sexta-feira, 30 de novembro de 2012

UOL Notícias.


STF ainda deve resposta sobre foro privilegiado de condenados do mensalão, diz Roberto Romano

Janaina Garcia
Do UOL, em São Paulo

Não bastam as definições das penas de 25 réus do mensalão: se o Judiciário brasileiro quiser dar uma resposta ao cidadão sobre combate à corrupção no país, terá de encarar também a “cereja do bolo” em que se transformou o benefício do foro privilegiado de parte dos condenados. “É um elemento a mais, importantíssimo, que tem que ser abolido. Porque ele é um passaporte  para a impunidade”.
A avaliação é do professor de ética e filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Roberto Romano.

“Se Supremo mandar o processo de cassação para que a Câmara analise, ele está dizendo que reconhece a prerrogativa de foro –sobre a qual, até agora, os ministros não tiveram uma definição própria a respeito”, disse Romano, que indaga: “Como se divide a cidadania entre duas classes: a de quem está no poder e a de quem não tem poder? Os ministros devem uma resposta final sobre isso."

Em SP, julgamento do mensalão é visto como exemplo e 'pizza'

Na próxima quarta (5), os ministros do Supremo decidirão se cabe à Corte a cassação imediata de três parlamentares condenados -- Valdemar Costa Neto (PR-SP), João Paulo Cunha (PT-RS) e Pedro Henry (PP-MT) –ou à Câmara. O parlamentar sem mandato perde a prerrogativa do foro, que o livra, por exemplo, do cumprimento da reclusão.

Para Romano, “ainda é cedo” para uma avaliação profunda sobre o julgamento que mobilizou o STF e estampou o noticiário durante cerca de quatro meses.

Mesmo assim, o estudioso destaca que, além do foro, a disparidade de penas aplicadas a entes do chamado núcleo político em relação às daqueles que integram os núcleos publicitário e financeiro apresentam “uma disparidade enorme”.


“O [publicitário] Marcos Valério foi condenado a mais de 40 anos de prisão, por exemplo, enquanto as penas mais pesadas do núcleo político não passam de 15 anos”, observou. “Fica uma dúvida muito grande, uma estranheza, já que, para a Procuradoria Geral da República, o ex-ministro [chefe da Casa Civil, José Dirceu] lideraria o esquema”, apontou.

Dirceu foi condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha a dez anos e dez meses de prisão, mais multa de R$ 676 mil.

Centralização de poder prejudicial

Na avaliação de Romano, porém, a estrutura administrativa que centraliza o poder na capital federal e limita, com isso, o de Estados e municípios é outro fator propício para que a corrupção não seja extinta tão cedo no país.

“Há uma série de causas históricas, sociais e jurídicas que alimentam a corrupção. E com uma autonomia muito limitada nas unidades federativas, sobretudo nos municípios, é neles que esses casos acabam começando –porque é onde mais agem os ‘intermediários’ que facilitam o trabalho de garantir verbas”, afirmou.

“Por isso é preciso haver uma revolução federativa que garanta melhor redistribuição recursos e das responsabilidades –em São Paulo, por exemplo, os governos federal e paulista dividem as tarefas para cuidar da crise da segurança pública como se representassem dois Estados distintos. O mesmo a gente vê na guerra dos royalties do petróleo”, citou.

Outra avaliação que Romano faz dos quatro meses de julgamento diz respeito à aura de heroísmo que pairou sobre ministros do Supremo –especialmente sobre o relator do processo, Joaquim Barbosa --, apontada por parte da opinião pública.

“Houve um exagero nisso. Essa tendência a se transformarem pessoas que agem corretamente em heróis é própria de um país onde o cidadão não tendem a cumprir os deveres da maneira mais correta”, opinou. “O [relator] Barbosa não é deus, nem herói, mas um juiz com uma grande coragem e obstinação. Vem do MP [Ministério Público] e levou adiante esse processo espinhoso, mas é só --isso não muda a cultura política do povo brasileiro.”

‘Necessidade’ de prisão


“Essa ideia de necessidade de prisão é profundamente negativa e é muito próxima de quem defende o uso irrestrito da força física pelo Estado. E isso vem de uma tradição muito antiga – e sobretudo por termos vivido duas ditaduras, e em uma das quais, a de 1964 [comandada por militares], que prometia acabar com o comunismo e a corrupção”, citou, para ressalvar: “No fim, ela [ditadura de 1964] conviveu muito bem com a corrupção –tanto que temos notórios corruptos, filhotes dessa época, que continuam sendo eleitos e reeleitos”, destacou.