sexta-feira, 9 de novembro de 2012
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Para a palestra hoje no I 12, Universidade Estadual de Maringá.
As
pessoas não humanas: Coetzee e Barbara Smuts
Marta
Bellini
Novembro
de 2012
Um surpreendente
encontro que tive foi com J. Coetzee, e seu livro de A vida dos animais, publicado em 2002, no Brasil. Coetzee também
escreveu o maravilhoso livro Desonra,
em 1999, Prêmio Nobel.
O livro Desonra levou-me ao sentimento do mundo
dos humilhados em que estão os negros, as mulheres, os nativos e os animais. Desonra mostra como alegremente os cães
dão suas patas e braços para uma agulha que tirará suas vidas em uma África do
Sul em que não há comida para os homens e mulheres e crianças, quem dera para
cães. Quando o cão dá sua pata para morrer abanando com carinho seu rabo,
Coetzee marca os rastros da crueldade da nossa sociedade contra os animais e
por que não dizer, contra nós mesmos, uma vez que matamos os animais e morremos
em nossa humanidade.
Em a Vida dos Animais, Coetzee se expõe como
Elizabeth Costello, “uma articulada e inteligente mulher, porém envelhecida e
alienada” que dá palestras sobre o comportamento criminoso daqueles que matam
animais para comer e daqueles que não nutrem nenhuma simpatia pelos animais.
Propõe que tratemos os animais com a devida simpatia pela sua sensação de ser. Costello pergunta-nos:
“Se somos capazes de pensar nossa própria morte, por que diabos não somos
capazes de pensar a vida de um morcego?”
A protagonista da
história de Coetzee dá duas palestras em Princeton onde seu filho e sua nora,
filósofa, são professores. Lá, em meio aos filósofos e à sua nora, Norma,
apresenta sua defesa contra todo tipo de abuso aos animais. Entre Plutarco, santo
Thomas de Aquino, Descartes e outros filósofos Costello enfrenta a barreira da
Razão contra as proposições de Costello, que são para Norma, a nora, produtos
de uma velha que chama os ouvintes a abrir seu coração e ouvir dele o chamado
aos animais.
Razão e sentimentos.
Ciência e bobagem. Animais e homens. Dicotomias que a velha Costello ignora.
Recomendo-lhes a leitura do livro porque nenhuma fala sobre um livro substitui
a emoção da narrativa do livro.
Esse
livro de Coetzee é
lido por quatro renomadas pessoas. Marjorie Garber, teórica de
literatura,
Peter Singer, filósofo, Wendy Doniger, professora de religião e Barbara
Smuts, primatologista. Desse conjunto de comentários vou tentar falar da
Smuts.
Smuts lê A Vida dos animais e chama a atenção sobre
a não objeção da personagem de Coetzze ao personagem e professor de filosofia
Thomas O´Hearne Para Hearne “Thomas de Aquino afirma que os animais entre os
seres humanos e animais é impossível,e eu tendo a concordar com ele. Não dá
paraser amigo nem de um marciano nem de um morcego, pela simples razão de
termos muito pouco em comum com eles”. Para Barbara Smuts é fácil refutar essa
afirmação e Costello não o faz. Isso porque não nos damos conta de nossa
história com membros de outras espécies e a “falta de referências a relações
com animais na vida real é um surpreende lapso no discurso sobre os direitos
dos animais” (2002, p. 129).
Costello é a velha que
vê e sente com o coração, com a simpatia. A ela talvez tenha faltado o encontro
com as PESSOAS NÃO HUMANAS no habitat das montanhas úmidas e enevoadas da África
Central, os gorilas, nas montanhas quentes escarpadas do Oeste da Tanzânia, os
chimpanzés, ou os maravilhosos babuínos que “passeiam preguiçosamente pelas
planícies de erva dourada das terras altas do Quênia, ou ainda vendo os
golfinhos nas águas verdes e claras da baia Shark, Austrália (ver p. 130).
E aqui começa um bom
capitulo para pensar as PESSOAS NÃO HUMANAS, os animais. Barbara Smuts usa o
termo pessoa no sentido de se referir a um tipo de interação ou relacionamento
com algum grau de intimidade entre atores que são individualmente conhecidos um
do outro como numa relação pessoal (p. 130). E descreve seu trabalho de mais de
20 anos com babuínos, na Tanzânia.
