Doutor é quem faz doutorado?
“Nosso amigo, humilhado e ofendido, é
portador do título de doutor carimbado pelo MEC. Já o algoz que estava
diante dele é um sujeito que se orgulha de ter o primário incompleto.
Mas todos os chamam de ‘doutor’ e tiram o chapéu com deferência ao vê-lo
passar”
Bajonas Teixeira de Brito Junior*
O artigo do jurista Março Antônio Ribeiro Tura, interessante e bem
fundamentado, tanto histórica quanto juridicamente, poderia esgotar a
questão que colocamos no título acima, respondendo: Doutor é quem faz doutorado.
É assim que ele intitula um artigo que recomendo e assinaria embaixo,
se ele já não viesse assinado. Pois bem. O artigo, como eu disse,
poderia esgotar a questão, se a questão se esgotasse em seus aspectos
históricos e jurídicos não havendo outros a considerar. E, na verdade,
no seu texto está bastante claro que o autor se propôs a considerar o
assunto sob um ângulo bem determinado. Seria impróprio pedir que
dissesse mais do que disse. E disse bem.
Um dos motivos, aliás, para ler o artigo está justamente nas suas
primeiras frases, que versam sobre um encaminhamento que, se bem
sucedido, será um bom serviço prestado ao país: “No momento em que nós do Ministério Público da União nos preparamos
para atuar contra diversas instituições de ensino superior por conta do
número mínimo de mestres e doutores, eis que surge (das cinzas) a velha
arenga de que o formado em Direito é Doutor.”
O fato é que as faculdades privadas já dominam 90% da educação superior no país.
Em grande parte dessas instituições temos verdadeiros campos de
extermínio intelectual, com exploração intensiva de docentes submetidos a
baixos salários, ao vexame dos pontos eletrônicos, e ao terrorismo das
demissões. O chamado aperfeiçoamento é coisa impensável. O docente se
afastar para fazer mestrado ou doutorado e a instituição pagar o salário
durante esse período? Nem sonhar.
O artigo de Ribeiro Tura é uma demolição bem conduzida das falsas
pretensões de muitos que querem ostentar o título de doutor. Aponta para
um avanço, para a ruptura com a tradição nacional, que deu mais valor
ao caráter de privilégio de certos diplomas (inicialmente, e desde muito
tempo, ao de direito e ao de medicina), fazendo do advogado e do médico
“doutores”. Sem passar pelos cursos de mestrado e, ainda menos, encarar
os quatro ou cinco anos de doutorado, médicos e advogados ostentam um
título que não têm. São doutores sem doutorado.
Mas a questão está em que, ao mostrar isso, Tura nos deixa um
problema, a saber, a necessidade de indagar sobre a origem da
legitimidade social que têm esses doutores sem doutorado. O fato é que o
tratamento de doutor dispensado ao advogado e ao médico é prática
generalizada, corriqueira e aceite como totalmente legitima pela maioria
esmagadora dos brasileiros. De onde provém isso? Gosto de lembrar
sempre, sobre esse assunto, uma passagem do livro de Ina Von Binzer, a
educadora alemã que viveu alguns anos no Brasil nos primeiros anos da
década de 80 do século XIX. Ela escreveu em 1881: “O Dr. Rameiro veio buscar-me. Não sei por que o chamam de ‘doutor’ e
duvido muito que ele próprio saiba encontrar a razão desse tratamento. A
única explicação verossímil seria a de que todo brasileiro bem colocado
na vida já nasce com direito a esse título, e por um lado pareceria uma
falta de modéstia; e por outro seria estúpido exigir que eles o fossem
conquistar à custa de estudos tão difíceis quanto desnecessários.” (Von
Binzer, Ina, Os Meus Romanos – Alegrias e Tristezas de uma Educadora Alemã no Brasil, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. Carta de 27 de maio de 1881)
Pois é. O Dr. Rameiro foi um rico senhor de terras e de escravos, que
empregou a alemã Ina como preceptora de seus filhos numa fazenda no
interior. A “doutoridade”, para usar um termo inventado por Guimarães
Rosa, que entendia do assunto, foi no Brasil antes de tudo um atributo
social. Tendo nascido doutores, como os condes nascem condes, seria
absurdo exigir que fossem conquistar um título de doutor “à custa de
estudos tão difíceis quanto desnecessários”. Por isso, chamaremos esses
de “doutores de berço”. Homens como o Doutor Olavo Setúbal, o Doutor
Roberto Marinho, o Doutor Assis Chateaubriand, o Doutor Antônio Ermírio
de Moraes, o Doutor José Mindlin, bibliófilo célebre, que transitava
muito à vontade entre as brochuras e as capas duras. Pois aí temos
alguns brasileiros bem nascidos, “doutores de berço”. Esses não
precisaram cursar doutorado, dispensar esforços supérfluos aos estudos,
defender tese.
