segunda-feira, 4 de junho de 2012

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Campinas, 28 de maio de 2012 a 10 de junho de 2012 – ANO 2012 – Nº 528

Cantos (e outros sons)
para todos os cantos

Projeto de biocomputação põe na rede patrimônio
de vocalizações de animais legado por Jacques Vielliard

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O relevante patrimônio de vocalizações de animais deixado pelo ornitólogo e professor da Unicamp Jacques Marie Edme Vielliard, falecido em 2010, pode, agora, ser acessado gratuitamente pela internet por pesquisadores e interessados em todo o mundo. Vocalizações são sons emitidos pelos animais para se comunicarem, como os cantos dos pássaros e baleias, os uivos dos caninos, o bramir dos elefantes e crocodilos e os ruídos dos insetos.
Antigo sonho do cientista, o acervo virtual pertence à Fonoteca Neotropical “Jacques Vielliard” (FNJV), do Instituto de Biologia (IB). Incrementada constantemente com novas gravações pelos seguidores do ornitólogo e demais estudiosos, a Fonoteca está, atualmente, entre as cinco maiores coleções sonoras do mundo. Há gravações de todos os grupos de vertebrados, como peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos, e de alguns grupos de invertebrados, como insetos e aracnídeos. Ao todo, são cerca de 40 mil vocalizações, das quais mais de 11 mil já estão digitalizadas e disponíveis no endereço http://proj.lis.ic.unicamp.br/fnjv.
O acervo virtual, que passa por processo de aprimoramento, foi viabilizado com o emprego de pesquisas de ponta na área da computação e da biologia. O projeto promete produzir efeito facilitador e multiplicador na pesquisa científica em bioacústica por meio do uso de ferramentas computacionais e conceitos relacionados à preservação, compartilhamento e enriquecimento de dados.
A coordenação é da docente Claudia Bauzer Medeiros, do Instituto de Computação (IC), e do pesquisador Luís Felipe Toledo, colaborador do Museu de Zoologia do IB e um dos curadores da Fonoteca. As três principais agências de fomento de pesquisa do país – Fapesp  (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) – estão financiando o projeto.
Claudia Medeiros explica que o sistema online permite o acesso às vocalizações e aos dados ou elementos sobre elas, entre os quais, os nomes das espécies, locais, datas e horas das gravações. Uma singularidade do projeto, de acordo com a docente, é a possibilidade do “enriquecimento destes dados”. Este enriquecimento permite que novas informações sejam geradas ao integrar os elementos das vocalizações a outras bases. Será possível, assim, atrelar os sons emitidos pelos animais a diversas variáveis do meio ambiente.
Ela esclarece que a partir dos dados já armazenados, os usuários poderão coletar informações adicionais, disponíveis, por exemplo, nos portais da Nasa (National Aeronautics and Space Administration), Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Deste modo, os dados das vocalizações podem ser relacionados com a temperatura da época em que foi gravado determinado som, com a velocidade do vento daquele momento e com uma série de elementos climatológicos associados àquela época.
Essas informações serão primordiais para futuras pesquisas na área da bioacústica e biodiversidade porque, essencialmente, as espécies são influenciadas pelos fatores climáticos, complementa o pesquisador Felipe Toledo. “Há bichos que só cantam se estiver chovendo. Mas só sabemos isso a posteriori, ou seja, depois da observação. Se não temos estes dados fica difícil inferir qualquer análise. Muitos bichos param de cantar enquanto está ventando muito. Até terremoto estimula a vocalização de animais, como é o caso dos elefantes. Com as novas ferramentas, conseguiremos desenvolver pesquisas e saber mais sobre a história de vida das espécies”, exemplifica o cientista. “Para pesquisadores interessados no efeito do clima sobre o comportamento animal isso será muito importante. Eventualmente, eles nem precisarão ir a campo para coletar os dados que já estarão disponíveis aqui na coleção. Isso facilita, agiliza e potencializa a pesquisa científica”, prevê Felipe Toledo.
Estudos sobre a comunicação sonora dos animais são imprescindíveis para a preservação da biodiversidade. O biólogo da Unicamp explica que, conforme a ciência desvenda aspectos do comportamento dos animais, criam-se cada vez mais condições para propor ações no sentido de preservá-los. “Temos em nosso acervo gravações de pássaros muito comuns em nosso entorno, como os pardais, mas também de bichos raros, que poucas pessoas conseguiram gravar. É o caso de uma onça parda gravada na natureza. Em muitos dos nossos registros antigos, talvez não se encontre mais o bicho naquela localidade em que o seu som foi gravado devido à devastação do meio ambiente”, expõe.
