quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 26 de novembro de 2012 a 02 de dezembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 547

Um sistema de
informação para o Biota

Pesquisadora sistematiza dados,
promovendo a integração do conhecimento ecológico

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Grande parte do conhecimento científico sobre a biodiversidade e ecossistemas brasileiros encontra-se dispersa, mal documentada e inacessível aos interessados, quando a integração das informações poderia orientar a tomada de decisões para conservação, gestão ambiental e para novas descobertas. A tese de doutorado de Debora Pignatari Drucker vem nesta direção, ao desenvolver um sistema de informação para o Projeto Temático Biota Gradiente Funcional da Fapesp, liderado pela Unicamp. A pesquisa, desenvolvida no Programa de Doutorado Interdisciplinar em Ambiente e Sociedade, sediado no Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam), teve a orientação do professor Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia (IB), e coorientação da professora Leila da Costa Ferreira, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).
“Já vinha trabalhando nesta área de gestão da informação sobre biodiversidade no INPA [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, MCTI], em Manaus, quando conheci o professor Joly”, recorda Debora Drucker. “Como ele foi um dos responsáveis pela criação do Sinbiota [Sistema de Informação Ambiental do Programa Biota], conversamos sobre a possibilidade de uma parceria. O Sinbiota tem enfoque maior nos desafios de se gerenciar dados taxonômicos e identificamos a possibilidade de complementar essa abordagem com um estudo que envolvesse também dados ecológicos”.
A pesquisadora explica que os dados ecológicos comumente contemplam atributos quantificáveis de organismos e de ecossistemas, bem como de suas interações, e não necessariamente relacionados com entidades taxonômicas determinadas. “O professor Joly manifestou interesse em um estudo para o Biota Gradiente Funcional – um projeto de grande porte envolvendo estudiosos das mais diferentes temáticas da biodiversidade e de diferentes instituições, o qual revelou-se como um estudo de caso interessante para testar novas ferramentas. Para isso, tivemos a parceria de José Augusto Salim, na época aluno Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, na parte de desenvolvimento de software.”
Para dar uma ideia da dimensão do projeto, Carlos Joly informa que o mesmo gerou 33 mestrados e 25 doutorados, reunindo pesquisadores do Departamento Biologia Vegetal da Unicamp, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Instituto de Botânica (IBt), Instituto de Biociências da Unesp (Rio Claro), principalmente da área de taxonomia; do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/USP), na área de isótopos de carbono e nitrogênio; do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG/USP), nas trocas de CO2 entre a floresta e a atmosfera; bem como da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade de Taubaté (Unitau), do Instituto Florestal e da Fundação Florestal.
Joly explica que as pesquisas focaram a mata Atlântica, na vertente entre Ubatuba e São Luís do Paraitinga, onde estão localizados os núcleos Picinguaba e Santa Virgínia do Parque Estadual da Serra do Mar. “Pelo conjunto de pessoas e instituições envolvidas, havia a necessidade de um sistema para organizar toda a informação que foi e ainda está sendo gerada. Isso porque o projeto, embora já tenha terminado enquanto temático, continua sendo desenvolvido com auxílios à pesquisa, por mim e por outros pesquisadores do grupo”.
Visualização espacial
No propósito de contribuir para a criação de uma infraestrutura de informação que sirva como ponte entre a ciência e os processos de tomada de decisão em conservação e gestão ambiental, a autora procurou ferramentas de gerenciamento de dados já existentes, visando promover a integração do conhecimento ecológico. E também desenvolveu uma ferramenta nova, que permite a visualização espacial dos dados. “Conseguimos visualizar todos os indivíduos arbóreos coletados nas parcelas, sobrepostos a imagens do Google.”
Debora catalogou levantamentos de 30 subprojetos de pesquisa do projeto temático, a fim de obter detalhes e dados das pesquisas em andamento e finalizadas. “Apesar de não haver acordos prévios quanto à disponibilização dos dados, muitos se dispuseram a colaborar. Este compartilhamento de informações representa uma nova cultura e o contato com os pesquisadores proporcionou um enorme aprendizado: tanto sobre o amplo universo das pesquisas desenvolvidas, quanto sobre a relação das pessoas com seus objetos de pesquisa e, consequentemente, com os dados por elas levantados.”
