Fármaco para emagrecer pode
provocar síndrome, aponta estudo
Dissertação demonstra que medicamentopode alterar perfil de ácidos graxos no organismo
O
fármaco orlistate, o mesmo princípio ativo do xenical ou alli, indicado
no tratamento da obesidade (que hoje atinge a casa dos 30% na população
mundial), provou que pode alterar o perfil de ácidos graxos do
organismo humano e que, em longo prazo, pode levar a uma síndrome
caracterizada por esta deficiência. Foi o que apontou uma pesquisa de
mestrado realizada no Instituto de Química (IQ), de autoria de Thiago
Inácio Barros Lopes. O estudo, que envolveu 20 mulheres atendidas no
Laboratório de Pesquisa em Metabolismo e Diabetes (Limed) do
Gastrocentro, avaliou as mudanças do perfil lipídico das pacientes com
sobrepeso tratadas com essa droga.
Na
pesquisa, orientada pela docente do IQ Anita Jocelyne Marsaioli, o
orlistate diminuiu a absorção de ácidos graxos e, durante análise
metabólica, promoveu algumas alterações no nível de ácidos graxos
essenciais (aqueles que o organismo não consegue produzir) e outros
metabólitos como o lactato (produzido após a queima de glicose para o
fornecimento de energia, sem a presença de O2), além de uma ligeira
redução de cálcio das pacientes investigadas.
Essas
mulheres estavam na faixa dos 40 anos, num período pré-menopausa, com
IMC entre 25 e 30. Conforme Thiago, elas foram escolhidas pelo fato de o
sexo feminino ser o gênero que mais faz uso, no momento, de
medicamentos para emagrecer.
O uso do
orlistate, explica o autor, impede a absorção de gordura e também
diminui a ocorrência de alguns compostos absorvidos com a gordura. O
mestrando constatou então que o medicamento não interfere apenas no
perfil lipídico, que envolve uma série de exames para determinar
dosagens de colesteral total, HDL LDL E triglicerídios. Os seus efeitos
vão para além da perda de peso, como a diminuição das taxas de
colesterol.
Os ácidos graxos essenciais são blocos construtores de lipídios para todas as células do corpo, pois exercem funções como produção de energia, aumento do metabolismo e crescimento muscular, transporte de oxigênio, crescimento normal celular e regulação hormonal, entre outras. Com sua queda, as pessoas ficam mais sujeitas ao aparecimento de síndromes. Apesar disso, Thiago assinala que esse problema pode ser facilmente resolvido com a suplementação de nutrientes e com medidas para conter a diminuição do nível de cálcio.
Ao
comparar o seu estudo com outros da literatura, o químico notou que a
alteração no perfil lipídico de ácidos graxos, criada pelo orlistate, é
similar à que ocorre com a dieta de restrição, onde o nível de gordura
diminui. “O seu mecanismo de ação, já que não é absorvido sistemicamente
e atua só no trato gastrointestinal como inibidor de lipases gástricas,
realmente está correto”, admite Thiago.
Essa
droga age no sistema digestivo impedindo que a gordura consumida seja
absorvida pelo organismo e traga ganho de peso. Ela foi descoberta na
década de 1990 e bloqueia a absorção de até 30% das gorduras ingeridas
por meio da inibição da enzima lipase, responsável pela digestão das
gorduras.
Em 2009, recorda o autor,
expirou a patente do medicamento, que era de propriedade do laboratório
suíço Roche, mas genéricos já podem ser encontrados no mercado de
fármacos. Na opinião dele, essa chance é muito oportuna pois, em mais de
dez anos de uso, foram raríssimos os relatos de efeitos inesperados,
sobretudo diante da sua vasta procura. Além do mais, também o preço,
mais competitivo, ajuda a popularizar o produto, permitindo o consumo
mais massivo pelas classes menos favorecidas.
Sobrepeso
Por
outro lado, o mestrando reconhece que a perda de peso com o orlistate
ainda é modesta. Em geral, perde-se de três a seis quilos ao ano, quando
em conjunto com a dieta, o que é muito menos que a expectativa dos
pacientes obesos. Este é um gargalo, acentua ele.
Outro
gargalo é que os efeitos colaterais, embora não sendo sérios, são no
mínimo incômodos, visto que o usuário do medicamento terá que lidar com
incontinência e urgência fecais, dificultando a sua ida ao trabalho ou à
escola.
A despeito dessa droga ser
indicada para pessoas com obesidade (IMC acima de 30), o pesquisador
partiu para avaliação de pacientes com sobrepeso, cujo perfil lipídico é
um pouco distinto. Não havia estudos mais aprofundados sobre os efeitos
em nível plasmático do orlistate nessa classe de pacientes, realça
Thiago.
