sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Falta um, ou muitos, para o Brasil....


Quinta-feira, 15 de Novembro de 2012

Dicionário de Ideias Feitas


 
Com o enorme  prazer de sempre e, por outro lado, com respaldo em Eça, “penetrado de reconhecimento como cidadão e como português”, transcrevo mais este texto do académico Eugénio Lisboa, publicado no Jornal de Letras de ontem:

Já no passado remoto, inspirado, descarada e livremente, no Dictionnaire des Idées Reçues, de Flaubert, publiquei, no JL, um Dicionário de Ideias Feitas, aplicado à realidade local. Serviu, entre outras coisas, para verificar que o sentido de humor não é o forte de muitos portugueses. Alguns não perceberam. Outros zangaram-se. Nem deram por que um dos alvos era eu próprio. Paciência.

Esse Dicionário está hoje muito desactualizado, sobretudo porque ninguém previa o buraco negro em que nos iríamos ver metidos. Aqui vão pois algumas adendas às ideias feitas então. Não sigo a ordem alfabética: vão as entradas à balda, num mundo também à balda.

Estabilidade – Muito necessária. Sem ela o país vai para o galheiro. E bico calado. O Senhor Cardeal Patriarca é contra o desassossego.

Paulo Portas – Muito patriota. Sempre a pensar no País e no Estado. Contradiz-se, a bem de ambos. O País, primeiro. Postura impecável, até severa, mesmo ao lado de garotada como o Passos e o Relvas. Não esquecer o Panteão. Sabe-se lá!

Miguel Relvas – Campeão de maratonas universitárias. Espertíssimo, mas pouco carácter. Não se pode ter tudo. Prestável para amigos de várias latitudes, sobretudo, de algumas. Finge acreditar que o Passos é Primeiro Ministro. É gozadíssimo, mas não se morre disso. Como as “sempre noivas”, é o eterno “que vai ser remodelado”. Sim, porque será que o Passos não o manda embora? (Fazer um ar sibilinamente entendido).

Vitor Gaspar – Sempre com olheiras muito pisadas: trabalha como o caraças. Fala mui-to de-vagar – e com as sílabas todas e até mais algumas – mas é difícil segui-lo, porque, em vez do Português, usa o Volapuque (aprendido com o Minotauro do Jorge de Sena). Agradece tudo, mesmo as perguntas impertinentes e agressivas. Educadíssimo. Patriota. Falha todas as previsões, mas, também, a situação é o caraças. Competentíssimo: o Borges garante-o.

Euro – Moeda misteriosíssima, com poderes difíceis de decifrar. Ficar nele é terrível, mas sair dele é muito pior. O Gaspar que explique (se possível, em Português).

Troika – Agrupamento destinado ao emagrecimento financeiro de países muito próximos do Mediterrâneo. Em Portugal, constituído por um careca, um etíope e um alemão. Falam pouco e não riem. Quanto mais um país se enterra, melhores notas dão. Não perguntar porquê: estranhos são os desígnios de Deus, perdão, da Troika.

Impostos – O que o governo sabe fazer melhor. Curam qualquer maleita. Mais desempregados? Mais impostos. Défice pior? Mais impostos. Défice melhor? Mais impostos. É uma chave que abre todas as fechaduras.

Poupar – O que todo o português deve fazer, mesmo que não tenha dinheiro, sobretudo quando não tenha dinheiro. É difícil de explicar, mas, em Volapuque, fica claríssimo.

Piegas – Aquilo que os Portugueses são, segundo o Evangelho do Passos. Sempre na choradeira, só porque estão desempregados e tesos. Não percebem que só assim – com muita fominha e pouca roupa – a Pátria se salva. Se não estão contentes, emigrem. Bom proveito lhes faça!

Pátria – Palavra que os ministros, sobretudo o Primeiro, devem usar, com muita unção, quando estão entalados. Em casa onde não há pão, a Pátria tem sempre razão.

Samuel Johnson – Citá-lo, para chatear os “patriotas”: “Quando oiço alguém citar a palavra ‘pátria’, fico logo a saber que está ali um safardana” (tradução livre de Eugénio Lisboa).

