Em novembro de 2011, a Folha revelou relatos de detentas que davam à luz algemadas no Estado de São Paulo. À época, o governo paulista negou o uso de algemas durante o parto ou depois dele. Segundo resolução da ONU de 2010, da qual o Brasil participou da redação, é vedado o uso de instrumentos de contenção no trabalho de parto, durante o parto ou depois. No caso de Elisângela, as autoridades dizem que ela foi algemada no dia seguinte ao parto após morder a mão direita de uma agente penitenciária que fazia a escolta. Depois de ser liberada do hospital na segunda, Elisângela voltou ao presídio e sua filha ficou na UTI neonatal por ter nascido com sífilis. Ontem, ao atender pedido de liberdade provisória da defensora pública Tatiana Mendes Simões, que cuida do caso de Elisângela, o juiz Marcos Alexandre Coelho Zilli determinou a liberação da presa, que passará a responder ao processo em liberdade. A Defensoria Pública, o Grupo Tortura Nunca Mais e o MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos) pediram investigação do caso. "Temos inúmeros relatos sobre o uso de algemas. Mas esse caso é concreto. O vídeo prova tudo. Isso pode se enquadrar em crimes de abuso de autoridade, agressão ou até tortura", diz Carmen Silvia de Moraes Barros, do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria. |
Restrições ao uso de algemas
JUSTIÇA
Uma súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal diz que o uso de algemas em qualquer tipo de preso deve ser excepcional e fundamentado
Uma súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal diz que o uso de algemas em qualquer tipo de preso deve ser excepcional e fundamentado
MEDICINA
O Conselho Regional de Medicina de SP afirma que a algema não pode ser usada, porque, no momento do parto, a mulher não apresenta risco de fuga. Após o parto, o ideal é que a mãe seja apenas acompanhada por uma escolta feminina -a algema deve ser o último recurso
O Conselho Regional de Medicina de SP afirma que a algema não pode ser usada, porque, no momento do parto, a mulher não apresenta risco de fuga. Após o parto, o ideal é que a mãe seja apenas acompanhada por uma escolta feminina -a algema deve ser o último recurso
DIREITOS HUMANOS
Documento da ONU intitulado "Regras Mínimas para Tratamento da Mulher Presa" condena o uso de qualquer instrumento de contenção na mãe durante e após o trabalho de parto
Documento da ONU intitulado "Regras Mínimas para Tratamento da Mulher Presa" condena o uso de qualquer instrumento de contenção na mãe durante e após o trabalho de parto
POLÍTICA PRISIONAL
A Constituição do Estado de São Paulo afirma, no artigo 143, que a legislação penitenciária assegurará o respeito às regras da ONU
A Constituição do Estado de São Paulo afirma, no artigo 143, que a legislação penitenciária assegurará o respeito às regras da ONU
Outro lado
Caso é exceção, diz secretário do governador
DE SÃO PAULO
"O uso da algema em situações como a dessa moça [Elisângela] é uma
exceção. Não faz parte da nossa política carcerária algemar as mulheres
durante ou no pós-parto", afirmou ontem Lourival Gomes, secretário
estadual da Administração Penitenciária.
Para o auxiliar do governador Geraldo Alckmin (PSDB), Elisângela foi algemada pois precisava ser contida.
"As algemas foram utilizadas só depois de ela ter mordido uma agente
penitenciária que a acompanhava no hospital. Ela estava agressiva e
colocava em risco a própria integridade e a de quem a atendia", afirmou
Gomes.
De acordo com o boletim de ocorrência nº 424/2012, da Delegacia de
Francisco Morato, além da agressão física, Elisângela também xingou a
agente penitenciária.
A Secretaria de Estado da Saúde, responsável pelo hospital onde
Elisângela deu à luz, informou em nota, num primeiro momento, que
"eventuais medidas de segurança são definidas pelos agentes
penitenciários que acompanham as pacientes, caso entendam que haja risco
à integridade da equipe que irá prestar o atendimento".
A Folha, então, informou a pasta sobre a resolução da ONU que
veda o uso de algemas no pós-parto. A secretaria manteve a posição: o
agente penitenciário é quem decide pela algema. Em entrevista dada em
novembro de 2011, o secretário da Administração Penitenciária disse:
"Quando se chega ao hospital com uma presa, quem vai dizer o que fazer é
o médico". (AC)