Em Portugal 1
Na primeira pessoa 1
de Joana Lopes, Portugal
«Durante a minha participação pacífica na manifestação da Greve Geral
frente à Assembleia da República a polícia dispersou os manifestantes
com foguetes, bastões e balas de borracha. Eu, como milhares de pessoas,
corremos pelas ruas do Largo de São Bento para evitar bastonadas. Não
querendo confusão, eu e os meus amigos seguimos pela 24 de Julho, no
sentido do Cais do Sodré a caminho de casa.
Fomos surpreendidos por um grupo de polícias fardados a correr atrás de
nós e, pela frente, homens não fardados mas armados ordenaram que nos
deitássemos. Deitei-me de barriga para baixo e gritei “por favor não me
faça mal” duas ou três vezes. A resposta do homem não fardado foi clara –
uma bastonada na nádega direita e outra nas costas com marca bem
visível. Fui algemado enquanto me gritavam que não me mexesse.
Entretanto trocaram as algemas por braçadeiras, bem mais
desconfortáveis.
Fui revistado (não possuindo nada de ilegal ou ilícito). Um agente da
PSP rebentou as abas daminha mochila para ma tirar das costas através
das braçadeiras que me prendiam os braços. Fui empurrado para uma
carrinha da PSP com 6 lugares, onde me fizeram sentar na parte de cima
da roda, nas traseiras. Fomos transportadas 9 pessoas na carrinha de 6
lugares.
Chegado ao Tribunal fui revistado mais duas vezes e, descalço, fui
colocado numa cela com mais 4 pessoas, um deles com ferimentos na cabeça
e costas, com sangue a cair na cela. Outro, um menor, de 15 anos, foi
libertado com aflição pelos agentes ao aperceberem-se da detenção ilegal
do menor. Eu pedi várias vezes para fazer o telefonema a que tenho
direito. Responderam-me que “aqui não há telefones”. Insisti com
diferentes agentes que sempre me recusaram esse direito.
Nenhum dos agentes que me detiveram e revistaram estavam identificados,
tendo retirado a placa com o seu nome. Nenhum dos agentes no tribunal
estava identificado.
Horas depois fui chamado a uma sala onde fui coagido a assinar um Auto
de Identificação com os meus dados mas em branco no “local, hora e
motivo da detenção”. Questionei o agente que me disse ser um
procedimento normal, que depois eles preencheriam o resto “para bater
certo com os outros detidos”. Insisti não me sentir à vontade para
assinar um papel que será preenchido depois. O Agente colocou, então, o
local de detenção mas recusou-se a pôr a hora e motivo. Foi-me dado a
entender que bastaria assinar para ser libertado. Coagido, assinei.
Levaram-me para a rua, para a porta do tribunal, onde, já libertado, confirmei que não tinha direito ao telefonema.
A minha advogada foi impedida de entrar enquanto lá estive, foi impedida
de ver os papéis que assinei. Chegado cá fora pedi aos agentes de
serviço que me facultassem uma cópia do Auto que assinei, ou que o
mostrassem à minha representante. Esse acesso foi negado com o argumento
deque “já não estava detido”.
Saí sem nenhuma acusação ou explicação para o sucedido.
Conclusão: Estou no Cais do Sodré a caminho de casa (ali perto) quando
homens não fardados me agridem, me algemam e detêm durante horas, sendo
libertado cerca das 00h em Monsanto, sem forma de voltar a casa ou ao
local de detenção. Não me foi feita acusação nem dada qualquer
explicação. Foi-me recusado telefonar e também me foi recusado ver a
minha advogada, como é direito de qualquer pessoa detida. O meu dia foi
transtornado, fui agredido, e nenhuma explicação me foi dada. Foi uma
experiência miliciana.
Fábio Filipe Varela Salgado
BI 13018976
DN 8/4/1986
Lisboa, 15 de Novembro de 2012»
.
Em Portugal...
Na primeira pessoa (2)
de Joana Lopes, Portugal
.
Conheço o Sérgio Manso Pinheiro, cujo filho foi detido na passada quarta-feira, e que escreveu este texto no Facebook.
«Parece que é possível em Portugal a polícia deter uma pessoa no Cais do
Sodré (a 1,6kms da Assembleia da República), algemá-la, omitir dos
familiares o local para a leva durante 3 horas (parece que se chama
sequestro), apreender o telemóvel, impedir ao advogado qualquer acesso
ou informação, identifica-la (e só, porque quem estava detido sabe que
não se atira pedras às pessoas, que não se atira pedras aos polícias) e
deixá-la às 23horas em Monsanto (sem permitir qualquer chamada a não ser
já fora das instalações)…
Detida estava também uma pessoa ferida, a quem não foi prestado ou o
acesso a qualquer tratamento. O Ministro da tutela já felicitou a
conduta.
Missing, com Jack Lemmon, retrata a história do pai Americano que
procura sem sucesso o seu filho desaparecido depois do golpe militar no
Chile de 1973 que depôs o Presidente Salvador Allende, eleito
democraticamente.»
.
Deriva autoritária na Europa
do Blog de Joana Lopes, Portugal...
Via ATTAC, cheguei a este texto de Xavier Caño Tamayo, que pode ser lido na íntegra aqui.
«Os fascistas da Aurora Dourada e os grupos ou partidos xenófobos de
extrema-direita da Holanda, Bélgica e outros países europeus são
certamente detestáveis e dignos de toda a rejeição; há que estar alerta,
tomar precauções e tentar isolá-los. O seu crescimento nos últimos
anos, alimentado pelos medos que suscita a crise que assola a Europa, é
preocupante. Mas não são o maior perigo dos nossos dias. É a própria
classe política dirigente europeia, ao serviço descarado do poder
financeiro, que caminha para o autoritarismo e se encarrega da
democracia. Barroso, Draghi, Van Rompuy, Olli Rehn, Merkel, Rajoy,
Monti, Samaras, Passos Coelho e companhia não precisam dos esquadrões
fascistas tradicionais. Por agora. Eles desmantelam o sistema
democrático sem a ajuda de fascistas by the book, porque
prescindem olimpicamente da cidadania, nem lhes ocorre ouvi-la,
ignoram-na, violam os seus direitos e reprimem duramente quando se
resiste ou se protesta. Além disso, o que é insultuoso é que pretendam
ser defensores da democracia quando o que fazem é esvaziá-la de
conteúdo. Reduzem-na a um cenário, a uma liturgia, a algo que parece uma
farsa. (...)
William Shakespeare escreveu que "a erva cresce à noite e que, quando os
ricos saem para passear no dia seguinte, já cresceu entre as lajes do
átrio". Para bom entendedor ... Porque o mundo nunca mudou pela
generosidade de quem tem o poder, o mundo mudou pelo protesto, pela
resistência e pela acção dos governados e explorados: o mundo mudou
sempre apesar dos que mandavam e detinham o poder. Porque, em última
instância, a democracia verdadeira não é um objetivo, mas um caminho.
Por muito que lhes custe.»