De outro lado, temos os advogados e médicos (hoje, os diversos
profissionais de saúde, como os dentistas, que começaram sendo chamados
de “práticos”, subiram discretamente à categoria de dentistas, e, logo
depois, galgaram a posição de odontólogos para, mais uma vez, sempre com
modéstia, se tornarem doutores. É uma categoria que vai longe. Sempre
calada, com a máscara cobrindo a boca, sem fazer alarde). Boa parte dos
estudantes de direito e medicina era composta de indivíduos provenientes
de setores pequenos burgueses no Brasil no século XIX e XX, remediados o
suficiente para mandar um filho para a faculdade, mas na média pouco
abastados. Gilberto Freyre descreve as acomodações parcas dos quartos de
estudantes da época, praticamente sem móveis, uma cadeira faltando
perna ali, um catre surrado para dormir acolá, uma vela para iluminar os
cubículos, alimentação muito deficiente. E conclui: uma miséria. Ocorre
que esses doutores, conseguiam os seus diplomas de bacharel e recebiam
um anel de doutor. Já que essa história é antiga, parece razoável
chamá-los de “doutores por tradição”, deixando subentendido que não é o
mérito, nem a norma, nem o berço que os torna doutores.
Principalmente durante a segunda metade do século XX e nas suas
últimas duas décadas, começou a formação em massa para doutores no
Brasil. Os seguimentos mais baixos da classe média puderam, aos poucos,
ter acesso ao tão cobiçado título, com esforço, suor, sangue e lágrimas
(na formatura). Esses são os doutores acadêmicos. Hoje, seus títulos já
abarrotam o mercado e, com isso, dado que as faculdades privadas, 90%
das instituições de ensino superior, que deveriam empregá-los, têm carta
branca do MEC para não fazê-lo, esses doutores estão, cada vez mais,
destinados ao limbo social. No último concurso para gari no Rio, como
mostramos no artigo 45 doutores disputam vaga de gari no RJ,
uma tendência sinistra se verifica: as carradas de doutores acadêmicos
formados nas últimas décadas e impedidos de ingressar como docentes no
ensino superior se tornam supérfluos. Portanto, como tiveram bolsas de
quatro anos, a maioria, resta concluir que o Estado vem queimando
recursos públicos investidos em formação de alto nível. E para vantagem
de quem? Das instituições de ensino superior privadas. No mínimo, a
mão-de-obra abundante reduz os salários, já ínfimos. E a mão-de-obra
doutoral é abundante porque as privadas não são obrigadas a
contratá-los…
Em resumo, temos o doutor de berço (que já nasce doutor), o doutor de tradição (que cursou direito ou a área de saúde) e o doutor acadêmico, o doutor que fez doutorado (que, eventualmente, pode ser graduado em direito ou medicina, é claro).
A valoração social, o status e a dignidade conferidos a cada uma
dessas categorias, é o inverso do esperado numa sociedade democrática
moderna, que, em tese, valoriza o esforço próprio e rejeita os
privilégios. Ao contrário, dentro das coordenadas particulares da
história brasileira resulta que quem carrega a doutoridade de berço vale
muito mais; quem a conquistou numa graduação de medicina ou direito já é
um doutor com “d” minúsculo, e, por fim, os que efetivamente realizaram
uma formação laboriosa e desenvolveram pesquisas originais em suas
teses de doutorado, esses são os que menos contam do ponto de vista das
nossas arraigadas valorações sociais e políticas. Pelo contrário, há
prevenção contra eles: são vistos como presunçosos.
