quinta-feira, 29 de novembro de 2012
Pense ...
Enviado pelo Grozny Arruda. Grata, Grozny!
O pensar como doença
"O estado de
reflexão é contra a natureza. O homem que medita é um animal depravado."
Tais afirmações de Rousseau parecem servir de guia involuntário para setores
hegemônicos da clínica do sofrimento psíquico.
Há anos, a
filósofa francesa Joëlle Proust foi capaz de afirmar que o sofrimento psíquico
não teria relações com a forma com que o paciente reflete sobre seus sintomas a
partir de suas próprias convicções e motivações.
Com isso, ela
apenas dava forma a um princípio que parece guiar dimensões maiores da
psiquiatria contemporânea. Ou seja, tudo se passa como se não houvesse relações
entre a maneira com que sofremos e a maneira com que pensamos e procuramos
justificar nossas vidas a partir de valores e normas.
Essa é uma boa
maneira de evitar o trabalho mais doloroso exigido pelo tratamento de
modalidades de sofrimento psíquico, a saber, a crítica dos valores, normas e
formas de pensar que constituem, tacitamente, nosso horizonte de uma vida
bem-sucedida.A fim de evitar tal trabalho crítico, que certamente é o que há de
mais difícil, parece que nos tranquilizamos com ideias como as da professora
Proust. Elas acabam por servir para fortalecer a crença de que só haveria cura
lá onde abandonássemos o esforço de pensar sobre nós mesmos. No fundo, talvez
porque ainda estejamos presos a resquícios deste antigo paralelismo que
associava, por exemplo, a melancolia ao ato de "pensar demais".
Décadas atrás,
François Truffaut fez um belo filme (Fahenait 451) sobre uma sociedade no
futuro onde a polícia queimava livros porque eles trariam infelicidade. Melhor
seria garantir a felicidade social por meio de uma política de uso exaustivo de
medicamentos.
Tal filme foi a
metáfora perfeita para um fenômeno que o sociólogo Alain Ehrenberg chamou,
décadas depois, de "uso cosmético" de antidepressivos e afins.
Por "uso
cosmético" entendamos o uso de larga continuidade que acaba por visar
conservar performances sociais bem avaliadas, evitando ao máximo a experiência
com transtornos de humor. Ele é o resultado inevitável do modelo de medicação
que impera atualmente. Trata-se de uma distorção daquilo que deveria ser a
regra, a saber, o uso focal ligado exclusivamente a situações e momentos de
crise aguda.
Tal uso focal
procura apenas garantir as condições de possibilidade para que o verdadeiro
tratamento ocorra. Um tratamento que poderá mostrar como, se é a reflexão que
nos adoece, é ela também que nos cura.
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Comentário:
Foi
bom ler esse texto logo após chegar do trabalho. É que ouvi de um
ex-aluno de pós (que agora faz doutorado) uma reclamação. Fazendo uma
disciplina de pós, ouviu de um palestrante ou ministrante que a educação
vai mal porque há "muita matemática e português" e nada disso modifica a
escola e a escolarização.
A
ausência da reflexão, da profundidade e por que não dizer da ética faz
um jovem professor doutor um bobo que nos ofende com tanto besteirol.
Pensar mais é a única condição que nos resta.