. O senhor acredita que há certa má vontade em
relação ao tema?
Romano – Com o devido respeito ao Poder Legislativo, não podemos pedir
que a raposa tome conta do galinheiro. Não podemos esperar que apenas os
congressistas editem leis contra o roubo dos nossos ovos de ouro. Essa é
a questão essencial da democracia: a prestação de contas e
responsabilização do agente público. Nesses casos, os maiores avanços
partem do Ministério Público, dos movimentos sociais e da imprensa, que,
nos últimos meses levaram à votação do Ficha Limpa. Mesmo assim, os
parlamentares não fizeram isso de bom grado e atenuaram a Lei com
vírgulas e travessões, além de terem atrasado a decisão em pelo menos
dois anos.
CA – Qual seria a melhor solução?
Romano – Qualquer avanço para o combate à corrupção só pode vir de quem
paga impostos ou pelo Quarto Poder: a imprensa. Até o governo Collor, a
imprensa não dependia tanto de fitas gravadas pela Polícia Federal, mas
parte do jornalismo tornou-se preguiçoso. A nossa imprensa não pode
ficar presa aos alvos desconhecidos liberados pelas entidades
governamentais que também possuem vários interesses conflitantes. É
preciso que a imprensa tenha mais autonomia.