O Congresso Nacional ostenta uma maioria de doutores por tradição, a
maior parte de advogados. Por trás deles, com mais poder de mando e
imposição de obediência, estão os doutores deitados em berço esplêndido,
que não têm mandato político, nem vão perder tempo em nhém-nhém-nhém
parlamentar, mas bancam as campanhas e obtêm a satisfação de suas
demandas e de seus interesses dentro do Congresso. Eles são os
verdadeiros representados na política brasileira. Podemos dizer que o
Congresso Nacional representa não os interesses da população brasileira
em geral, mas os interesses específicos dos doutores de berço. As
instituições estatais, os ministérios, as agências reguladoras, as
autarquias como o Cade (lembremos da última do dr. Perdigão com a drª
Sadia) etc., todos representam primordialmente esse grupo restrito. E ai
nós voltamos à questão que tomamos como título: “Doutor é quem faz
doutorado?” E a resposta agora é negativa: “Não”. Doutor de verdade é
quem não tem doutorado. Até o contrário, quanto menos doutorado tiver
mais doutorabilidade, mais respeito, está apto a angariar.”
Se o doutor de berço de ouro não existisse, mas apenas o doutor
acadêmico, o título de doutor no Brasil seria levado a sério. Mas se,
para ser doutor de verdade, o mais importante é ter tido berço, então o
diploma carimbado e registrado no MEC não será lá muito respeitado. Nem
pelo próprio MEC. O verdadeiro doutor não tem diploma. Ao contrário, ele
zomba dos diplomas e dos diplomados. A base de sua posição não é o
saber, mas o privilégio.
Vejamos a questão da educação e os privilégios concedidos aos donos das faculdades privadas através de um caso recente.
Faz pouco tempo um amigo me confidenciou que ele, que dá aulas numa
dessas macabras ratoeiras, saiu mais cedo. Para ser exato, rodou a
catraca um minuto mais cedo. Sim, existe uma catraca controlando
eletronicamente quem entra e quem sai. Foi surpreendido no dia seguinte
com uma convocação do controlador-mor, espécie de capitão do mato da
assim batizada “instituição de ensino superior”. Surpreso, dirigiu-se ao
antro. O pânico chegou quando sentiu a recepção fria, siberiana, e
notou a carranca crispada do verdugo balançava numa mão, como se
estivesse diante de um meliante, uma foto do docente como prova do
crime. Era a foto dele, o meu amigo, de costas, no momento em que rodava
a catraca. Um minuto antes do tempo regulamentar. Na base da foto
estava impressa, em fileira longa de números digitais, o momento exato
da sua saída. Foi devidamente repreendido. E ao murmurar alguma coisa
sobre “direitos” e mencionar algo parecido com “imagem”, foi confrontado
com a seguinte frase: “Você prefere o olho da câmera ou o olho da
rua?”. Ora, esse nosso amigo, humilhado e ofendido, é um portador do
título de doutor carimbado pelo MEC. Já o algoz que estava diante dele,
com a foto entre as garras, é um sujeito que se orgulha de ter o
primário incompleto. Mas todos os chamam de “doutor” e tiram o chapéu
com deferência ao vê-lo passar. Estranho, não?
O Ministério Público Federal terá que se ocupar desse assunto. A vida
acadêmica é essencialmente um exercício da liberdade, não importa se a
instituição é pública ou privada. No ensino universitário, o docente não
é mera máquina de repetir conhecimentos prontos. Ele deve ser um
criador de conhecimentos novos. Por isso a exigência da pesquisa. Para
ser criativo, o docente necessita de liberdade. Afora isso, essa
parafernália de ponto eletrônico, terrorismo das câmeras, fotografias,
etc, afronta evidentemente a dignidade pessoal. Isso tem que ser
combatido.
