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Baixar versão em PDF Campinas, 26 de novembro de 2012 a 02 de dezembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 547Falta sinergia
Estudo aponta ausência de complementariedadeentre as políticas sociais de combate à pobreza
O
Brasil conta com políticas sociais de combate à pobreza
bem-estruturadas, mas o país ainda não conseguiu fazer com que elas
cheguem de forma integrada a todos os necessitados. A constatação faz
parte da tese de doutoramento da economista Cláudia Regina Baddini
Curralero, defendida recentemente no Instituto de Economia (IE) da
Unicamp, sob a orientação do professor Claudio Salvadori Dedecca. De
acordo com a autora do trabalho, o problema ocorre porque existe uma
fragmentação no interior dessas políticas sociais, que debilita a
complementariedade entre elas. “O que ocorre com frequência é que uma
política não atua reforçando os resultados da outra ao longo do ciclo de
vida das famílias pobres”, afirma.
Em
sua tese, Cláudia Curralero promoveu uma ampla análise das políticas
sociais implementadas no Brasil entre os anos de 2003 e 2010, com
especial atenção ao Bolsa Família, programa de transferência direta de
renda lançado na administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Considerada um sucesso pelo governo federal, a iniciativa, que completou
nove anos no último dia 20 de outubro, alcança aproximadamente 50
milhões de pessoas com renda familiar per capita inferior a R$ 140,00
mensais, a um custo de 0,46% do Produto Interno Bruto (PIB).
Quando
o Bolsa Família foi implementado, conforme a pesquisadora, as áreas de
saúde e educação no Brasil já estavam bem-estruturadas no país, o que
possibilitou que o programa atuasse de forma a reforçar o direito de
acesso a esses serviços básicos. “Isso assegurou, além do alívio
imediato da pobreza por meio da transferência de renda, o apoio para a
superação do ciclo intergeracional de pobreza”, diz Cláudia Curralero.
Pelas normas do programa, as famílias beneficiárias assumem o compromisso de acompanhar o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 7 anos. Já as mulheres na faixa de 14 a 44 anos também se comprometem a fazer acompanhamento médico e, se gestantes ou nutrizes (lactantes), devem realizar o pré-natal e a verificação contínua da sua saúde e a do bebê.
Pelas normas do programa, as famílias beneficiárias assumem o compromisso de acompanhar o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 7 anos. Já as mulheres na faixa de 14 a 44 anos também se comprometem a fazer acompanhamento médico e, se gestantes ou nutrizes (lactantes), devem realizar o pré-natal e a verificação contínua da sua saúde e a do bebê.
Na
área da educação, todas as crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos
devem estar devidamente matriculados e com frequência escolar mensal
mínima de 85% da carga horária. Os estudantes entre 16 e 17 anos devem
ter frequência de, no mínimo, 75%. “São questões importantes, e que
experimentaram avanços nos últimos nove anos. A despeito disso, ainda é
possível identificar desigualdades dentro dessas áreas. Ao analisarmos
os indicadores, constatamos que os mais pobres continuam apresentando
menor nível de escolaridade e maiores dificuldades de acesso à saúde. Ou
seja, ainda que sejam universais, essas políticas continuam
reproduzindo desigualdades já presentes na sociedade brasileira”,
sustenta.
Uma das origens do
problema, no entender de Cláudia Curralero, está na fragmentação e na
falta de articulação entre as políticas sociais. “Um exemplo que costumo
citar é o das mães que têm à sua disposição cursos profissionalizantes.
Entretanto, elas encontram muitas dificuldades para frequentar as aulas
porque não contam com creches, e, portanto, não têm com quem deixar os
filhos. Assim, mesmo que conseguissem concluir o curso, elas
dificilmente teriam como ingressar no mercado de trabalho, pois
continuariam não dispondo de creches. Ou seja, as políticas, por mais
positivas que sejam, não se complementam. O resultado da soma dos
esforços de cada área, dada a fragmentação e pouca articulação na
implementação, é menor do que poderia ser caso fossem contabilizados os
ganhos de sinergia de uma atuação mais articulada e integrada. Dessa
forma, ainda que o gasto social no Brasil seja considerável, ele pode se
tornar mais eficiente para o enfrentamento da pobreza”, considera a
autora da tese.
A
busca por ações mais articuladas e integradas, reconhece Cláudia
Curralero, não é uma tarefa trivial de ser cumprida. De acordo com ela,
alguns fatores dificultam esse trabalho. Mesmo estando bem-estruturadas,
as áreas de saúde e educação servem novamente como exemplo dos
problemas que ainda esperam por solução. Na primeira, por exemplo,
existe a dificuldade de um “diálogo” mais efetivo entre atenção básica e
os níveis mais complexos de atendimento à população. No caso da
segunda, os obstáculos são ainda maiores. “Na educação, o retrato é
ainda mais fragmentado, pois não existe um sistema único como na saúde. O
ensino fundamental, por exemplo, é de responsabilidade dos municípios. O
ensino médio, por sua vez, cabe aos estados. Na realidade, temos
milhares de sistemas educacionais no país, o que dificulta a coordenação
e monitoramento por parte do governo federal”, diz.