Em sua tese de doutorado, a pesquisadora conclui que o sistema se mostrou eficiente para gerenciar os dados e metadados fornecidos pelos pesquisadores. “Foi possível recuperar a informação por consultas tanto ao catálogo de metadados, pelo uso de palavras-chave, quanto à base de dados, pela seleção de variáveis e de parâmetros temporais e espaciais. A possibilidade de consultar qualquer variável de interesse, independentemente da associação com uma entidade taxonômica, configura um sistema de informação sobre biodiversidade original e inovador”, escreve.
Debora Drucker admite que quando iniciou o trabalho, supôs que teria o sistema rodando perfeitamente no final, até perceber a importância de se assegurar um arcabouço institucional que permita perpetuar a iniciativa no longo prazo. “O sistema ainda está muito artesanal. Atualmente, se algo acontece com o servidor, sou eu que verifico o problema, mesmo não tendo mais vínculos com a Unicamp [hoje é analista da Embrapa]. O sistema deve estar sob um guarda-chuva institucional maior, como do Biota Fapesp ou da Unicamp, que possibilite a manutenção adequada e o amadurecimento e integração de novas funcionalidades.”
Uma possibilidade a ser negociada, de acordo com o professor Carlos Joly, deriva da contrapartida oferecida pela Unicamp ao Biota Fapesp, que envolveu um acordo com o Cenapad-SP (Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho, sediado no campus) para armazenamento das bases de dados. “O ideal é que o sistema fique neste arcabouço, com toda a segurança oferecida pelo Cenapad em termos de capacidade técnica, equipamentos e infraestrutura”, afirma o docente.
Na linha de frente
A própria autora da tese, por seu lado, já mantém uma interface com o que está sendo desenvolvido na linha de frente da gestão da informação sobre biodiversidade e ecossistemas, na Universidade da Califórnia (EUA). “Uma equipe do NCEAS (National Center for Ecological Analisys and Synthesis, de Santa Bárbara), em conjunto com outras instituições americanas, desenvolveu algumas das ferramentas que implementamos aqui. Agora, essa equipe faz parte de uma iniciativa de maior porte, chamada DataONE (Data Observation Network for Earth), que pretende integrar dados de biodiversidade e ecológicos com outros dados relevantes para a compreensão e monitoramento do sistema terrestre, como dados climáticos, socioeconômicos e de agropecuária, inclusive aqueles obtidos por sensoriamento remoto.”
Debora esclarece que dentro do universo da informação sobre o sistema terrestre coexistem muitas iniciativas de gestão da informação, mas de forma fragmentada, havendo a necessidade de que se conversem – e ferramentas utilizadas por ela estão sendo aprimoradas pela rede DataONE na busca desta conexão. “Nosso sistema está apto a se conectar com iniciativas pioneiras e de grande porte – daí termos adotado normas mundialmente consagradas. Mas ressalto na tese que uma infraestrutura de informação é composta também por regras e acordos, com ênfase na importância das pessoas em todas as etapas, envolvendo o pessoal de desenvolvimento, curadoria, pesquisadores e usuários.”
Segundo Carlos Joly, o trabalho de sua orientada tem contribuído tanto com o PPBio (Programa de Pesquisa em Biodiversidade), do MCTI, e com o PELD (Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração), do CNPq, como para a estratégia nacional  envolvendo o Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr), que está sendo desenvolvido pelo MCTI e do qual Debora é membro do Comitê Técnico Consultivo. “Temos um conjunto grande de iniciativas bem-sucedidas no país, mas falta interação. O MCTI busca isso, ao trazer profissionais do INPA, Jardim Botânico, RNP, MMA, IBGE, EMBRAPA, do LNCC e da Politécnica da USP, com diferentes experiências, para subsidiar decisões visando formar um conjunto integrado. No cenário internacional, o Brasil tornou-se recentemente participante do Global Biodiversity Information Facility (GBIF), que reúne dados de biodiversidade do mundo inteiro.”

Publicações
Tese: “A integração da informação sobre biodiversidade e ecossistemas para embasar políticas de conservação”
Autora: Debora Pignatari Drucker
Orientador: Carlos Alfredo Joly
Coorientadora: Leila da Costa Ferreira
Unidades: Instituto de Biologia (IB) e Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).