Ele avaliou vários fatores,
como as alterações no perfil de ácidos graxos, uma vez que, por ser um
inibidor na absorção de lipídios (gorduras), acaba modificando esse
perfil, com impactos no nível de ácidos graxos nos eritrócitos e no
metabolismo, verificados mediante uma abordagem metabolômica.
Esse
tipo de abordagem permite identificar e quantificar o conjunto de
metabólicos – o metaboloma – produzido ou modificado por um organismo,
avaliando-se os diversos metabólitos presentes no plasma, entre eles
níveis de glicose, lactato e até mesmo o nível de cálcio e de magnésio
no plasma.
Na pesquisa, colaborativa
com a Faculdade de Ciências Médicas (FCM), foi administrado o fármaco às
pacientes, acompanhada a sua perda de peso e colhidas amostras de seu
perfil lipídico. Thiago trabalhou com as amostras já colhidas e cedidas
pelo grupo dos endocrinologistas Bruno Geloneze Neto e Sabrina
Nagassaki.
Processo
Ainda
que o fármaco promova a perda de gordura, é desejável que ele venha
aliado a uma dieta balanceada e a exercícios físicos porque, quando se
faz um tratamento, além de usar o fármaco, sempre existe uma dieta de
restrição. Assim, se ingerido o fármaco e ao mesmo tempo gordura, o
paciente terá uma maior urgência fecal, com uma presença frequente de
óleo nas fezes. Somente este motivo já levaria a pessoa a naturalmente
diminuir a ingestão de gorduras, garante ele.
Agora,
nada impede que o orlistate seja usado continuamente. Há estudos,
inclusive, mostrando que, empregado pelo tempo de quatro a cinco anos, o
fármaco não causa prejuízos pessoais, dimensiona o pesquisador.
De outra via, a despeito de seu estudo ter sido curto, 120 dias, esse tempo foi intencional porque o autor estava sobremodo interessado no efeito do orlistate no perfil de ácidos graxos na membrana de eritrócitos, a qual tem um tempo de vida de 120 dias, tempo necessário para que os eritrócitos sejam reciclados pelo organismo.
Os
eritrócitos, ensina o mestrando, são os glóbulos vermelhos do sangue,
que se expressam no transporte do oxigênio. É importante estudá-los,
afirma, porque qualquer alteração no perfil de ácidos graxos, e da
membrana de eritrócitos, pode desencadear arteriosclerose e doenças
cardiovasculares.
Outros estudos têm
sugerido que o fármaco produz uma toxicidade no fígado, fato ainda não
comprovado. Em oposição, alguns estudos têm demonstrado que o orlistate
age contra células tumorais da próstata, inibindo a enzima ácido graxo
sintetase e a proliferação de células cancerígenas.
A
vantagem do orlistate, em relação aos medicamentos que se usam hoje,
está em seu modo de atuação, que fica mais restrito ao sistema
gastrointestinal, ao contrário, por exemplo, da sibutramina, muito
utilizada e que atua diretamente no sistema nervoso central.
Thiago
conta que o seu estudo procurou ser esclarecedor por avaliar as
interações num novo grupo de pacientes – com sobrepeso. Também foi um
dos primeiros que fez uma abordagem metabolômica com os pacientes
tratados com orlistate em que foram analisados todos os metabólitos
(pequenas moléculas) presentes no plasma, e não somente metabólitos
selecionados. “Mas trata-se de resultados ainda preliminares”, situa.
A
professora Anita Marsaioli comenta que o estudo de seu aluno conseguiu
estabelecer uma importante cooperação com a Medicina, inserindo a
Química como um apoio. “Isso foi muito bom porque os médicos deram-nos
um bom retorno, e o meu aluno respondeu às questões com seriedade e
trabalho”, relata. “Sem essa colaboração, não iríamos a lugar algum. É
preciso olhar ao nosso redor, pois há muita coisa interessante
acontecendo e que pode gerar outras perguntas de pesquisa.”
No
doutorado, Thiago estuda os pacientes que passaram pela cirurgia
bariátrica. Serão avaliadas as alterações metabólicas que ocorrem com
eles, partindo de análise do plasma para ver as suas consequências.
Publicação
Dissertação:
“Avaliação do perfil de ácidos graxos em pacientes com sobrepeso
tratados com orlistate usando CG-EM e avaliação do perfil metabólico de
plasma por RMN de 1H”
Autor: Thiago Inácio Barros Lopes
Orientadora: Anita Jocelyne Marsaioli
Unidade: Instituto de Química (IQ)
Autor: Thiago Inácio Barros Lopes
Orientadora: Anita Jocelyne Marsaioli
Unidade: Instituto de Química (IQ)