Mesmo
admitindo toda essa complexidade, Cláudia Curralero pensa ser possível
desenhar e integrar as políticas sociais de tal forma que elas cheguem
às famílias pobres. A economista destaca que cabe aos agentes públicos
[nos níveis federal, estadual e municipal] buscar um diálogo nesse
sentido. “Penso que isso é perfeitamente exequível, pois existem
instrumentos que podem auxiliar nessa tarefa”, afirma. Uma das
ferramentas a que a autora da tese se refere é o Cadastro Único. Ele
permite conhecer a realidade socioeconômica das famílias de baixa
renda. Entre as informações disponíveis estão as características do
domicílio, as formas de acesso a serviços públicos essenciais e dados
sobre cada um dos componentes da família.
Em
suma, o Cadastro Único possibilita observar as diferenças existentes
entre o pobre que vive numa região metropolitana como a de São Paulo e
aquele que mora na caatinga nordestina, para ficar em um único exemplo.
Cada um deles, obviamente, apresenta carências específicas. “Através das
informações contidas no cadastro é possível desenhar políticas públicas
de acordo com as necessidades regionais. Dessa forma, além de trabalhar
ações mais integradoras, que garantam o acesso a todos os necessitados,
é possível articular também um plano de desenvolvimento regional. Nesse
caso, os estados teriam um papel importante a cumprir, pois cada um tem
uma vocação econômica própria”, pondera a autora da tese.
Questionada
sobre se essas deficiências poderiam significar que os investimentos
feitos pelo país em políticas sociais estariam sendo desperdiçados,
Cláudia Curralero responde que o que ocorre é que os investimentos não
estão surtindo o máximo de resultado possível, por causa justamente das
falhas mencionadas. “Eu me lembro de um caso que chegou ao MDS, sobre
uma mãe, beneficiária do Bolsa Família, que estava em depressão. Por
causa da doença, a mulher não tinha condições de cuidar dos filhos
menores. Assim, a filha mais velha teve que deixar de ir à escola para
olhar os irmãos, por falta de creche. Ou seja, a oferta de vaga existia,
mas a adolescente não tinha condições de frequentar a escola. No caso
de quem tem dinheiro, esse é um problema superável. Basta pagar uma
creche particular ou contratar uma babá. No caso dos pobres, não tem
saída. Se a política pública não é abrangente, acentuam-se as
vulnerabilidades. É por isso que as ações precisam ser mais integradas e
sinérgicas”, reforça a autora da tese.
Quanto
às críticas que algumas correntes fazem de que programas como o Bolsa
Família são meramente assistencialistas e não promovem a autonomia dos
beneficiários, a economista observa que as políticas buscam conferir
essa independência, mas nem sempre conseguem. Isso se dá, segundo ela,
por causa das vulnerabilidades anteriores relacionadas às próprias
condições de vida, escolarização, acesso à saúde e condições de moradia,
que condicionam a inserção produtiva dos mais pobres. “A pobreza, com
todas as suas facetas, dificulta a inserção no mercado de trabalho.
Questões como o nível de escolarização, as condições gerais de vida e
até mesmo a aparência acabam pesando nas oportunidades que se colocam
para os mais pobres. A transferência de renda possibilita que as
famílias se mobilizem para buscar trabalho e mais acesso a outras
políticas. Por isso, não são assistencialistas, pois complementam a ação
das outras políticas sociais”, acrescenta.
A
pesquisadora adverte, por fim, que o seu estudo não levou em
consideração o Plano Brasil Sem Miséria, lançado em junho de 2011. O
objetivo da iniciativa é retirar da pobreza extrema cerca de 16 milhões
de pessoas que, de tão desamparadas, podem não ter conseguido se
inscrever em outros programas sociais, como o Bolsa Família, e ainda tem
dificuldades de acessar serviços essenciais como água, luz, educação,
saúde e moradia. “Aparentemente, o Brasil Sem Miséria responde a algumas
das deficiências que são discutidas na minha tese”, conclui Cláudia
Curralero.
Publicação
Tese: “O enfrentamento da pobreza como desafio para as políticas sociais no Brasil: uma análise a partir do Programa Bolsa Família”
Autora: Cláudia Regina Baddini Curralero
Orientador: Claudio Salvadori Dedecca
Unidade: Instituto de Economia (IE)
Autora: Cláudia Regina Baddini Curralero
Orientador: Claudio Salvadori Dedecca
Unidade: Instituto de Economia (IE)