Quando
comecei a trabalhar com babuínos, meu maior problema foi aprender a acompanhá-los
permanecendo alerta contra cobras venenosas, búfalos irascíveis, abelhas
agressivas e buracos bons para quebrar a perna. Felizmente esses desafios foram
ficando mais fáceis com o decorrer do tempo, principalmente porque eu viajava
na companhia de guias peritos: os babuínos são capazes de perceber um predador
a quilômetros de distancia e parecem dotados de um sexto sentido para a
proximidade das cobras. Ao me abandonar a seu conhecimento imensamente
superior, comecei, como humilde discípula, a aprender com meus mestres como ser
um antropóide africano.
Assim
me tornei (ou melhor, reconquistei meu ancestral direito de ser), me deslocando
instintivamente por um mundo que sentia (porque era) como meu antigo lar.
Quando comecei a dominar esse desafio, me vi diante de outro igualmente exigente: compreender e me comportar de acordo com
uma babuína, de uma sutileza e de uma bizarria de deixar pasma uma Emily Post
(p.131).
Ignorada pelos
babuínos, Barbara Smuts entendeu que estava no mundo deles e da regra do jogo
deles e diz que assim “foi compelida a explorar o terreno desconhecido da intersubjetividade
humano-babuíno” (p. 132). Torneou-se assim, em suas palavras um SER BABUÍNO.
UMA PESSOA NÃO HUMANA BABUÍNA.
Aos
poucos me familiarizei com a linha invisível que delimitava o espaço pessoal de
cada membro do bando, e descobri que esse espaço se expande e se contrai,
dependendo das circunstancias. Desenvolvi um jeitinho de docemente, mas com
firmeza, virar as costas aos avanços divertidos dos jovens, demonstrando, como
outras fêmeas mais velhas, que embora os achasse atraentes, tinha coisas mais
importantes a fazer. Depois de muitos meses imersa nessa sociedade, parei de
pensar tanto no que fazer e em vez disso simplesmente me rendi ao instinto, não
enquanto ação impensada ou reflexa, mas como ação baseada em alguma herança
primata de conhecimento corpóreo (p.132).
Daí é que Smuts diz descobrir
o que fala a protagonista de Coetzee, Costello quando afirma que um SER ANIMAL
É ESTAR CHEIO DE ALEGRIA, CHEIO DE SER.
Assim
como nós, os babuínos se irritam, ficam com fome, sentem medo, dor e perda. Mas
durante minha temporada com eles, o estado básico parecia ser uma apreciação prazerosa
de ser um corpo babuíno numa terra babuína. As fêmeas adolescentes finalizavam
suas saudações formais, de adultas, para os sombrios machos, dando uma
cambalhota floreada. Distintas senhoras, incapazes de despertar a atenção dos
machos, ficavam de ponta-cabeça e olhavam para o sujeito assim invertidas. Machos
grisalhos se aproximavam de grupos de babuínos crianças que brigavam e
faziam-lhes cócegas. Jovens passavam horas aperfeiçoando a técnica de se
balançar num ramo para aterrissar em cima da cabeça da mãe. E os risos
sussurrados, sem voz, da brincadeira dos babuínos ecoava na floresta de manhã à
noite (p. 132-133).
Com os babuínos, Smuts
aprendeu a descansar. Depois começou a dormir com eles até que “adormeci
acompanhada de cem babuínos...”. Com essas pessoas não humanas soube distinguir
cada porte, cada cara, cada som. Eles não eram iguais! Cada um tinha hábitos diferentes,
gostavam de comidas diferentes, amigos preferidos e maus hábitos prediletos!
Cada um diferente, estabelecia uma relacionamento diferente. Eram amigos com
características diferentes.
Lisístrata
gostava de se esgueirar atrás de alguma mãe que carregava um filhote, derrubar
o filhote (suavemente) e depois fingir profunda preocupação. [..] Cícero, um
jovem proscrito, sempre me seguia e sentava-se quietinho a alguns metros,
aparentemente sentindo algum conforto na minha proximidade. Leda, uma fêmea bem
humorada, andava tão junto de mim que eu sentia seus pelos roçando minha perna.
(p. 134).
Para terminar, Smuts
diz que a protagonista de Coetzze, Elizabeth Costello, não ficaria surpresa com
suas experiências com pessoas as não humanas, babuínos, gorilas, cães,
golfinhos, veados etc. Não há, diz Smuts, como afirma Costello, limite para a nossa
capacidade de perceber pelo pensamento o ser do outrem.
Minha
vida me convenceu de que os limites que encontramos em nossas relações refletem
as nossas limitações, como sempre penamos, mas a visão estreita com que
pensamos quem são eles e que tipos de relações podemos ter com eles. E assim, concluo
convidando todo mundo que tenha interesse nos direitos animais a abrir o
coração para os animais à sua volta e descobrir por si mesmos como é fazer
amizade com uma pessoa não humana (p.145).