segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Jornal da Unicamp

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 26 de novembro de 2012 a 02 de dezembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 547

O Francisco de Assis da Unicamp

Funcionário do Cema protege animais
que vivem no campus de Barão Geraldo

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Outubro foi o mês de São Francisco de Assis para os fiéis da Igreja Católica. Foi também o mês de aniversário do Chico, o Francisco de Assis da Unicamp, funcionário que discretamente ajuda a proteger os bichos do campus. O nome foi escolhido pelo pai para fazer gosto a um amigo, também Francisco de Assis, que no leito de morte pediu ao companheiro que chamasse assim o filho que iria nascer. Chico confessa não ter se sentido obrigado a proteger os animais por carregar este nome, mas faz questão de acentuar as coincidências. “Nasci no mesmo mês de São Francisco, mas o nome não foi escolhido por este motivo. Mas a coincidência está na preocupação que tenho com esses animais.”
Há 30 anos na Universidade, foi no Centro de Monitoramento Animal (Cema), coordenado pelo veterinário Paulo de Tarso, que Chico encontrou seu melhor lugar para trabalhar, apesar de valorizar cada momento, cada amigo e uma a uma das oportunidades que a instituição lhe ofereceu. O Cema é um setor de muitos lugares, ou, de preferência, dos lugares onde estão os bichos. E querem saber? Estão nas matas que circundam o campus, nas unidades envolvidas pelo campus e, por que não, no asfalto. Sim porque o mato e o asfalto são vizinhos de cerca, e Chico garante que os bichos estão por aí.

Quem nunca deparou com um teiú na porta de sua sala, uma garça no caminho da Editora, com tucanos ao redor do hospital, corujas, morcegos, capivaras, seriemas, gambás, pica-pau e abelhas? Chico também manda notícias de tatus e de certo gato do mato, mas em armadilhas fotográficas, registrou pegadas de felino grande. Como eles chegaram antes dos humanos que habitam esta ex-mata transformada em campus universitário, todo carinho e respeito são bons, pois como adverte o técnico de biotério,  “a mata é o lar deles. Nós invadimos”. De fato, eles estão por aí e isso sugere a convivência harmônica entre bicho e gente. O que torna a prazerosa missão de Chico e Tarso não tão simples como parece. Como eles estão mesmo entre os humanos, é preciso de alguém para protegê-los. Então, que seja um Francisco de Assis da Silva.

Ao lado de Tarso, Chico vai além das missões que seriam de um técnico em biotério para garantir uma convivência amistosa. “Procuramos reduzir os riscos à comunidade ao mesmo tempo em que protegemos esses”, reforça Chico.

No momento, ele e Tarso esperam ansiosos pelo corredor de fauna, que deverá proteger os animais selvagens em seu próprio habitat. O corredor deverá interligar as áreas de preservação permanentes (APPs) para garantir aos animais um trânsito sem risco de atropelamento. Segundo Chico, há muitas manchas de APPs no campus, e a ideia é fechá-las, interligando-as.

Enquanto o corredor não é concluído, o Cema garante a proteção com medidas de segurança, como a sinalização com placas de advertência aos condutores de veículos e outras destinadas a evitar a circulação de pessoas em APPs. Nas principais avenidas, o Cema instalou placas de advertência para os motoristas. O que assusta a comunidade é o número de capivaras, mas Chico alerta para o fato de que a capivara não é o único vetor de carrapato-estrela. “É um grande vetor, mas outros animais selvagens, principalmente aves, podem levar carrapatos para unidades de trabalho e até mesmo para os quintais”, reforça.

Nada de fazer cara de cachorro abandonado. Em 2005, já no Cema, Chico viu a Unicamp criar um lar para os cães que ficavam nas praças da Universidade. Perambulavam pelo campus de Barão Geraldo, ora recebendo cuidados de pessoas da comunidade, ora famintos e desprotegidos. Convidado por Fábia Tuma para trabalhar no Cema, foi um parceiro fiel de Tarso, Fábia e a bióloga Lúcia Gabus na luta pela proteção desses animais. “Soltos, acabavam se alimentando do que as pessoas atiravam para eles e nem sempre era o alimento adequado, corriam o risco de atropelamento, maus tratos, agora, com o lar eles têm toda a atenção necessária para uma vida saudável e sem riscos”, acentua.

Em sua rotina, Chico une duas paixões: a proteção aos animais e a fotografia. Foi de posse de sua inseparável câmera fotográfica que registrou as pegadas em Áreas de Proteção Permanente (APPs).
Quando entrou na Unicamp, em 1982, apesar da paixão por animais, não imaginava que seria levado a seguir os passos de São Francisco. Foi recebido na Universidade pelo Serviço de Controle de Registros Acadêmicos (Serca), hoje Diretoria Acadêmica (DAC), como patrulheiro mirim. Ao completar 18 anos, assumiu a função de operador de máquinas, mas aguentou três anos, sempre de olho em funções relacionadas à área de química.