Desempregado – Estado normal de quem é português. Há alguns que, só para arreliar, estão empregados. O PM não gosta nem de uns nem de outros, por isso, taxa os dois: uns por estarem empregados, os outros por estarem desempregados. Vá-se lá perceber isto.

Funcionários públicos – O ódio de estimação do PM e do António Borges. São demais. Ganham demais (ganham mesmo mais do que o Nogueira Leite, o Mexia ou o Jardim Gonçalves). É um escândalo. É preciso cortar, nos vencimentos deles, à bruta, aconselha o Borges, que só arrecada perto de 30000 dele, por mês (fora uns trocos, aqui e ali).

Pensionistas e Reformados – O pior de tudo. Nunca mais morrem. Anda a gente a trabalhar para os sustentar. É deixar que as pensões se degradem dez anos de enfiada e, depois, malhar nelas: aumentar muito o IRS, amandar-lhes com uma sobretaxa de 4% e fazer ainda um corte entre 3.5 % e 10 %. Que é para saberem! Nem assim o Dr. Borges fica satisfeito. Corja de mandriões: sentados em bancos de jardim a olharem para o ontem... Nunca mais se mete na maldita Constituição o direito patriótico de os eliminar!

Futuro – Se deixarmos de gastar, de comer, de beber, de ler, de ir ao cinema, de vestir, de conversar, de tomar aspirina quando nos dói um dente, de respirar, o futuro afigura-se brilhante. É preciso é perseverar, custe o que custar.

Empresas – As pequenas abrem falência. As grandes servem para irem para lá os ex-ministros, depois de terem exigido ao povo os sacrifícios tão necessários à maior vitalidade dessas empresas e também da pátria. O sacrifício dos pobres é a riqueza dos ex-ministros. É aquilo a que Pascal chamava “fazer um bom uso das doenças”. A nossa doença – a pobreza – vai ser, num futuro breve, a saúde florescente do Passos e do Relvas. Bem está o que bem acaba.

Finanças públicas – Não há.

Orçamento – Rascunho mal amanhado e efémero, com duas “colunas”: uma de “despesa”, outra, de “receita”. A despesa, não se sabe bem porquê, é sempre maior do que a receita e esta tem uma grande tendência a ser inferior ao previsto. Mas há ministros (sobre o olheirento) que insistem, para lá de toda a razão, em torná-las iguais. É esta teimosia que dá cabo da paz social. Sobretudo porque os ministros gostam de igualizar a receita e a despesa, aumentando a primeira, por via de irem sempre ao mesmo sítio. E o sítio não gosta de tanta visita.

Economista – As suas previsões quase nunca dão certas, mas, retrospectivamente, acertam sempre. Não serve para grande coisa, mas é muito bem pago. Quanto menos acerta, mais necessário se torna e mais cresce a sua reputação e o seu salário (em Volapuque, percebe-se melhor). Dar conselhos ignominiosos aumenta muito a sua visibilidade e preço. Na Economia nada é cartesiano. Dois e dois pode somar quatro, mas depende de muita coisa. É só para iniciados (e convém que falem Volapuque). Dizer que o país precisa deles: todos não são demais. Que é uma ciência, cujos resultados têm, normalmente, uma margem de erro de mais ou menos 3000 por cento. É assim porque há muitos factores a ter em conta. E há sempre um ou dois que, por qualquer razão, não foram metidos no computador. A solução é aumentar os impostos e o salário dos economistas responsáveis pelo lapso. Parece muito difícil de perceber, mas tente traduzir para Volapuque.

Que fazer? – Não há outra via. Perseverar ou mesmo reforçar, no mesmo sentido. Aguentar. Apertar o cinto.

Portugal, daqui a cinco anos – Antigo país da Península Ibérica, que morreu à míngua, de excesso...de cortes! (Ver Mário de Sá-Carneiro – “Morro à míngua, de excesso...” -, que já previa isto e, por isso, se suicidou, o maganão!).

Pronto! Desculpa Flaubert, lá do assento etéreo, onde repousas, a mediocridade do meu Dicionário, se comparado com o teu. Cada um faz como sabe e pode. Ou, como cantava o Eça:

“Pilriteiro que dás pilritos,

porque não dás tu coisa boa?

Cada um dá o que pode,

conforme a sua pessoa”.