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Baixar versão em PDF Campinas, 26 de novembro de 2012 a 02 de dezembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 547Os pequenos pagam a conta
Tese analisa implicações do combate à bactéria que destrói laranjais em São Paulo
Em
meados deste ano, destacou-se no noticiário a crise enfrentada pelos
produtores de laranja do interior do Estado de São Paulo. Por falta de
compradores, as frutas apodreceram nos pés e parte delas foi distribuída
à população. A grande safra e o excesso dos estoques acumulados nas
indústrias em decorrência das sanções comerciais impostas pelos EUA à
compra do suco brasileiro, devido à utilização do agrotóxico
carbendazim, determinaram o não cumprimento dos contratos estabelecidos
entre as empresas processadoras de suco e produtores que buscaram apoio
governamental. Reunidos em Taquaritinga (SP), produtores vindos das
cidades paulistas de Itápolis, Ibitinga, Bebedouro, Matão, Araraquara e
Catanduva reivindicaram do governo estadual medidas que estimulassem o
consumo do suco e garantissem a venda da fruta. Decididos a partir para
outros cultivos, citricultores em protesto derrubaram em plena safra
centenas de árvores.
A cultura da
laranja tem particular importância econômica e social no país,
particularmente no Estado de São Paulo, onde está concentrada, pelo
volume de gente que emprega na colheita e no processamento industrial.
Líder mundial, o Brasil contribuiu com cerca de 25% da produção entre
2011 e 2012, destinando 80% dela à industrialização do suco concentrado e
congelado para atender principalmente as demandas dos EUA, da Europa e
Ásia, e destinando 20% do restante para o consumo interno in natura.
As
manifestações dos citricultores trazem à tona apenas alguns dos
problemas que afetam a complexa cadeia produtiva global do suco de
laranja que envolve diferentes atores nacionais e internacionais. Com o
objetivo de apresentar os principais atores da cadeia produtiva do suco
de laranja no Brasil e as relações estabelecidas entre eles, Gabriela
da Rocha Barbosa, graduada em administração e com mestrado em engenharia
de produção, deteve-se no estudo das controvérsias que permeiam a
produção de laranja no Estado de São Paulo, a partir do exame das
tecnologias de combate ao Huanglongbing ou greening, doença que ataca os
laranjais, causada por bactéria e transmutada por inseto. A doença
espalhou-se em 2004 e atingiu o ápice em 2009. As soluções até agora
adotadas para seu controle se mostram pouco exitosas.
Os
embates e as negociações em torno das formas de combate à doença
constituem o estudo de caso central da tese apresentada no Programa de
Pós Graduação em Política Científica e Tecnológica, do Instituto de
Geociências (IG) da Unicamp, orientada pela socióloga e professora Leda
Gitahy. A pesquisa buscou entender o processo de transformação na cadeia
produtiva no Estado a partir de mudanças tecnológicas introduzidas no
setor produtor com vistas ao combate de doenças na lavoura citrícola, ao
longo dos anos 2000, analisando as controvérsias e as relações de poder
presentes no processo de apropriação dessas tecnologias.
A
professora Leda lembra que, desde o início do século XX, a atividade de
pesquisa, desenvolvimento de tecnologias e de técnicas de produção na
citricultura estão voltados para o combate a pragas que atacam os
laranjais, configurando um histórico de doenças combatidas e
controladas, histórico esse recuperado em um dos capítulos da tese.
No
caso do greening, não existe consenso entre os vários atores envolvidos
na cadeia produtiva da laranja sobre as medidas a serem adotadas no
combate à doença, mesmo em nível internacional. O controle envolve
inspeção e erradicação de plantas, além da aplicação de inseticidas. No
Brasil, o problema se agrava porque os pequenos e médios produtores não
conseguem cobrir os custos decorrentes da adoção de tais medidas, o que
os leva a abandonar o seu cumprimento, agravando a expansão da doença.
O trabalho
O
trabalho combinou a utilização de duas abordagens teóricas distintas, o
estudo de cadeias globais de mercadorias e a teoria ator-rede e
valeu-se da análise de dados empíricos obtidos a partir de pesquisa de
campo e entrevistas realizadas com diferentes tipos de produtores rurais
de laranja, representantes de sindicatos de produtores e de
instituições de pesquisa.
A cadeia
produtiva estudada é composta por fornecedores de insumos e de bens de
capital; fazendas de produção de laranja; indústrias de suco e de
bebidas; trabalhadores; e varejo e consumidor. “Esses componentes
interagem com o papel desempenhado pelas tecnologias, o Estado e as
estratégias industriais adotadas no setor, sendo que as relações de
autoridade e poder (governança) é que determinam como esses elementos
são alocados e fluem na cadeia”, esclarece a autora.
Gabriela
considera que foi possível constatar que as políticas fitossanitárias
de combate ao greening, divulgadas pelos órgãos públicos e entidades
representativas do setor, não conseguiram conter o avanço da doença, por
circunscreverem o controle a questões técnicas, sem considerar os
conflitos e as assimetrias de poder existentes.
Explica
que, apesar das técnicas de controle da doença apresentarem sinais de
esgotamento, medidas alternativas de controle esbarram nas exigências
competitivas determinadas pela estrutura de governança da cadeia,
gerando o avanço do greening e, em consequência, crescente emprego de
tecnificação com vistas ao enfrentamento do problema, que inviabiliza
cada vez mais a permanência no setor de produtores de menor porte, face
ao aumento de custos.