A transferência para o Biotério, hoje Cemib, foi a realização de um sonho juvenil de trabalhar em laboratório. A primeira experiência foi preparar animais para pesquisa. “Confesso que todos os dias eu ficava triste por ter de manipular os bichos para pesquisa, mas me consolava por saber que era o único jeito de se chegar a resultados que salvassem vidas humanas por meio da descoberta de medicamentos ou até mesmo de dietas adequadas. Aquilo era necessário e tenho orgulho de ter participado de pesquisas que aprimoraram a área de saúde no Brasil, mas sou mais feliz hoje, seguindo os passos de São Francisco”, confessa.

Cada vez mais envolvido com a biologia animal, Chico teve seu interesse identificado por alguns docentes que o designaram a fazer controle microbiológico e parasitológico em animais de pesquisa, emprestando laboratórios do Instituto de Biologia, pois o Biotério Central na época não tinha a estrutura de hoje como Cemib. 

A partir dessa experiência, pôde realizar o sonho de ser um pesquisador de sua área. Em suas folgas e aos finais de semana, começou a realizar controle parasitológico de lobos-guará em bosques e zoológicos do Estado de São Paulo. Dedicou-se a esse trabalho durante dois anos, ao lado de biólogos e veterinários.

Neste ínterim, com a autorização de seu então chefe, professor Rovilson Gilioli, e o coordenador na época, professor Humberto Rangel, começou a fazer bacteriologia das fezes dos lobos-guará. Foi uma atividade laboriosa, mas rendeu uma publicação em revista especializada em veterinária. Foram analisados 30 animais, segundo o técnico.

Nutrição animal

A pesquisa suscitou outras oportunidades para o funcionário. Uma delas foi o convite para participar da equipe da bióloga Adriana Batata do bosque-zoo em Pedreira, São Paulo, numa pesquisa com lobos-guará enquanto outros biólogos analisavam um grupo de felinos. Paralelamente, começou, ao lado da pesquisadora Débora Tavares e da funcionária Eliete de Carvalho Leite, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, a avaliar a nutrição de animais. Cabia a Chico analisar o comportamento de animais em relação às rações produzidas na FEA e no Cemib para animais de pesquisa. “Pesávamos os animais e as rações para ver o quanto ele consumia, o quanto sobrava, o que eles ganhavam de peso e quanto eliminavam”, esclarece.

Chico faz o discurso do homem realizado sem hesitar. Admite a importância da Unicamp na construção de boa parte de seu projeto de vida. Que digam Henrique, 17, e Gabriel, 12, filhos dele com a educadora Benedita de Lourdes Motta Silva.  Seus primeiros passos na educação foram dados na creche da Universidade. Hoje, estudam em uma escola particular, pois Chico abriu mão da graduação para investir numa educação de qualidade aos meninos. Essa decisão deixa Chico muito tranquilo e feliz, pois a Universidade lhe deu a oportunidade de formar-se técnico em biotério por meio de cursos de especialização. “Sinto-me honrado por ter isso, graças a meu pai, José da Silva (falecido), que me direcionou, por meio do patrulheirismo, à Unicamp. Aqui, pude me formar pela experiência e pela oferta ampla de conhecimento. É uma questão de identificar as oportunidades. Tem de ser observador”, ratifica.

A máquina fotográfica não tem funcionalidade apenas para monitorar esses pequenos seres que compõem a fauna e a flora do campus e da mata ao seu redor. Chico é apaixonado pelo hobby desde a época dos rolos de filme, incentivado por um primo fotógrafo, o qual lhe deu a primeira câmera de sua vida. Abre espaço neste que seria seu perfil para destacar os amigos do Núcleo de Fotógrafos Amadores da Unicamp (Nufau), liderado por Beeroth Souza e Zilda Farias. O grupo, formado por funcionários da Universidade, já realizou exposições dentro e fora da Unicamp. Esta prática rendeu alguns prêmios, entre eles uma câmera fotográfica, a participação numa exposição especial da Unicamp e outra em Botucatu-SP, além de matéria no jornal Correio Popular, de Campinas.
Por enquanto, explora a diversidade cultural e ambiental brasileira que sorri diante da objetiva de sua câmera. “Gosto muito de fotografar o Estado de São Paulo, ainda faltam muitas cidades, mas meu sonho é fotografar o Amazonas”, declara.