Distribuição de terras patina e reforma agrária pode ter seu pior ano desde 1995
Número de famílias atendidas até o terceiro trimestre já é o mais baixo dos últimos dez anos; governo da presidente Dilma Rousseff, que diz dar prioridade à requalificação de assentamentos antigos, já havia registrado recorde negativo no ano passado
18 de novembro de 2012 | 22h 56
Roldão Arruda - O Estado de S. Paulo
A reforma agrária está patinando no governo da
presidente Dilma Rousseff. O sinal mais evidente está nos números
acumulados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra). Segundo o último dado sobre assentamentos disponível no órgão,
com data de 16 de novembro, o governo assentou 10.815 famílias neste
ano. É a taxa mais baixa registrada neste mesmo período em dez anos e
representa apenas 36% da meta estabelecida para 2012, de 30 mil
famílias.
A menos que haja uma dramática alteração no ritmo de assentamentos
nos próximos dias, a marca de assentamentos deste ano corre o risco de
ficar atrás da registrada em 2011 - a pior dos últimos 16 anos, com
21.933 famílias beneficiadas pela reforma agrária. Nos dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
(PSDB), a quem o PT acusava de menosprezar a reforma agrária, a marca
mais baixa foi de 42.912 assentamentos - foi em 1995, primeiro ano de
governo. Neste ano, o Incra parece ter engatado a marcha lenta. Do total de R$
3 bilhões destinados neste ano àquela instituição no Orçamento da
União, só 50% foram liquidados até agora, segundo informações do Siga
Brasil - sistema de acompanhamento de execução orçamentária do Senado.
No caso específico da verba para aquisição de terras para a reforma
agrária, o resultado é mais desalentador: até a semana passada haviam
sido autorizados gastos de 41% do total de R$ 426,6 milhões desta
rubrica.
Reação no PT. O problema preocupa o PT, o
partido da presidente. Na semana passada, o deputado Valmir Assunção
(BA), coordenador do Núcleo Agrário do PT na Câmara, ocupou a tribuna
daquela Casa para fazer um alerta, como ele definiu: “Alertamos ao
governo e à sociedade brasileira da paralisação da reforma agrária no
Brasil, com a diminuição, cada vez mais visível, da obtenção de terras
para novos assentamentos”. O deputado chegou a propor a formação de uma
força tarefa nacional, para evitar um resultado igual ou pior do que o
de 2011. “Ou fazemos isso ou, mais uma vez, amarguraremos um pior índice
de reforma agrária”, afirmou.
No Movimento dos Sem Terra (MST), o maior do País e
historicamente próximo do PT, a insatisfação é crescente. “Estamos
insatisfeitos e decepcionados. O governo Dilma abandonou completamente o
projeto da reforma agrária”, diz Alexandre Conceição, integrante da
coordenação nacional e porta-voz do movimento.
O diálogo dos movimentos sociais com o governo, segundo o
líder dos sem terra, piorou desde que Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
deixou a Presidência da República em 2010. “Já tentamos de todas as
maneiras dialogar com esse governo, já tomamos muita água e muito
cafezinho, mas não conseguimos nada porque o núcleo central do governo
não quer saber da reforma. Daqui para a frente, vamos partir para o
conflito com o latifúndio. Estamos preparando grandes jornadas de luta
para o ano que vem”, afirma Conceição.
O MST também critica a estratégia do governo de fortalecer os
assentamentos já existentes com o apoio do Programa Brasil sem Miséria,
por meio de convênios de cooperação entre os ministérios do
Desenvolvimento Social e Desenvolvimento Agrário. “O Brasil sem Miséria é
um programa compensatório, que se destina a tirar o sujeito da miséria,
sem mexer no índice de concentração fundiária do País. Dá o peixe, mas
não ensina a pescar”, critica o porta-voz do movimento.
O início. A única coisa que o MST assinala a
favor da presidente Dilma é o fato de não ter sido ela a responsável
pelo início do atual processo de desvalorização da reforma. “O governo
federal começou a amarelar lá em 2008”, afirma Conceição.
A observação se baseia na estatística. Quem observar a série
histórica com números do Incra, nesta página, verá que Lula promoveu um
salto no nível de assentamentos nos anos 2005 e 2006. Neste último foi
registrado o maior índice da história, com a distribuição de lotes da
reforma para 117 mil famílias. De lá para cá, porém, a tendência tem sido de declínio. Por esse viés, Dilma teria apenas dado continuidade ao processo.
Entre os integrantes dos movimentos sociais, há a percepção de
que o salto ocorrido em 2005 possa ter ocorrido devido a razões
políticas. Foi naquele ano que eclodiu o escândalo do mensalão, agora em
julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. Naquela época, chegou-se a
cogitar um possível impeachment do presidente. Para se fortalecer, Lula
promoveu uma reaproximação do governo e de seu partido, o PT, com os
movimentos sociais, entre eles o MST. Quanto a 2006, foi o ano em que
Lula se candidatou à reeleição - e venceu.