Duas questões
principais orientaram o trabalho de Gabriela: entender o conjunto de
transformações que a partir dos anos 2000 apontam mudanças na
configuração da cadeia produtiva e como os problemas fitossanitários se
relacionam com elas. Entre essas transformações, ela menciona a
progressiva concentração produtiva, crescente tecnificação dos
processos, migração geográfica da produção, adoção de novas formas de
uso do trabalho rural e de negociações das relações contratuais na
cadeia produtiva.
Entre
as técnicas analisadas, estão os defensivos químicos e biológicos; as
técnicas de produção agrícola; as técnicas de produção de mudas
resistentes a pragas e doenças. Entre os atores considerou
particularmente produtores rurais e de mudas; indústrias processadoras
de suco; produtoras de agrotóxicos e fertilizantes; centros de pesquisa e
laboratórios; Secretaria da Agricultura do Estado; engenheiros
agrônomos e biólogos.
A professora
Leda afirma que o trabalho ressalta como novos segmentos vão surgindo na
cadeia produtiva, como se delineia nela a mudança na divisão do
trabalho e como as controvérsias em torno das tecnologias de combate a
doenças modificam as relações entre os atores dessa cadeia produtiva.
Considera que isso foi possível analisando toda a cadeia, da produção da
muda ao suco que chega ao supermercado, o que leva às relações com
países compradores e permite distinguir os papéis exercidos pelos mais
diferentes atores.
Gabriela enfatiza
que o foco do trabalho foi o produtor, pois o objetivo era investigar as
transformações nas tecnologias de produção de laranja. Ela destaca que,
como a maior parte da produção de laranja é transformada em suco
concentrado e congelado destinado à exportação para consumo no varejo,
são as empresas que operam nele e os consumidores que acabam
determinando a organização da cadeia produtiva no Brasil.
A
pesquisadora observa ainda que já se verifica o aumento da tendência
para o consumo de suco com selo de certificação socioambiental,
decorrente da preocupação cada vez maior do consumidor em relação ao
processo de produção, seus impactos ambientais e sociais. Essa
tendência à certificação do produto também obriga o citricultor a
constantes mudanças nos processos de produção.
Entre
varejistas e produtores, situam-se as poucas indústrias de
processamento que detêm mais de 70% da produção do suco e que compram a
laranja dos pequenos produtores, gerando desde os anos 90 grandes
conflitos em relação ao preço pago pela fruta. Esses grandes
compradores determinam o preço da fruta, que segundo os citricultores
não cobre o custo da produção e a forma de produzi-la, além do que
mantêm pomares que os tornam cada vez mais independentes. Esta situação é
agravada pela doença, que aumenta os custos de produção, seja pela
inspeção dos pomares e pulverização constante, seja pela necessidade de
erradicação das árvores comprometidas. Alguns pequenos citricultores se
negam a adotar essas medidas, o que os leva a usar produtos alternativos
para maquiar os sintomas da doença.
Preços
de mercado insatisfatórios, associados a suspeitas de formação de um
cartel denunciado pela associação dos produtores, e custos de produção
cada vez maiores, decorrentes das exigências fitossanitárias,
inviabilizam os citricultores de pequeno e médio porte, que acabam
pagando a conta já que não existe uma política de apoio da Secretaria da
Agricultura do Estado para cobertura de parte dos gastos de manejo.
Para a professora Leda, “as disputas de governança dessa cadeia produtiva decorrem da indefinição sobre quem paga a conta e da disputa para levar mais, vencida invariavelmente pelos grandes compradores. O aumento constante da tecnificação faz com que cada vez mais produtores passem para outras culturas. Esses conflitos são mostrados na tese”.
Para a professora Leda, “as disputas de governança dessa cadeia produtiva decorrem da indefinição sobre quem paga a conta e da disputa para levar mais, vencida invariavelmente pelos grandes compradores. O aumento constante da tecnificação faz com que cada vez mais produtores passem para outras culturas. Esses conflitos são mostrados na tese”.
Decorrências
Ao
final do trabalho, Gabriela conclui que a produção de laranja no Estado
de São Paulo está em processo de transformação, impulsionada pela
adoção de novas tecnologias e de inovações na organização da produção.
Entre as principais mudanças tecnológicas e organizacionais, ela cita as
adoções de pomares adensados; de sistemas de irrigação; de poda;
mudanças no trato fitossanitário; e inovações no sistema de inspeção de
pragas.
As soluções técnicas visam
minimizar os problemas causados pelo controle de doenças, o que evitaria
a perda de plantas decorrentes de constantes erradicações, redução de
custos e diminuição de danos ambientais a partir da redução do emprego
de fertilizantes e agrotóxicos. A autora defende a reorganização da
cadeia produtiva quanto aos processos de produção como o emprego de
novas tecnologias para o combate à doença.
Considera
preocupante a diminuição do número de pequenos produtores e a ausência
de alternativas que viabilizem sua permanência no setor. Espera que o
trabalho possa contribuir para a formulação de políticas fitossanitárias
que cumpram objetivos técnicos, sociais, ecológicos.
A
professora Leda conclui: “Gabriela conseguiu juntar as relações
econômicas e sociais utilizando o enfoque na tecnologia. Ela montou um
quadro com base nas cadeias produtivas e conseguiu apresentar os
conjuntos de problemas e tendências envolvidos”.
Publicação
Tese: “Tecnologias em combate: tradução e controvérsias na produção de laranja no Estado de São Paulo”
Autora: Gabriela da Rocha Barbosa
Orientadora: Leda Gitahy
Unidade: Instituto de Geociências (IG)
Autora: Gabriela da Rocha Barbosa
Orientadora: Leda Gitahy
Unidade: Instituto de Geociências (IG)