Sede de antiga colônia nazista será demolida
Pesquisador defende conservação de imóvel no interior que também abrigou órfãos escravos
08 de abril de 2012 | 3h 02
JOSÉ MARIA TOMAZELA, SOROCABA - O Estado de S.Paulo
As construções remanescentes de uma colônia nazista que
funcionou na década de 1930 na Fazenda Cruzeiro do Sul, em Paranapanema,
a 260 km de São Paulo, serão destruídas. O novo proprietário decidiu
limpar as terras para facilitar o cultivo de cana-de-açúcar. Está
prevista a derrubada dos prédios das oficinas, da cocheira e da pequena
igreja. A antiga piscina de alvenaria será soterrada.
Divulgação
Prédios de tijolos com suástica darão lugar à plantação de cana-de-açúcar
Os tijolos usados nas construções trazem impressa a suástica, símbolo
do nazismo de Adolf Hitler. O antigo proprietário da fazenda, José
Ricardo Rosa Maciel, e sua mulher, Senhorinha, contaram que o comprador
consultou os órgãos do patrimônio histórico antes de fechar o negócio
para se certificar de que as construções não são tombadas.
Como a venda foi feita com cláusula de confidencialidade, eles não
revelaram o nome do novo dono. "Ele vai arrendar as terras para o
plantio de cana mecanizado, por isso precisa do terreno desimpedido",
disse a mulher. A prefeitura de Paranapanema informou que as terras são
particulares e o município não tem condições de desapropriá-las, apesar
do interesse cultural.
A fazenda foi comprada no início do século passado por Luis Rocha de
Miranda, simpatizante do movimento fascista Ação Integralista Brasileira
(AIB). A propriedade tinha geradores de energia elétrica, pista de
pouso cimentada, uma estação de trens particular e silos aéreos
importados dos Estados Unidos.
Segundo o pesquisador Sidney Aguilar Filho, professor da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), a fazenda foi palco de um esquema
escravista nos anos 1930. Os irmãos Rocha Miranda trouxeram 50 meninos
do orfanato Romão Duarte, do Rio de Janeiro, poucos meses depois de
Hitler ter tomado o poder na Alemanha, em 1933. Os garotos tiveram os
nomes trocados por números e seriam obrigados a aderir a ritos nazistas.
Com o fim da AIB após a instalação do Estado Novo por Getúlio Vargas,
em 1937, as crianças foram libertadas e as marcas do nazismo no local
foram suprimidas. Nos anos 1960, a fazenda foi adquirida pelo alemão
Amdt Von Bohlen und Halbach, servindo como local de férias para a
família, mas acabou vendida anos depois. Os tijolos com a suástica foram
descobertos anos mais tarde por Maciel, que adquiriu a propriedade,
quando demolia uma granja de porcos.
Aguilar Filho transformou as pesquisas feitas no local na tese
Educação, autoritarismo e eugenia - Exploração do trabalho e violência à
infância no Brasil (1930-1945). Ele disse que será "uma calamidade" se a
demolição ocorrer. "É um patrimônio público, seja ou não reconhecido
pelo Estado. O que aconteceu ali é uma história inconveniente, mas que
precisa ser contada." Segundo ele, a pesquisa sobre a célula nazista e a
história dos meninos escravos não está completa. "Ainda há muito a ser
contado sobre as relações do Estado brasileiro com o regime nazista."
Estudo. A tese de Aguilar Filho analisa aspectos da
educação brasileira entre 1930 e 1945 a partir de relatos de vida de 50
meninos "órfãos ou abandonados" sob guarda do Juizado de Menores do
Distrito Federal. Eles foram retirados do Educandário Romão de Mattos
Duarte, da Irmandade de Misericórdia do Rio de Janeiro, e levados a uma
propriedade no interior de São Paulo - a Fazenda Cruzeiro do Sul.
A transferência dessas crianças de 9 a 11 anos foi respaldada pelo
Código do Menor de 1927. Por uma década, as crianças foram submetidas a
uma educação baseada em longas jornadas de trabalho agrícola e pecuário
sem remuneração. Foram submetidas a cárcere, castigos físicos e
constrangimentos morais em fazendas de integrantes da cúpula da Ação
Integralista Brasileira, simpatizantes do nazismo.