Cronômetro, catraca, ponto eletrônico, vídeo, foto, reprimenda,
ameaça e algoz. Tudo isso para que possam exercer a liberdade de ensinar
prescrita na “Constituição cidadã” brasileira? Uma ordem rígida e
ditatorial, semi-escravista, é imposta ao corpo do docente. Já para
donos das faculdades privadas, tudo é bem diferente: o MEC transforma o
estado em casa assistencial da mãe Joana, dando direito de fazer e
desfazer, de carnavalizar a lei e aplicar todo tipo de esquema para
aumentar a lucratividade. Durante muitos anos vimos aquelas avaliações
de instituições particulares, que não mostravam a menor condição de
funcionar. Eram fechadas? Eram punidas? Não. Ao contrário. Recebiam
polpuda ajuda financeira para implementar melhorias. O que implementava
mais ainda os próprios lucros que auferiam. Ensino ruim significa, na
outra ponta, lucros exorbitantes.
Ora, se um docente não pode sair um minuto mais cedo, que dizer de um
afastamento de dois anos para mestrado? E de quatro para doutorado? A
responsabilidade pelo aperfeiçoamento de seus docentes seria condição
elementar de um ensino superior de verdade, e não de araque, nas
instituições privadas. Mas é impensável. Aliás, as coisas se
flexibilizam sempre mais, tornando mais limitada a já insignificante
percentagem de doutores que um curso superior precisa ter em seu corpo
docente. São esses fatos, no fundo, que desvendam o segredo da força de
aderência do ministro Haddad à frente do Ministério da Educação. Crises e
asneiras não faltaram. Mas o ministro permaneceu firme no cargo. O
inderrubável ministro conta com a adoração dos donos de faculdades
particulares, bem representados e dominantes dentro do Conselho Nacional
de Educação. E, não poderia ser diferente, dado o “ótimo diálogo” que o
setor mantém com o ministro. Seria preciso ver como bolsas da Capes,
do CNPq, vão regar as flores dos jardins dessas faculdades privadas. Em
que quantidade e com que retorno real.
Para uma educação superior de qualidade é preciso, antes de tudo,
punir as faculdades privadas que desrespeitam as normas atuais
(muitíssimo negligentes) e, em seguida, criar uma nova normatização,
radicalmente distinta da atual. Imposssível? Não. Mais que isso.
Completamente inviável. Fazer cumprir a legislação atual, o Ministério
Público pode conseguir, mas não vai ser fácil. Já a possibilidade de uma
revolução normativa, me parece inexequível. Quem manda na educação
superior são as privadas. Quem queira imaginar o que é o Conselho
Nacional de Educação lembre do seguinte: o filósofo José Arthur
Giannotti, amigo íntimo de FHC, saiu de lá logo depois de entrar, em
1997, afirmando sobre a Câmara de Educação Superior, um dos órgãos do
Conselho: “A câmara se transformou numa reunião de lobbies, num fórum
de partilha de interesses privados”. Na verdade, por obra de FHC e do
seu partido, o que o nosso ingênuo filósofo fingiu ignorar, não apenas
essa câmara, mas o estado brasileiro inteiro transformou-se “numa
reunião de lobbies, num fórum de partilha de interesses privados”.
E isso nos convida a considerar um caso recente, relativamente raro
de doutoridade. Ele se encontra no recente escândalo no Dnit envolvendo a
triste figura do Doutor Fred.
Esse doutor tem sido chamado de funcionário fantasma nos últimos dias. O
que parece um erro, porque não era funcionário, em primeiro lugar, e em
segundo porque comparecia todo dia, era diligente e aplicado. Até por
demais meticuloso. O funcionário fantasma é um ausente. E é funcionário.
O doutor Fred nem era ausente, nem funcionário. Na verdade, também não
era Fred. Era Frederico. Certo é que era doutor: o doutor Fred. Mas sua
modalidade de doutoridade era distinta. O doutor Fred era poderoso,
despachava em gabinete próprio, tinha gente à sua disposição, certamente
motorista, secretária, e lá quantos agregados precisava no seu bureau. Porém, aconteceu algo que mudou a sua vida. Ele, que nunca esteve escondido, foi descoberto.