E-Science
De acordo com Claudia Medeiros há muitos estudos de fronteira envolvidos no desenvolvimento do sistema online. “A Unicamp está sendo mais uma vez pioneira com esta iniciativa, pelas características inovadoras do sistema, talvez o primeiro no mundo a se preocupar com alguns tipos de enriquecimento de dados. Na verdade, a disponibilização digital do acervo já era prevista pelo professor Vielliard, mas o projeto está acrescentando funcionalidades muito além do que ele imaginava. A digitalização é extremamente importante, inclusive para efeito de preservação das gravações que foram feitas. E, agora, nós não só estamos disponibilizando o acervo digital, mas criando e oferecendo métodos relacionados ao que chamamos de e-Science”, revela.
O termo empregado pela docente refere-se à utilização de pesquisas em computação para a obtenção de resultados científicos aplicados a outras áreas do conhecimento. “Na e-Science pesquisadores da computação realizam investigações para ajudar cientistas de outras áreas a desenvolverem suas pesquisas de forma melhor, mais rápida ou mais eficiente e até diferente. Ao mesmo tempo, a pesquisa em computação é acelerada pelos desafios apresentados na colaboração com outros cientistas. Um dos aspectos chaves em e-Science é o compartilhamento, porque compartilhando dados, outras pessoas, de outras áreas, vão poder fazer usos nunca esperados”, conceitua a docente, que coordena no IC o Laboratório de Sistemas de Informação.
Aprimoramentos
Para se chegar ao sistema atual foram quase dois anos de pesquisas conduzidas pelo doutorando do IC Daniel Cintra Cugler, bolsista Fapesp orientado por Claudia Medeiros. Na World Wide Web (www) há oito meses para testes, o acervo virtual já foi acessado por pesquisadores de mais de 40 países. Há versões para o português, inglês e o francês - a língua materna de Vielliard.
A pesquisa para o desenvolvimento do acervo online já gerou dois artigos científicos. “Organizar todos os dados para que pudéssemos desenvolver pesquisa em computação foi o primeiro passo do nosso trabalho. Agora, nós estamos focados no enriquecimento destes dados. Nosso objetivo é cada vez mais aprimorar as funções oferecidas pelo sistema”, afirma Cugler.
O pesquisador garante que estarão disponíveis, até o final deste ano, novas ferramentas para permitir o enriquecimento e a integração dos dados. Conforme Cugler, por enquanto, o sistema permite o acesso às informações sobre o acervo a qualquer pessoa. Além disso, pesquisadores e demais interessados podem também solicitar aos curadores, via formulário eletrônico, os sons digitalizados. É possível ainda fazer o depósito de novas vocalizações.
Para o público não especializado em ciência, mas interessado nas vocalizações, há amostras de gravações disponíveis, como a do sabiá-laranjeira, nome popular da espécie Turdus rufiventris. Gravado por Vielliard, o pássaro é um dos mais conhecidos do Brasil, identificado pela cor de ferrugem do ventre e por seu canto melodioso durante o período reprodutivo.
Rigor
O procedimento de impedir o acesso direto às vocalizações, de certo modo restritivo, é um rigor que certamente seria elogiado por Vielliard. A pesquisadora e gerente técnica da Fonoteca, Milena Corbo, lembra que essa era umas das grandes preocupações do professor. Corbo trabalhou com o ornitólogo por cerca de seis anos, sendo, inclusive orientada por ele na sua pesquisa de mestrado.
No momento, ela é a responsável pelo trabalho meticuloso de converter as gravações analógicas para o formato digital, atividade que desenvolve desde o final de 2007. “Tudo que tem sido feito era uma vontade do Jacques. Esse desejo dele está acontecendo até com muito mais incremento do que ele esperava. Isso é muito importante porque era sua vontade disponibilizar este rico material, porém com certa restrição. Ele não gostaria de ver o seu acervo sendo usado indiscriminadamente, sobretudo para fins comerciais”, lembra.

Publicações
- Cugler D. C., Medeiros C. B., Toledo L. F. Managing animal sounds - some challenges and research directions in Proceedings V eScience Workshop - XXXI Brazilian Computer Society Conference, 2011.
- Cugler D. C., Medeiros C. B., Toledo L. F. An architecture for retrieval of animal sound recordings based on context variables in Concurrency and computation: practice and experience.