terça-feira, 20 de novembro de 2012
Quando a soja substitui humanos...
Quem poderá salvar os guarani-caiovás?
09 de novembro de 2012 | 2h 09
WASHINGTON NOVAES
Há mais de 20 anos - 15 dos quais nesta página - o autor destas linhas
escreve sobre a situação dramática dos índios guarani-caiovás, em Mato
Grosso do Sul (MS). Naquele tempo já eram centenas os casos de suicídio
entre essa gente (a segunda maior etnia indígena no País, 45 mil
pessoas). E já nesse tempo eles não tinham onde viver segundo seus
formatos próprios - as terras para as quais gradativamente os expulsavam
eram muito pequenas, não permitiam manter a tradição de plantar,
colher, caçar, pescar. Fora de suas terras, sem formação profissional
adequada, seguiam a trajetória fatal: trabalhar como boias-frias,
tornar-se alcoólatras, mendigos, loucos. E suicidas, como o jovem de 17
anos que se matou no dia seguinte ao de seu casamento - enforcou-se numa
árvore e, sob seus pés, na terra, deixou escrito: "Eu não tenho lugar".
Quando ganhou espaço na comunicação a atual crise em dois hectares onde
vivem 170 índios (Estado, 29/10), dois dias antes se suicidara um jovem
de 23 anos, pelas mesmas razões. Felizmente, a desembargadora Cecília
Mello, do Tribunal Regional Federal, determinou que os guarani-caiovás
permaneçam na área até que se conclua a delimitação da que lhes deve
caber - e onde estão "em situação de penúria e falta de assistência", o
que, segundo ela, "reflete a ausência de providências do poder público
para a demarcação das terras". Dizia o Conselho Indigenista Missionário
(Cimi), nesse momento, que 1.500 guarani-caiovás já se haviam suicidado.
Só pode levar ao espanto trazer à memória que havia 5 milhões de índios
ocupando os 8,5 milhões de quilômetros quadrados em 1500, quando aqui
chegaram os colonizadores - ou seja, cada um com 1,7 quilômetro
quadrado, em média. E hoje os guarani-caiovás da aldeia em questão
precisam ameaçar até com suicídio coletivo para manterem 170 pessoas em
dois hectares, 20 mil metros quadrados, menos de 120 metros para cada
um, pouco mais que a área de um lote dos projetos habitacionais de
governos. Mas nem isso lhes concedem.
Talvez já tenha sido mencionado em artigo anterior pensamento do
antropólogo Lévi-Strauss num de seus livros, no qual se perguntava por
que os índios brasileiros, que eram milhões, não massacraram os
primeiros colonizadores, que eram umas poucas centenas. Teria sido muito
fácil. Mas ele mesmo respondia: não só não mataram, como os trataram
como fidalgos; porque na cosmogonia do índio brasileiro está sempre
presente a chegada do outro - e esse outro é o limite da liberdade de
cada pessoa. Tal como pensava outro antropólogo, Pierre Clastres (A
Sociedade contra o Estado): nas culturas indígenas não há delegação de
poder, ninguém dá ordens; cada indivíduo é livre; mas o limite da
liberdade de cada pessoa está em outra pessoa. Só que o respeito à
liberdade dos colonizadores custou aos índios o massacre. E situações
como as que vivem hoje.
De pouco têm adiantado relatórios de organismos internacionais, entre
eles o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que
destacam a importância (a começar pelo Brasil) das áreas indígenas para a
conservação da biodiversidade, em perigo no mundo. Também têm sido
esquecidas as lições do jurista José Afonso da Silva, que com seu
parecer levou o Supremo Tribunal Federal a decidir pelo direito dos
índios ianomâmis à demarcação de suas reservas, em Roraima: é um direito
reconhecido desde as ordenações da coroa portuguesa, no século 17.
Mas quem comove o poder brasileiro? Ainda no ano passado - talvez também
já tenha sido comentado aqui -, quando completou meio século a criação
do Parque Indígena do Xingu pelo presidente Jânio Quadros, por proposta
dos irmãos Villas Boas, o autor destas linhas, com apoio do ex-ministro
Gilberto Gil, do artista plástico Siron Franco, do compositor e criador
Egberto Gismonti, do ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai)
Márcio Santilli - entre muitas outras pessoas -, tentou levar à
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) a proposta de transformar o parque em patrimônio ambiental,
histórico e cultural da humanidade. Afinal, naqueles 26 mil quilômetros
quadrados, onde vivem 16 povos, está um pedaço riquíssimo do patrimônio
ambiental brasileiro - de sua flora, sua fauna, seus recursos hídricos
-, hoje cercado pelo desmatamento e pelo plantio de grãos; um pedaço
importante da nossa História, pois a presença de etnias por ali tem mais
de 2 mil anos; um pedaço valioso do patrimônio cultural, com todas as
manifestações lá nascidas e que perduram. Mas para que a Unesco receba
um pedido como esse é imprescindível - foi-nos dito - que ele tenha o
aval de alguma autoridade brasileira. E não conseguimos sequer uma
audiência da Funai ou de outro órgão para expor o pleito.
Não estranha. Aprendemos mais uma vez que uma iniciativa como essa é
considerada "ameaça à soberania nacional e ao uso de recursos naturais".
Tal como já acontecera em 2002, quando o autor destas linhas, membro da
comissão que preparava o projeto da Agenda 21 brasileira, observou,
numa reunião, que faltava no texto um capítulo sobre clima e mudanças
nessa área. E propunha que ele fosse escrito. Imediatamente o
representante do Itamaraty na comissão se levantou e impugnou a
proposta, alegando que "essa área, que envolve a soberania brasileira, é
privativa das Forças Armadas e do Itamaraty". Ponto final. Já
promulgada a Agenda, no início do novo governo, a
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) pediu que este
escriba a representasse na Comissão da Agenda. A proposta do capítulo
sobre clima e desenvolvimento sustentável foi reapresentada e aprovada
em princípio. Mas jamais foi discutida. Morreu.
Tampouco estranha, assim, que os guarani-caiovás enfrentem esse
calvário. Se o Parque do Xingu não pode ter prioridade, se centenas de
milhares de índios em todo o País vivem um drama diário, que importância tem para o poder a sina de algumas dezenas de guarani-caiovás perdidos em meio à soja sul-mato-grossense?
* JORNALISTA
E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR
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Encontrei o texto do Washington Novaes lendo o facebook e o Blog do Claudio Willer, abaixo.
Interessante
debate porque expõe as opiniões diversas, inclusive, a opinião do neo
midiático Luiz Pondé que ontem, dia 19 de novembro de 2012, escreveu um
texto na Folha de São Paulo achincalhando usuários da internet que são
pró Guarani-Caiowá. Mas o problema não está na internet nos blogueiros,
nos usuários do facebook que manifestam sua solidariedade ao povo
guarani-caiowá. O problema - o problema real - está na matança de
índios, crianças e jovens a adultos, que expulsos de suas terras por
fazendeiros, madeireiros, são dizimados por doenças, fome, depressão.
A
internet - diferente da FSP e de outros meios de comunicação (sic) -
deu vazão a isso. E o Pondé - para fazer currículo na mídia televisiva e
escrita da hegemônica patota - tenta desconstruir algo que
desestabiliza essa mídia. Pondé, em minha opinião, não é um intecletual
público, é um intelectual da FOlha de São Paulo. Privado.
19NOV