Instantaneamente, a realidade ontológica do Doutor Fred ruiu. Caiu
das alturas, de onde planava em seu vôo livre em céu de brigadeiro,
quando foi desinflado de toda a sua realidade num passe de mágica. Foi o
que fez o diretor afastado do Dnit, ao afirmar: “Não vou dizer que é um
pobre coitado. Não é funcionário de carreira, não tem poder de decisão
nenhuma. Se pudesse comparar, diria que é um estafeta, um boy.”
Pois é. O Doutor Fred perdeu tudo. Mas, é importante observar, que
tudo que ele perdeu ele não tinha: ele perdeu a condição de funcionário,
coisa que ele não era mesmo; deixou de ser o homem das decisões, mas
quem disse que ele decidia alguma coisa? Tudo indica que era mero
despachante de Valdemar da Costa Neto. Um intermediário. Ele, então,
tendo sido despachado da condição de intermediador, perdeu também o seu
título simbólico, de Doutor passou a “um estafeta, um boy”. A sua
posição anterior como intermediário de uma força maior — o Valdemar da
Costa — concedia a ele as costas quentes. Mas, de súbito, suas costas
esfriaram. Ai sua posição hierárquica se inverteu como num tombo: de
doutor passou a boy. Ou seja, do lugar mais alto na burocracia civil, o
doutor, foi posto na posição mais rasteira das repartições: a de boy.
O ex-doutor Fred ainda merece ser melhor definido. Se ele não era um
fantasma, já que fantasmas são os funcionários ausente — e ele nem era
funcionário nem ausente —, então qual era o ser metafísico,
sobrenatural, do ex-doutor antes de perder sua doutoridade? Quando
despachava, decidia, tomava decisões, falava ao telefone o dia inteiro e
dava ordens e exigia providências? Na verdade, presumo que o Fred era
um tipo especial de entidade transmundana, um pouco diferente do vulgar
fantasma, que no Brasil tem pra dar e vender. O fantasma ostenta uma
peculiaridade: arisco à luz, costuma se esquivar, e se dá as caras, é
nas horas mortas, quando o pessoal da repartição já foi embora e ele
entra para assinar o ponto. Não era o caso do doutor Fred, acintosamente
presente. Por isso, me parece, Fred tem mais um perfil de “aparição” do
que de “fantasma”. E a sua encarnação terminou em tragédia justamente
por causa disso: porque apareceu demais.
Por falar nisso, é curioso notar que as denuncias no Dnit vêm levando
ao afastamento dos suspeitos, funcionários, apaniguados e políticos.
Contudo, esses indigitados estão todos do lado do estado, seja como
funcionário, políticos ou aparições. Mas a corrupção tem outro lado, a
dos que corrompem. Desse lado, tirando as mirradas empresas (de filhos,
mulheres e irmãos) que parecem peneirar as sobras, as migalhas dos
milhões que caem da farra do banquete principal, nada mais vemos. Coisa
grande, empresa de grande porte, nome muito conhecido na praça, nada
disso aparece.
Minha hipótese é de que não aparecem porque, por trás dessas
empresas, estão os doutores de berço, que conseguem manter o véu espesso
da obscuridade. O Estado brasileiro também não foi feito para
persegui-los, trazê-los para a luz do dia e, com isso, desfazer o seu
encanto, e o seu poder. Ao contrário, o Estado é o maior cúmplice da
obscuridade. No dia que o Estado mudar, esses doutores serão remidos das
trevas e, como o recém desencarnado doutor Fred, vão cair das alturas e
arrastar suas correntes pelos longos corredores das penitenciárias.
Mas, por hora, nada parece mais distante.
*É doutor em Filosofia, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas. Foi duas vezes premiado pelo Ministério da Cultura por seus ensaios sobre o pensamento social e cultura no Brasil. É coordenador da revista eletrônica, Revista Humanas , órgão de divulgação científica da Cátedra Unesco de Multilinguismo Digital (Unicamp) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Ufes