STF ainda deve resposta sobre foro privilegiado de condenados do mensalão, diz Roberto Romano
Janaina GarciaDo UOL, em São Paulo
Não bastam as definições das penas de 25 réus do mensalão:
se o Judiciário brasileiro quiser dar uma resposta ao cidadão sobre
combate à corrupção no país, terá de encarar também a “cereja do bolo”
em que se transformou o benefício do foro privilegiado de parte dos
condenados. “É um elemento a mais, importantíssimo, que tem que ser
abolido. Porque ele é um passaporte para a impunidade”.
A avaliação é do professor de ética e filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Roberto Romano.
“Se Supremo mandar o processo de cassação para que a Câmara analise,
ele está dizendo que reconhece a prerrogativa de foro –sobre a qual, até
agora, os ministros não tiveram uma definição própria a respeito”,
disse Romano, que indaga: “Como se divide a cidadania entre duas
classes: a de quem está no poder e a de quem não tem poder? Os ministros
devem uma resposta final sobre isso."
Em SP, julgamento do mensalão é visto como exemplo e 'pizza'
Na próxima quarta (5), os ministros do Supremo decidirão se cabe à Corte a cassação imediata de três parlamentares condenados
-- Valdemar Costa Neto (PR-SP), João Paulo Cunha (PT-RS) e Pedro Henry
(PP-MT) –ou à Câmara. O parlamentar sem mandato perde a prerrogativa do
foro, que o livra, por exemplo, do cumprimento da reclusão.
Para Romano, “ainda é cedo” para uma avaliação profunda sobre o
julgamento que mobilizou o STF e estampou o noticiário durante cerca de
quatro meses.
Mesmo assim, o estudioso destaca que, além do foro, a disparidade de
penas aplicadas a entes do chamado núcleo político em relação às
daqueles que integram os núcleos publicitário e financeiro apresentam
“uma disparidade enorme”.
“O [publicitário] Marcos Valério foi condenado a mais de 40 anos de
prisão, por exemplo, enquanto as penas mais pesadas do núcleo político
não passam de 15 anos”, observou. “Fica uma dúvida muito grande, uma
estranheza, já que, para a Procuradoria Geral da República, o
ex-ministro [chefe da Casa Civil, José Dirceu] lideraria o esquema”,
apontou.
Dirceu foi condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha a dez anos e dez meses de prisão, mais multa de R$ 676 mil.
Centralização de poder prejudicial
Na avaliação de Romano, porém, a estrutura administrativa que
centraliza o poder na capital federal e limita, com isso, o de Estados e
municípios é outro fator propício para que a corrupção não seja extinta
tão cedo no país.
“Há uma série de causas históricas, sociais e jurídicas que alimentam a
corrupção. E com uma autonomia muito limitada nas unidades federativas,
sobretudo nos municípios, é neles que esses casos acabam começando
–porque é onde mais agem os ‘intermediários’ que facilitam o trabalho de
garantir verbas”, afirmou.
“Por isso é preciso haver uma revolução federativa que garanta melhor
redistribuição recursos e das responsabilidades –em São Paulo, por
exemplo, os governos federal e paulista dividem as tarefas para cuidar
da crise da segurança pública como se representassem dois Estados
distintos. O mesmo a gente vê na guerra dos royalties do petróleo”,
citou.
Outra avaliação que Romano faz dos quatro meses de julgamento diz
respeito à aura de heroísmo que pairou sobre ministros do Supremo
–especialmente sobre o relator do processo, Joaquim Barbosa --, apontada
por parte da opinião pública.
“Houve um exagero nisso. Essa tendência a se transformarem pessoas que
agem corretamente em heróis é própria de um país onde o cidadão não
tendem a cumprir os deveres da maneira mais correta”, opinou. “O
[relator] Barbosa não é deus, nem herói, mas um juiz com uma grande
coragem e obstinação. Vem do MP [Ministério Público] e levou adiante
esse processo espinhoso, mas é só --isso não muda a cultura política do
povo brasileiro.”
‘Necessidade’ de prisão
Questionado sobre a percepção popular de que os condenados precisam, necessariamente, cumprir pena na cadeia, o estudioso lamentou.